Em uma época na qual atualizações eram lançadas como novos jogos, a Capcom foi uma das empresas que mais abusou da prática de requentar suas produções, especialmente nos jogos de luta. Street Fighter II recebeu diversas versões que aprimoraram e refinaram suas inovações. Super Street Fighter II Turbo (ou Super Street Fighter II X: Grand Master Challenge, no Japão), a quinta edição do pai dos fighting games, foi lançado em 1994 para a CPS II e se tornou a versão definitiva de um clássico incontestável.
Um passo para frente, outro para trás
Antes de falar do próprio Super Street Fighter II Turbo — que irei chamar de SSF2T ou Super Turbo, como é popularmente chamado —, é necessário contextualizar como estava o cenário das versões de Street Fighter II. Nascido na CPS I, a primeira edição conhecida como The World Warriors ditou as bases comuns do gênero de jogos de luta, o que naturalmente o tornava um título muito experimental e cheio de problemas.
Com o feedback dos jogadores e mais um tempo para polir as arestas, a Capcom lançou duas versões em 1992. A primeira, Championship Edition, adicionou novos golpes para os personagens, a possibilidade de escolher os quatro chefes e alguns rebalanceamentos. A segunda, Turbo (ou Hyper Fighting), continuou a melhorar a experiência, mas a grande mudança foi o acréscimo de velocidade na movimentação dos lutadores. Com a recepção positiva, não demorou para os concorrentes adotarem a nova dinâmica.
Com o advento da CPS II em 1993, a Capcom deu um passo para trás. Super Street Fighter II não só adicionou os habituais novos golpes e rebalanceamento, como também deu uma maquiada nos cenários e personagens, desenvolveu novas animações e produziu uma trilha sonora melhorada, além de quatro novos personagens. Tudo isso poderia passar a impressão de que esta é a versão definitiva de um clássico, se não fosse um problema: o retorno da velocidade de World Warriors.
Mesmo que a diferença pareça leve, é muito perceptível durante uma luta. |
Por algum motivo, a maior melhoria de Turbo não foi adotada na primeira versão de CPS II, o que prejudicou a adesão dos jogadores. Meses depois, a Capcom preparou a nova versão definitiva: finalmente, Super Street Fighter II Turbo veio não só mais ágil, como também introduziu elementos essenciais para o resto da franquia.
Verdadeiramente Super
SSFIIT acrescentou novos recursos de jogabilidade. A já mencionada velocidade de jogabilidade retornou com uma variedade de opções. Por padrão, é possível que o jogador escolha entre três variações de agilidade dos lutadores, com a menor intensidade apresentando a dinâmica do original e a segunda ficando mais perto do Turbo de 1992; já a terceira alternativa modifica bastante a jogatina.
A Capcom foi além de implementar esse recurso. Os personagens ganharam novas animações e golpes que se tornaram obrigatórios em seus leques ofensivos, como o Tensho Kyaku da Chun-Li, o Banishing Flat (a “mão verde”) do Zangief e o frente + soco forte do Ryu. Propriedades mais técnicas, como caixas de colisão e quadros de animação, também foram majoritariamente alteradas.
A maior adição ao combate de Street Fighter foi a adição dos Super Combos, golpes especiais que dependem de uma barra para serem executados. Este não é o primeiro jogo a implementar esse tipo de movimento — Art of Fighting e Fatal Fury 2 já contavam com os desperate moves —, mas se tornou um dos que popularizaram o recurso.
E claro, um ícone do mundo dos videogames foi introduzido em Super Turbo: Akuma, o demônio que luta de forma similar a Ryu e Ken, mas que escolheu o caminho sombrio do Satsui no Hado. Gouki, como é conhecido no Japão, é consequência do mito de Shen Long, um conhecido caso de boato de personagem secreto propagado pela revista norte-americana EGM, que era apenas uma brincadeira de 1º de abril.
Todas as melhorias técnicas da versão anterior se repetem aqui, como os cenários mais coloridos, músicas que utilizem o maior poder da QSound que se difere do sintetizador FM da CPS I — apesar de eu preferir a maioria das reedições metalizadas das edições anteriores — e novas vozes para alguns personagens.
Guile
Fei Long
Competitivamente forte, um pesadelo casual no ocidente
Super Turbo é reconhecido até hoje dentro do cenário competitivo e profissional. Diversos torneios são realizados desde seu lançamento, sendo ele um dos grandes nomes da EVO Championship durante seus primeiros anos e continuando presente aos arredores dos grandes campeonatos.Um recurso curioso é a opção de escolher as versões do Super original por códigos, sem os recursos implementados em Super Turbo. Pode parecer uma fraqueza não contar com Super Combos e golpes adicionais, mas na realidade até melhora alguns guerreiros, como Sagat e Dhalsim.
É claro que o título está longe de ser um exemplo de balanceamento. Ele conta com danos exagerados, combos que ocasionam em loopings infinitos e personagens muito fortes, traços comuns de praticamente todo jogo de luta noventista, mas que não atrapalham a potência e diversão para os competidores.
Em modo solo, por outro lado, SSF2T é extremamente problemático, ao menos na versão ocidental. Durante o processo de localização, a parte da programação que determina a dificuldade da CPU foi alterada; com isso, o seletor de nível simplesmente não funciona, e os oponentes são quase imbatíveis para os jogadores médios.
A versão japonesa, Super Street Fighter II X: Grand Master Challenge, é a versão recomendável para os jogadores solitários e para o cenário competitivo, para evitar possíveis bugs no processo de ocidentalização do título.
O elo perdido nos consoles
Muito do sucesso de Street Fighter II deve-se às versões de consoles, especialmente nos 16 bits. Super Street Fighter II foi lançado cedo o suficiente para chegar ao Super Nintendo e Mega Drive, disponibilizando até mesmo com recurso de alteração de velocidade.
Para Super Turbo, no entanto, os ports contemporâneos ficaram limitados ao 3DO e ao computador japonês FM Towns. São versões bem competentes, que contam com uma excelente trilha sonora que aproveita os recursos de mídia digital. A versão de 3DO até inclui um controle de seis botões para comportar a jogabilidade adequadamente.
Cammy (3DO)
Em 1997, o PlayStation e o Sega Saturn receberam o jogo numa coletânea com Super Street Fighter II. Apesar de apresentar certa fidelidade audiovisual, o port sofre de glitches que comprometem a jogabilidade e uma quantidade exagerada de telas de carregamento, até acima de outros jogos mais exigentes, como Street Fighter Alpha. Demorou até 2001 para Super Turbo chegar fielmente aos consoles, numa versão limitada para Dreamcast lançada apenas no Japão e com suporte à jogatina online.
Também em 2001, um console da Nintendo pôde finalmente receber um Super Turbo para si — ou quase isso. Super Street Fighter II Turbo Revival foi lançado para o Game Boy Advance em um verdadeiro Monstro de Frankenstein por reaproveitar os sprites do Super de SNES, enquanto os novos ataques são retirados direto da versão original. O resultado é que, em golpes novos, como o chute forte do Guile, o lutador “cresce de tamanho”, e claro que o Akuma inteiro é retirado do fliperama.
A parte de apresentação desse port é completamente diferente. Novas artes foram criadas como retrato para os lutadores, e alguns personagens possuem fases completamente refeitas ou retiradas de Street Fighter Alpha. Uma curiosidade bizarra é que as versões americana e europeia de Turbo Revival travam completamente se conseguirmos as condições para enfrentar Akuma no modo arcade.
Em 2009, no meio da renascença da franquia, SSF2T recebeu um remake para PlayStation 3 e Xbox 360. Super Street Fighter II Turbo HD Remix (como se o nome não pudesse ficar maior) foi lançado no início dos serviços de distribuição digital dos consoles da sétima geração, e conta com gráficos completamente redesenhados pela UDON, editora de quadrinhos responsável pelas HQs de franquias da Capcom, músicas remixadas por compositores do site OverClocked ReMix, além de alguns ajustes da jogabilidade.
Um clássico nunca esquecido
Mesmo que tenhamos recebido Hyper e Ultra Street Fighter II, eles nunca roubaram o trono de Super Street Fighter II Turbo definitivamente. Os novos recursos, o rebalanceamento e os novos golpes melhoraram uma base inovadora. Por mais quebrado e levemente datado que seja para o gênero hoje em dia, este é o representante do fim de uma era para Street Fighter, que, nos anos seguintes, passaria a andar por caminhos mais distintos, como a trilogia Alpha e as experimentações do terceiro jogo.
Revisão: Davi Sousa