Blast from the Past

Drakengard (PS2): relembrando o antecessor sombrio de NieR

O primeiro trabalho como diretor de Yoko Taro é um RPG sombrio cujo final se conecta com a série NieR.


Príncipe Caim e uma dragão chamada Angelus estão cercados por inimigos, ambos se odeiam mas têm em comum a vontade de viver. Então passam por cima de suas diferenças e fazem um pacto. Homem e Fera, corpos distintos unidos em espírito. O pacto dá ao príncipe a força para sobrepujar seus adversários, mas não sem um preço: sua voz.


Este é o ponto de partida de Drakengard, conhecido como Drag-on Dragoon no Japão, desenvolvido pela Cavia e publicado pela Square Enix em 2003, para PlayStation 2. Um RPG de fantasia com história sombria que aborda temas polêmicos como canibalismo, pedofilia, incesto e fanatismo religioso.


A Dragonsphere Project

Inicialmente, os produtores do jogo, Takamasa Shiba e Takuya Iwasaki, que haviam trabalhado em Ace Combat, planejaram um jogo de batalha aérea em dragões, mas batalhas terrestres foram acrescentadas à ideia devido ao grande sucesso de Dinasty Warriors 2. A equipe por trás desse projeto foi chamada de "Project Dragonsphere". Junto aos dois produtores, a equipe também contou com Yoko Taro, roteirista e diretor do jogo.

Taro foi a mente por trás da história e o responsável pelo seu tom sombrio, muito inspirado em Neon Genesis Evangelion: Os Watchers, entidades que funcionam como ferramentas dos Deuses, originalmente são chamadas de Tenshi (Anjos), como no anime. 

Como lhe foi dito que o jogo não teria uma sequência, ele escreveu diversos finais, o que acabou se tornando uma característica marcante nos trabalhos futuros do diretor.




Os protagonistas imperfeitos

O que chama a atenção em Drakengard e o destaca em meio a outros RPGs de fantasia medieval da época é seu tom sombrio, e boa parte dele é devido à construção dos protagonistas, que subverte clichês encontrados nos jogos do gênero.

Caim, o protagonista silencioso, abandona todas as virtudes que aprendeu como príncipe de seu reino e entra em uma espiral de agressividade que lhe custa a sua sanidade. Com o tempo passa a se importar mais com vencer seus inimigos do que com salvar o mundo.

Furiae, a princesa a ser salva, é irmã de Caim, mas o amor que sente por ele é mais que fraterno e possui contornos incestuosos. Shi ni Itaru Aka, mangá que conta a história que antecede Drakengard em outra linha temporal, deixa isso bastante evidente.

Leonard, o eremita gentil, é homoafetivo e pedófilo. Ele se martiriza por seus desejos e se esforça para contê-los. Por conta deles, acabou perdendo a família.

Arioch, a elfa, era pacífica, mas perdeu o marido e os filhos durante um ataque do Império, o que a deixou violenta e insana. Não podendo mais ter filhos, ela se torna obcecada em comer bebês, para mantê-los em sua barriga.

Na localização para a língua inglesa, todas essas questões foram atenuadas.

A jogabilidade é satisfatória... mas acaba caindo na monotonia

Uma das maiores críticas a Drakengard é a sua jogabilidade. Ela é repetitiva e, em alguns momentos, até monótona. O combate se encaixa no gênero "musou", em que o jogador participa de grandes batalhas e sozinho pode vencer centenas de inimigos com poucos golpes, passando a ideia de que o protagonista é um grande guerreiro de poder inigualável. Outros jogos do estilo Musou são Dynasty Warriors, Hyrule Warriors, Fire Emblem Warriors e muitos outros jogos com "Warriors" no nome.

Ainda que seja muito satisfatório usar sua espada para trucidar todos os seus inimigos, o jogo acaba caindo em um certo marasmo, pois, apesar de ter 65 armas diferentes, a que você mais vai usar é a sua arma inicial (Caim's Sword). Na verdade, o único estímulo que os jogadores têm para coletar todas as armas é desbloquear o Final E do jogo, que conecta Drakengard a NieR Replicant/Gestalt.


Em alguns momentos do jogo é possível controlar Angelus, a dragão que fez pacto com Caim, e queimar os soldados do império. Por mais prazeroso que isso seja, a mecânica de voo não é das mais fluidas e mirar em alvos específicos que estejam no chão pode ser desafiador. 


Uma questão que pessoalmente me incomoda é a movimentação da câmera, que é muito limitada e acaba potencializando todos os outros problemas já citados.

Música deliciosamente perturbadora


O que a jogabilidade tem de monótona e repetitiva, a trilha sonora tem de fascinante. Logo na tela inicial nos deparamos com silêncio completo, de repente palavras começam a ser ditas — amor, sangue, inferno, mãe, ritual, heresia, alma, vingança, solidão, deusa e muitas outras — em um tom suave, quase um sussurro.


Nobuyoshi Sano e Takayuki Aihara são os compositores da trilha sonora. Eles se basearam em músicas clássicas já conhecidas e as rearranjaram e remixaram de várias maneiras. Escutando a trilha sonora, consigo sentir a influência de compositores como Tschaikowsky e Stravinsky. A ideia de Sano e Aihara era que a música de Drakengard fugisse do lado comercial e se embrenhasse pelo lado experimental e expressionista, com todas as faixas sendo tocadas por orquestras. 


Ademais, o ritmo agitado das músicas não apenas se encaixa completamente no combate do jogo, mas passam uma ideia de loucura, que faz alusão à jornada do protagonista Caim, aos poucos perdendo a sanidade.

Os múltiplos finais e a conexão com NieR

Um dos traços mais marcantes dos jogos do Yoko Taro é terem vários finais. Drakengard possui cinco — A, B, C, D e E —, cada um com suas condições específicas, mas o final que conecta com NieR Replicant/Gestalt é apenas o final E, que é inspirado em "The End of Evangelion", uma das grandes fontes de inspiração de Yoko Taro na construção de Drakengard. Para consegui-lo é necessário obter todas as 65 armas do jogo.


O final E, apesar de hoje ser considerado icônico, foi inicialmente pensado como uma piada. Ele seria uma competição de canto contra uma versão gigante da cantora pop japonesa Ayumi Hamasaki, mas essa ideia foi logo descartada, feliz ou infelizmente.



Um clássico raro e pouco acessível

Infelizmente, sem possuir a mídia física de Drakengard e um PlayStation 2, não é possível jogá-lo por meios legais, tampouco se fala sobre algum remake, remaster ou mesmo port do jogo para as plataformas atuais. Ainda que tenha potencial para ser um remake grandioso, é provável que os temas sensíveis que o jogo aborda sejam um entrave em seu desenvolvimento.


E você que está lendo, conhecia Drakengard e sua conexão com NieR? Quer saber mais sobre a história desses jogos? Existem alguns canais que abordam em detalhes a história do jogo. Eu recomendo Hitoshura, Lixeira do Frost e Jogo que Roda.

Conhece algum RPG que pouca gente fala sobre? Deixa ele aqui nos comentários, quem sabe a gente não fala sobre ele.

Revisão: Vitor Tibério


Apaixonado por games e literatura e se dedica a esses hobbies mais do que deveria. Grande fã de NieR e Final Fantasy. Tenta ser social.
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