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Análise: Harold Halibut (Multi) une stop motion, amores e dores numa experiência única

Desenvolvido pela estreante Slow Bros, o jogo discute temas humanos em um cenário retrofuturista.


Apesar de ser extremamente popular em animações, o formato de stop motion ainda não decolou nos games. São poucas as obras que apostam nesse estilo para contar suas histórias, principalmente pelo grande esforço necessário em criar bonecos e cenários. Nesse contexto, a desenvolvedora alemã Slow Bros decidiu apostar no stop motion para trazer à vida, depois de mais de dez anos de produção, Harold Halibut, um jogo narrativo que chega ao mercado recheado de charme e carisma.

Trágica odisseia espacial



A trama acompanha os habitantes da nave Fedora I, que saiu de uma terra ameaçada de extinção global pela Guerra Fria, em busca de um planeta habitável para os humanos. Entretanto, a jornada foi interrompida quando a nave caiu em um planeta desconhecido, contendo em sua maioria oceanos e tempestades solares. Assim, no fundo do mar, a Fedora I se manteve habitável durante dezenas de anos. 

É nesse contexto que conhecemos o nosso protagonista, Harold Halibut, um jovem faz-tudo que é assistente de Mareaux, uma das cientistas mais prestigiadas do local. Toda a nave é controlada por uma empresa chamada AllWater, que criou uma rotina e economia própria para os habitantes, tornando o local um “lar” temporário para os humanos presentes. Toda a história começa a rolar suas engrenagens quando um descobrimento chocante sobre o passado e uma falha de energia colocam os personagens em ação para traçar um plano e sair do planeta.

Entrando em tubos e forjando laços



Não é exagero dizer que a jogabilidade de Harold Halibut se resume a andar por tubos e conversar com os personagens: em 90% do tempo, você vai estar fazendo uma das duas ações. Boa parte das missões envolvem andar de um lado ao outro da estação, sempre utilizado os tubos como principal meio de locomoção. Quando você chega ao seu destino, uma série de diálogos te espera.

Essa descrição pode parecer entediante para os jogadores, principalmente com as maiores produções da indústria tendo grandes cenários de ação, mundos gigantescos e jogabilidade refinada. Até um certo ponto, de fato, o jogo podia cadenciar melhor seus momentos mais emocionantes e de desenvolvimento de personagens com as intermináveis viagens de tubo; porém, não posso dizer que não fui cativado pelo universo e seus personagens, e parava cada segundo para ouvir o que tinham a dizer.




Apesar dos momentos de grandes acontecimentos e reviravoltas serem bem espaçados, a trama se desenvolve apoiada fortemente pelos seus personagens. A escrita consegue construir pessoas interessantes e completamente diferentes na nave. Temos o professor do primário bodybuilder que ama novelas; o cientista e pai coruja que vive enfurnado em seus dados; os irmãos gêmeos que ocupam diversos cargos na nave e têm uma briga de família há anos; além do meu favorito, Buddy, um simpático carteiro que tem uma relação muito bonita com Harold.




Todos esses personagens, apesar de terem forma de bonecos, com o trabalho de roteiro combinado com uma atuação de voz fenomenal, entregam personalidades humanas e muito cativantes. Até os personagens mais vilanescos, ou moralmente dúbios, são revestidos dessa camada de charme que torna cada interação com eles interessante. Com o foco em narrativa, obviamente a parte da jogabilidade se torna secundária, mas a história entrega uma experiência satisfatória em contraponto.

Encontrando um lar



Talvez o indivíduo mais interessante de todos eles seja exatamente o protagonista Harold Halibut. Apesar de ser apresentado como jovem, o design com roupas de faz-tudo e rosto marcado por idade causa uma estranheza com o personagem. Dentro do próprio jogo, as pessoas duvidam de Harold quando ele afirma ser “jovem”. É uma escolha criativa que me leva diretamente para filmes como Anomalisa, de Charlie Kaufman.

Dentro dos vídeo games, onde protagonistas visualmente inspiram ações heroicas como Aloy, ou são figuras imponentes como Kratos, um simples faz-tudo com problemas de confiança e pensamento próprio é uma escolha de papel principal que me agradou logo de cara. Harold é levado a andar pelos corredores frios da nave sempre fazendo algo por alguém ou para alguém. Tendo nascido dentro da Fedora I, ele nunca conheceu a Terra ou qualquer coisa que não fosse metal e água. Logo, toda interação e descobrimento do personagem são passos rumo à independência e descobrimento do seu eu.




É um deleite ver Harold interagindo com os demais habitantes do local. Cenas hilárias acontecem principalmente com as interações dele com as crianças ou com os adultos mais “sérios”, pois existe uma visível inocência no personagem que o torna muito cativante e engraçado. Até a forma como o texto explora o amor pelo desconhecido, até mesmo pela figura de um “alguém” novo, mostra que nada ali é escrito com superficialidade, e, sem cair no clichê de beijos e abraços, cria laços de amor concreto para seus personagens de forma belíssima.

Para aquecer o coração

Apesar de alguns bugs ocasionais, problemas com o ritmo da trama e falta de uma jogabilidade mais engajante, Harold Halibut não perde o brilho de ser uma obra que utiliza bem de sua forma para trazer um encanto visual, sem esquecer de trabalhar em seu conteúdo uma história com texto forte, personagens interessantes e questões tão proeminentes da natureza humana. 

Não pude deixar de sentir que, em suas oito horas de jogatina, mais ainda poderia ter sido expandido em tópicos como corporativismo e política, mas não vou reclamar: ao rolar os créditos, minha alma estava lavada, o coração quente e os olhos marejados.

Prós

  • Visual baseado no estilo de animação stop motion, com bonecos e cenários feitos à mão pelo estúdio;
  • Aventura narrativa com dezenas de personagens com visuais únicos e personalidades cativantes;
  • Um ótimo trabalho de dublagem em cada um dos personagens, com atores que ajudam o texto a dar vida aos bonecos;
  • Trama cativante que aborda temas como solidão, amor, medo, ansiedade e busca pela independência. 

Contras

  • Bugs ocasionais como personagens andando em círculos antes de interagir com algo ou escolhas de diálogos desaparecendo;
  • O ritmo da trama não é consistente e pode trazer tédio em algumas sequências;
  • Alguns tópicos de história são abertos, mas nunca aprofundados, como a questão corporativista da AllWater ou as tensões políticas dentro da nave.
Harold Halibut  — PC/XSX/PS5— Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Slow Bros

Redator publicitário em tempo integral e amante de games nas horas vagas. Provavelmente aprendi a segurar um controle mais rápido do que uma mamadeira. Cresci com os maiores clássicos da Big N como Zelda, Mario e Pokémon. Hoje aproveito os pequenos momentos de descanso da vida corrida para me perder em Hyrule, em uma Tóquio pós-apocalíptica ou em um mundo de encanadores e cogumelos.
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