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Análise: Promenade (Multi) é um passeio admirável que acerta em tudo o que mais importa

Muita diversão e desafio em um platformer polido e cheio de conteúdo.


Promenade
vem do francês “passear” e se mostra um nome muito apropriado para o jogo. Nele, perambulamos divertidamente por mundos lúdicos e vibrantes, repletos de exploração, puzzles e desafios que atendem de crianças aos veteranos dos games de plataforma.

Um mundo de colecionáveis

A ideia do estúdio francês Holy Cap em Promenade é reproduzir em duas dimensões as estruturas dos jogos de plataforma 3D que povoaram o fim dos anos de 1990. É assim: temos uma grande quantidade de colecionáveis para encontrar nos diversos estágios de jogo, todos interligados por um mundo central, que também contém seus próprios segredos e se abre gradualmente à medida que conseguimos aumentar nosso estoque de colecionáveis.




O protagonista se chama Nemo e uma versão sombria que saiu de dentro dele parece querer impedi-lo de chegar ao topo do lugar, arrancando as engrenagens que fazem funcionar o grande elevador do mundo central. Logo, os quase 200 colecionáveis em que precisamos pôr as mãos são as peças que formam as tais engrenagens. Ao reunir o bastante delas, levamos Nemo cada vez mais longe e alcançamos mais mundos para explorar e nos divertir.

Os requisitos para obter as peças são muito variados e englobam enigmas, corridas, caçadas ao tesouro, locais escondidos ou difíceis de alcançar, minigames e chefões. Algumas atividades ressurgem mais à frente na campanha, mas sempre com uma mudança bem aplicada que as tornam um pouquinho mais exigentes e não caem na mera repetição.




Assim como Super Mario 64 bem ensinou nos primórdios do formato, cada mundo tem uma lista de peças com títulos que servem de ajuda para encontrá-las ou dão dicas de como fazê-las aparecer, o que torna tudo muito intuitivo.

Alguns são óbvios, como  “basquete para iniciantes, “o X marca o lugar” e “a flor sedenta”, mas outros são partes dos próprios enigmas, fazendo toda a diferença para cair a ficha do objetivo, como “um navio sem cabeça”, “pipoca gostosa” e “travessia colorida”. Infelizmente, usei de tradução livre acima, porque não há localização para português brasileiro, mas isso não chega a ser um impedimento.

Sobre polvos e meninos

Nemo não está sozinho. Ele chegou a esse mundo mágico despencando do alto até as profundezas aquáticas de uma caverna, onde foi resgatado por um pequeno polvo. Eles se tornaram grandes amigos, construíram uma casa de almofadas e se prepararam para deixar o subterrâneo e encarar as aventuras e surpresas que o mundo tem para eles.

Ao chegarmos ao mundo central, vemos que a natureza é feita de tecidos costurados, com árvores remendas e enchimento de travesseiro saindo pelos troncos. Temos cebolas inimigas, nabos com rostos e cenouras amigáveis. As entradas para os mundos são pilhas de almofadas onde nos jogamos livremente.




Esses cenários são pintados e, talvez pelo esquema de cores, às vezes parecem muito planos e podem até confundir se determinado elemento é interativo ou se meramente faz parte do cenário de fundo. Também senti falta de mais um pouco mais de movimento na decoração.

Dessa forma, o aspecto visual balança um pouco quando passa a sensação de simplicidade humilde, mas não derruba o charme de Promenade e é condizente com a direção de arte e a proporção da produção. A música também chamou minha atenção e sempre encaixa agradavelmente com o tom.


Já deu para ver o quanto a imaginação de criança está em ação aqui, não é? Tem até máquinas de arcade para minijogos inspirados em clássicos como Pong, Space Invaders e outros, mas precisamos cumprir os requisitos para merecer o acesso a eles.

O polvo também entra na brincadeira e ajuda Nemo com habilidades de agarrar, engolir e cuspir para gerar propulsão. Promenade foca nas habilidades básicas de forma flexível, dando margem para os mais empenhados usarem com eficiência. Por exemplo: ao rolar, o pulo vai mais longe e saltar logo após ser içado a um gancho dá um impulso extra. Essas pequenas coisas se tornam reflexos que serão especialmente úteis nos desafios de tempo.


 

Assim, os detalhes vão sempre se complementando e cada descoberta parece um pequeno avanço por essa terra mágica e perigosa. Há uma narrativa por trás dos panos com um significado a mais que só é abordado por meio dos itens mais secretos do jogo e no final de tudo.

O conto é pouco esclarecedor nesse quesito. Afinal, quem é Lewis, o nome original na capa do diário que Nemo usa para contabilizar o progresso? Essa é uma pergunta que indagamos no início e permanece sem resposta por muito tempo. Sou de opinião que, se a intenção era contextualizar a aventura lúdica, isso deveria ser feito nos pontos-chave, não de forma velada.



Muito mais que um rostinho fofo

Não se engane com a aparência fofinha e infantil. Ela significa encanto e ludicidade, mas não cai no estigma de superficialidade simplória que costuma ser estampado em jogos destinados a crianças. Promenade é para todo mundo, independentemente de idade ou maturidade.

Um trunfo de obras que usam a infância como tema central é que todos, sem exceção, já passaram por ela ou ainda estão nesse período. O importante, então, é dar uma forma que possa comunicar a essas diferentes perspectivas. Promenade faz isso pela estética e pela gameplay, que atende tanto à diversão e curiosidade dos pequenos quanto à experiência e engajamento de quem tem mais anos nas costas.



Já falei sobre como o esqueleto é baseado nos jogos de plataforma 3D das antigas, um reconhecimento que vai tocar na nostalgia de alguns. A aventura de Nemo vai além disso e atende aos desejos de quem, ao carregar um longa bagagem de jogos de plataforma, espera que os jogos modernos também levem no DNA a carga acumulada que foi refinada nesse gênero ao longo dos anos.

Assim, Promenade tem mecânicas inventivas e funcionais, design de níveis interessantes e meticulosos e, para combinar, comandos precisos. A união de tudo isso compõe desafios instigantes. Um exemplo disso são as seções de chefões que há em alguns mundos e, na prática, operam como dungeons separadas que culminam no enfrentamento contra a criatura furiosa.



Os principais, porém, são os Trials, segmentos encontrados em portais espalhados pelo mundo. Ao conseguir finalizar um desses percursos, é possível repeti-lo com um limite de tempo para obter mais uma peça de engrenagem, mas, para mim, a recompensa maior foi a satisfação da conquista.

São fases boas de superar em uma dinâmica ascendente muito satisfatória. Comigo, funcionou assim: eu levava algumas tentativas para finalizar o Trial, mas nada desesperador. O desafio de tempo, porém, requeria que eu completasse novamente em cerca de um minuto e meio, o que significa reproduzir todos os passos de forma eficiente, sem muita margem para erros.

Alguns deles até me faziam pensar “absurdo, não vou conseguir fazer isso sem errar”, mas a primeira tentativa me deixava a alguns segundos da vitória, uma evidência de que bastava persistir para alcançar o prêmio. Os entusiastas de plataforma 2D certamente vão gostar desses trechos, especialmente os Trials do pós-game, fases mais exigentes que me fizeram vibrar a cada triunfo.



Para grandes e pequenos

Em resumo, Promenade segue a ideia mestra de que jogos de plataforma podem ter dificuldade abrangente e auto regulada ao criar uma curva de aprendizado maleável, relativamente fácil de chegar ao fim, mas difícil de completar todas as tarefas. Como basta ter cerca de metade das peças para alcançar o local do clímax, apenas alguns segmentos são obrigatórios e todo o resto é opcional; junte as peças que conseguir no seu próprio passo.

Um bom exemplo disso é que, após me ver jogar toda a campanha, meu filho pequeno iniciou uma só para ele. Pedindo apenas algumas dicas minhas em certos trechos para relembrar os objetivos, ele coletou mais que a metade das peças e agora está perseverando contra a última fase, que é difícil.

Um deleite de jogo em cada detalhe

Promenade foi um passeio prazeroso do início ao fim, mantendo-me fisgado até finalmente conseguir encontrar todas as muitas peças de engrenagens. As ressalvas são mínimas, ofuscadas diante da execução excelente que dá tanto conteúdo para a diversão e engajamento de diferentes idades e habilidades.



Prós

  • A estrutura de mundo central com acesso gradual a mais estágios ao adquirir colecionáveis é instigante e acessível;
  • As mecânicas diversificadas para obter as peças colecionáveis orbitam por um misto de exploração, puzzles e habilidade manual;
  • O visual pintado é lúdico e, em sua maior parte, encantador, combinando bem com o tema de infância;
  • Os movimentos ágeis e precisos recompensam o aprendizado em uma boa curva de dificuldade de desafios;
  • Design de dificuldade orgânica que atende do básico ao avançado, do tipo tranquilo de avançar na aventura, mas difícil de completar todos os detalhes.

Contras

  • Os cenários pintados às vezes parecem estáticos e planos demais;
  • A narrativa por trás de tudo não é comunicada de forma clara e algumas partes dela estão escondidas entre os maiores segredos do jogo;
  • Sem português brasileiro.
Promenade — PS4/PS5/XBO/XSX/PC/Switch — Nota: 9.5
Versão utilizada para análise: PS5
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Red Art Games

Admiro videogame como uma mídia de vasto potencial criativo, artístico e humano. Jogo com os filhos pequenos e a esposa; também adoro metroidvanias, souls e jogos que me surpreendam e cativem, uma satisfação que costumo encontrar nos indies.
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