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Análise: Ultros (Multi) é um metroidvania inventivo por um mundo exuberante e imperfeito

Explore um universo alienígena surreal neste título indie que sai do lugar comum do gênero.


Dificilmente você terá visto algo como Ultros antes. O jogo aposta na manipulação do ambiente por meio de plantas para criar uma aventura metroidvania única e instigante. Além disso, a atmosfera colorida e psicodélica, que explora temas diversos, ajuda a tornar a experiência imersiva. Há boas ideias aqui, mas mecânicas mal desenvolvidas e elementos crípticos demais fazem com que o título seja mais maçante do que deveria.

Encalhada em um local exótico e perigoso

Uma imensa estrutura nos confins da galáxia conhecida como Sarcófago abriga Ultros, uma criatura demoníaca dos tempos remotos. Por sorte, a entidade está em sono profundo e as civilizações evitam o local a todo custo. Por azar, uma viajante acaba presa dentro do Sarcófago depois que a sua nave se choca com a estrutura. Agora a garota precisará explorar o Sarcófago e ajudar seus exóticos habitantes para ter uma chance de escapar de um ciclo temporal eterno.


Ultros se desenrola como um título de ação e plataforma 2D tradicional. Na companhia da viajante sem nome, desbravamos o Sarcófago, que apresenta regiões distintas com mapas labirínticos. Como é de praxe do gênero metroidvania, certas áreas só podem ser acessadas após obter habilidades específicas ou abrir caminhos, como destrancar portas.

Boa parte da exploração do jogo se dá pela modificação do ambiente. Pelo Sarcófago estão espalhados pontos em que podemos cultivar sementes que geram plantas diversas: árvores que podem ser utilizadas como plataforma, vinhas para se balançar para locais distantes, trepadeiras capazes de destruir dispositivos mecânicos e mais. Na maior parte das vezes há mais de uma solução, então experimentar é necessário.


O combate é frequente na jornada, pois a nave está infestada de criaturas agressivas. A viajante desfere diferentes tipos de ataques com uma espada, e um movimento de esquiva permite escapar das investidas dos inimigos. Para se fortalecer, a garota consome pedaços largados pelos monstros derrotados e frutas colhidas da flora: além de recuperar vida, os alimentos provêm nutrientes, que podem ser utilizados para liberar técnicas de combate e de sobrevivência em uma árvore de habilidades.

Um detalhe curioso de Ultros é a mecânica de ciclos: após certos eventos da história, a aventura recomeça do início. Nesse processo, a protagonista perde as habilidades adquiridas, porém as alterações feitas no mundo, como plantas cultivadas, se mantêm. Além disso, é possível utilizar certos itens para manter habilidades entre os recomeços. Conforme mergulhamos nos ciclos, o recomeço fica mais ágil e detalhes da trama são melhor explicados.



Usando a flora e a nutrição para avançar

Confesso que, em um primeiro momento, pensei que Ultros era um metroidvania tradicional com seu mapa elaborado e habilidades que permitem acessar novos lugares. Porém, rapidamente o jogo se revelou instigante por causa de suas ideias criativas.

A exploração do mundo me surpreendeu com sua flexibilidade. Boa parte dos puzzles de navegação tem mais de uma possibilidade de acordo com as habilidades disponíveis no momento. Para alcançar um local alto, por exemplo, posso usar uma técnica que permite saltar mais alto em conjunto com um pulo no ar ou então basta fazer crescer uma árvore para usar como apoio. Esse tipo de situação é frequente e parte da graça está em experimentar as várias opções.


Apreciei também a variedade temática dos desafios entre as regiões do Sarcófago. Em uma ferraria, o foco é enfrentar inimigos complicados em sequência; em um jardim, o desafio é conseguir encontrar rotas livres de plantas repletas de espinhos; no setor de entretenimento, é necessário vencer minigames e se esgueirar para evitar ser detectado. As áreas são majoritariamente lineares, porém há inúmeros segredos escondidos pelos mapas.

Há grande foco em cultivar a flora do mundo de Ultros. A variedade de sementes e plantas é grande e aos poucos desbloqueamos ferramentas para modificá-las, como uma serra para cortar galhos, um extrator de raízes e até mesmo um dispositivo para misturar partes de diferentes vegetações. Algumas plantas se desenvolvem mais de um ciclo para outro, reforçando a sensação de um mundo em constante evolução.


O combate incentiva a precisão e a diversidade de movimentos. Todos os monstros deixam para trás uma parte comestível quando são mortos, mas derrotar um inimigo sem repetir nenhum tipo de ataque dá como recompensa uma variação perfeita do item. Esses consumíveis especiais são mais nutritivos, o que facilita desbloquear habilidades. Por causa disso, acabei me esforçando para golpear com exatidão para evoluir mais rapidamente a protagonista — me diverti no processo de montar novos combos.  

Em um mundo de ideias mal executadas

Apesar do ritmo ágil e das ideias únicas, os argumentos principais de Ultros não se sustentam e a minha experiência ficou comprometida com o passar do tempo.


Para começar, o sistema de ciclos é falho. Nas primeiras vezes que é necessário recomeçar do início até há um ar de novidade com modificações que instigam outras abordagens. Porém, logo isso perde a relevância: as habilidades perdidas ficam progressivamente mais fáceis de serem recuperadas e as alterações no mundo passam a ser mínimas. Sendo assim, antes mesmo da metade da jornada, os ciclos se tornam irrelevantes e passam a ser mera irritação temporária.

Outro problema é a complicação desnecessária de vários conceitos do mundo. As sementes são visualmente parecidas e têm descrições crípticas que atrapalham na hora de decidir o que plantar — mesmo depois de terminar a campanha, fiquei na dúvida do efeito de certos vegetais. Além disso, é comum também chegar em algum lugar e não ter a semente necessária, sendo difícil lembrar com clareza onde encontrá-las. Por fim, a maior parte das árvores só cresce completamente de um ciclo para outro, o que quebra o ritmo da progressão.


Em metroidvanias, opções de viagem rápida ajudam a tornar a exploração mais ágil. Ultros até oferece esse recurso, mas exige uma tarefa extremamente burocrática para ativá-lo: é necessário ligar manualmente os pontos de salvamento a uma rede que se estende por todo o mundo. No ponto de vista da narrativa a escolha faz sentido e é interessante como um puzzle imenso, mas na prática isso se torna uma chateação por ser algo custoso de fazer. Por causa disso, revisitar os locais do mundo é mais complicado do que deveria.

Por fim, o ótimo combate que incentiva a precisão é subexplorado por causa da variedade minúscula de inimigos: há menos de dez tipos no total. Por causa disso, não precisei utilizar muitas das interessantes técnicas avançadas, o que é uma pena. Para compensar, é possível superar boa parte dos confrontos e chefes sem o uso da violência, com direito a um final dedicado ao pacifismo, mas acredito que faltou um equilíbrio melhor entre as opções.

Em um mosaico visualmente deslumbrante

É inegável que a ambientação de Ultros é chamativa e impressionante. Os cenários e os personagens apresentam cores extravagantemente vibrantes e as áreas esbanjam estilo com fundos ricamente construídos. Destaco a mistura dissonante entre a flora suave e as construções exóticas — o resultado é um mundo alienígena que lembra um caleidoscópio elaborado, e um filtro de distorção cromática reforça a atmosfera incomum da arte.


A trilha sonora produzida por Oscar "Ratvader" Rydelius dá ainda mais identidade a este universo. As faixas alternam entre o suave e o intenso, combinando elementos naturais, sintetizadores e sons inspirados na música do Peru e da Amazônia. Com isso, o áudio do jogo acaba sendo uma interessante mescla de misticismo, natureza e tecnologia.

Narrativamente, o título tem a intenção de abordar ciclos cármicos, saúde mental e a ligação entre o individual e o coletivo. Muitas das mecânicas exploram esses assuntos, como a constante necessidade de recomeçar um novo ciclo ou a ligação espiritual entre plantas e animais. Porém, a trama acaba se perdendo um pouco com diálogos, cenas e informações crípticas demais, assim como um andamento fragmentado e obscuro — mais clareza tornaria a história mais prazerosa de ser acompanhada.



Excêntrico e imperfeito

Ultros ousa ao apresentar uma abordagem inovadora e exótica dentro do gênero metroidvania. Manipular o ambiente através da flora é uma das principais formas de avançar, e vários tipos de plantas trazem flexibilidade na hora de explorar e resolver puzzles. Já o combate se destaca com embates ágeis focados em precisão. Além disso, a trilha sonora, junto à estética visual vibrante, cria uma ambientação única, colorida e psicodélica.

Contudo, a execução apresenta falhas significativas. O sistema de ciclos, embora inicialmente promissor, rapidamente se torna repetitivo e irrelevante. A complexidade desnecessária na identificação e utilização das sementes, junto à exigência de uma exploração burocrática, pode comprometer a fluidez da jogabilidade. Fora isso, a falta de variedade nos inimigos subutiliza o sistema de combate.

Em conclusão, Ultros é uma aventura de contrastes, na qual suas inovações brilham contra o pano de fundo de suas falhas de execução. O jogo se destaca por sua atmosfera extravagante, criando uma experiência única que, apesar dos seus problemas, ainda vale a pena ser explorada pelos fãs do gênero em busca de algo fora do comum. A apreciação completa do jogo exige disposição para experimentar, explorar e, por vezes, tolerar seus elementos menos refinados.

Prós

  • Interpretação criativa do gênero metroidvania com modificação da flora como elemento de exploração;
  • Mundo intrincado e repleto de segredos e possibilidades;
  • Combate ágil e variado com incentivos para a precisão;
  • Ambientação excepcional com belíssimo visual colorido e trilha sonora onírica.

Contras

  • Algumas mecânicas, como o sistema de ciclos e a árvore de habilidades, têm pouco impacto no geral;
  • A exploração é prejudicada por sistemas desnecessariamente trabalhosos;
  • Algumas informações importantes e a narrativa são confusas demais, atrapalhando a imersão;
  • O sistema de combate é subutilizado e com pequena variedade de inimigos.
Ultros — PC/PS4/PS5 — Nota: 7.5
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Vitor Tibério
Análise produzida com cópia digital cedida pela Kepler Interactive

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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