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Análise: Thirsty Suitors (Multi) é uma excêntrica história de relacionamentos e reconciliação com tempero indiano

Batalhe contra ex-namorados, cozinhe e ande de skate neste inusitado título indie.


Convenhamos, navegar pelos relacionamentos e obstáculos da vida adulta é um desafio e tanto para todo mundo. Thirsty Suitors aborda essas complicações em uma aventura narrativa espirituosa e repleta de estilo. No jogo, uma garota tenta corrigir seus erros do passado em uma exótica jornada de autoconhecimento com batalhas teatrais contra ex-namorados, muitas manobras de skate e sessões impressionantes de culinária. O título aborda assuntos interessantes, como a pressão familiar e a necessidade de se encontrar, mas será que ele não se perde ao tentar fazer de tudo um pouco?

Tentando arrumar relações e laços complicados

Depois de anos longe de casa, uma jovem chamada Jala decide voltar para a sua cidade natal após terminar um relacionamento conturbado. Só tem um problema: a garota sempre foi difícil de lidar e seu passado é repleto de complicações. Mas ela está disposta a arrumar tudo, o que significa enfrentar seus vários ex-namorados, encarar as pressões e expectativas de sua família, reatar laços perdidos e, quem sabe, encontrar-se no processo. Fora isso, ela também terá que investigar um estranho culto de skatistas liderados por alguém fantasiado de urso.


Em seu cerne, Thirsty Suitors é uma aventura narrativa com toques de RPG. Seu diferencial está na execução, com o melodrama de Jala se desenrolando de maneiras no mínimo inusitadas. Para começar, os confrontos contra os amores do passado acontecem na forma de embates por turnos extravagantes, com direito a frases de efeito que alteram o humor dos oponentes e ataques especiais exagerados.

Para se locomover pela cidade de Timber Hills, Jala usa um skate. Nesses momentos, a ação lembra títulos de esportes radicais: é possível executar manobras, deslizar em barras, correr pelas paredes e fazer inúmeras sequências de movimentos. O tom é casual, mas há inúmeros desafios opcionais, como coletar itens em um curto intervalo de tempo, alcançar pontuações específicas ou navegar por circuitos complicados.


Por fim, a última atividade é cozinhar pratos diversos na casa de Jala. Lá, podemos preparar comidas típicas do Sul da Ásia, como parathas e katte sambal, em um minigame em que precisamos mover a alavanca ou apertar botões na hora certa. Durante o processo, é possível executar versões mais complicadas dos passos para impressionar a mãe ou o pai de Jala, o que rende uma versão melhor do prato. Além de diálogos e narrativa, cozinhar resulta  em itens que podem ser utilizados em combate.

Em uma variada jornada de restauração de corações partidos

Thirsty Suitors me chamou a atenção com seu conceito inusitado, afinal não é todo dia que vemos um RPG focado em assuntos contemporâneos com uma ambientação inspirada na cultura indiana. Apesar de ser longe de perfeito, acompanhar a protagonista em sua jornada de redenção é bem envolvente.


Para começar, os personagens e situações são interessantes e críveis. É difícil não se afeiçoar por Jala, pois ela sabe que foi mesquinha e injusta no passado e faz o máximo para tentar se redimir e melhorar como pessoa. Para isso, a garota precisa admitir seus defeitos e se comprometer em encontrar soluções, sem nunca deixar de se mostrar humana e suscetível a cometer novos erros. E, claro, é fácil gostar de sua língua afiada, que desfere elogios, flertes e críticas com facilidade.

O elenco diverso complementa a experiência. No campo dos amantes, há Sergio, o colega do primário que até hoje alimenta uma paixonite pela protagonista; Diya, uma das ex-namoradas de Jala, se ressente por não ter apoio da família em relação à sua orientação sexual; já Irfan se mostra mais inseguro do que parece, usando seu gato de estimação para não encarar os fatos. Fora isso, Jala precisa também lidar com a sua mãe, uma séria mulher indiana com comportamento passivo-agressivo, e com sua avó, cuja influência opressora afeta a todos mesmo de muito longe.


A narrativa é leve e repleta de diálogos divertidos e absurdos, que conseguem alternar com naturalidade entre o drama, o romance e o humor. É notável a grande gama de temas explorados pela trama, como a pressão da tradição familiar, questões de pertencimento e cultura, as complicações dos relacionamentos interpessoais e a dificuldade de se aceitar e se encontrar. Não há muita profundidade na abordagem, mas não deixa de ser interessante — no fim, eu me afeiçoei a praticamente todos os personagens. O texto está bem adaptado para o português, salvo o termo “esqueite”.



Saltando, lutando, flertando e cozinhando com muito estilo

Quem já viu clipes de alguma novela indiana deve ter ficado impressionado ou estarrecido com as cenas absurdas e exorbitantes. Jogar Thirsty Suitors me trouxe essa sensação, pois o exagero é uma constante no jogo.

Tudo aqui é um espetáculo. Por exemplo, os movimentos de Jala são estilosos, como dar uma pirueta para tirar a jaqueta no início de cada embate ou descer as escadas de casa com saltos acrobáticos. Cozinhar é tão extravagante que parece uma cena de ação vinda direto de um filme de Bollywood. Quando o pai ou a mãe da protagonista prova um prato gostoso, eles flutuam para uma dimensão paralela com o deleite. Muita cor e música pop com elementos indianos ajudam a trazer identidade a esse universo.


Um detalhe interessante é que todas as atividades estão fortemente entrelaçadas com a narrativa. As batalhas contra os ex-namorados são tematicamente extravagantes e acontecem em universos paralelos que representam a mente do oponente. Apesar de terem elementos de RPG, os combates, em sua essência, não passam de conversas elaboradas — durante o embate, todos discutem os problemas do passado e chegam a um acordo. Já as cenas de culinária são pontuadas por diálogos acalorados entre Jala e seus pais; claramente cozinhar é uma desculpa para trocar farpas ou se reconciliar.


Por fim, apreciei o fato de que o jogo não tem medo de ser maluco e estranho. Nos combates opcionais, enfrentamos pretendentes bizarros enviados pela avó de Jala; ainda nos duelos, podemos chamar uma versão gigante da mãe, que dá uma chinelada nos oponentes; os estados negativos dos embates são no mínimo inusitados, como chocar os inimigos ao dizer verdades na lata ou então seduzi-los com flertes. É essa excentricidade que torna o título único.

Os problemas de tentar fazer tudo ao mesmo tempo

É louvável a tentativa de Thirsty Suitors tentar fazer de tudo um pouco, mas, infelizmente, ele não dá conta, resultando em mecânicas e conceitos mal desenvolvidos.

O combate tem uma premissa interessante, mas, na prática, é extremamente limitado. A maior parte dos embates se resume a encontrar a fraqueza do inimigo e, em seguida, utilizar repetidamente a técnica especial que abusa do estado negativo — é tudo fácil e não há estratégia alguma. Há uma tentativa de deixar os combates mais elaborados com comandos em tempo real, mas eles só tornam as coisas mais irritantes. Felizmente, a maioria das batalhas é opcional, porém não deixa de ser uma oportunidade perdida.


Os trechos culinários impressionam com sua ação absurda, no entanto rapidamente se revelam rasos. A lista de receitas disponíveis é grande, o problema é que todas elas se resumem a apertar botões na hora certa. Para piorar, os passos se repetem, trazendo a sensação de mais do mesmo. Ao menos nesses momentos há muito desenvolvimento narrativo entre Jala e seus pais.

Por fim, andar de skate é longe de divertido. A física é desajeitada, os controles são pouco precisos e a variedade de manobras é mínima. Há também algumas ideias estranhas, como a protagonista se prendendo automaticamente a cabos e barras só de se aproximar, o que compromete a sensação de estar no controle. Por causa disso, os desafios de skate se tornam um martírio, exigindo lutar contra os vários problemas para conseguir completá-los. Por sorte, praticamente todos eles são opcionais, então ignorei-os completamente.



A beleza imperfeita e ousada da redenção e do romance

Thirsty Suitors esbanja charme com sua mistura criativa de RPG narrativo, skate e culinária. É envolvente acompanhar Jala em sua jornada de redenção e autoconhecimento por causa do diálogo bem humorado, dos personagens inusitados e dos vários temas interessantes abordados pela história. Além disso, seu universo transborda estilo com seus combates extravagantes, movimentos exagerados e atmosfera colorida inspirada na cultura indiana.

É louvável a tentativa de trazer de tudo um pouco, mas, infelizmente, o título não dá conta. O combate é básico e sem estratégia, os trechos de culinária são repetitivos e andar de skate é desajeitado. Por sorte, a narrativa consegue amarrar tudo de forma consistente, porém, individualmente, os vários aspectos deixam a desejar.

Em suma, Thirsty Suitors é uma experiência única e surreal com sua combinação extravagante de gêneros. Apesar de seus problemas, é uma aventura narrativa que vale a pena ser experimentada.

Prós

  • Narrativa elaborada e diversa, com diálogos divertidos e interessantes;
  • Elenco de personagens variado e carismático;
  • Estilosa ambientação com toques de cultura indiana e repleta de cenas impressionantes.

Contras

  • Combate simplista, limitado e sem estratégia;
  • Andar de skate é desajeitado e irritante;
  • A atividade de cozinhar é rasa e repetitiva.
Thirsty Suitors — PC/PS4/PS5/XBO/XSX/Switch — Nota: 7.5
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Annapurna Interactive

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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