Análise: Bem Feito (Multi) — Desvendando uma creepypasta

Explore uma ROM que sumiu misteriosamente do mapa e tente não ser capturado por uma lenda urbana dos jogos.

As creepypastas surgiram nos idos dos anos 2000, quando algumas lendas urbanas um tanto quanto macabras ganharam notoriedade, criando diversas teorias e até cativando entusiastas. Algumas delas até se tornaram virais, como o caso de Slender Man, Sonic.EXE e Pokémon Black.

Explorando a mística que envolve esses contos, a oiCabie desenvolveu o Bem Feito, que traz não só um jogo, mas também todas as teorias possíveis que envolvem uma lenda macabra.

O sorriso de Reginaldo

No final dos anos 90, a Megasoft, com sede estabelecida em Minas Gerais, tentou uma nova empreitada, criando um console portátil: o Jogaroto. O bundle de lançamento acompanhava o console e o título Bem Feito, um jogo de fazendinha no qual ajudamos o menino Reginaldo em sua rotina cotidiana.

Por algum motivo obscuro, tanto o portátil quanto o jogo desapareceram de todas as lojas, como se nunca tivessem sido criados. Não havia nenhum traço de que eles haviam existido e todos que ousaram pesquisar sua existência sumiram misteriosamente. É aí que nós entramos.

Chega à nossa posse um emulador do Jogaroto, o Garotron OS, e uma ROM de Bem Feito. Também acompanham diversos arquivos criptografados, protegidos por senha, e é assim que a nossa aventura começa. De início, a tela lembra a área de trabalho de um computador comum com diversos ícones, entre eles o do emulador.

Ao iniciarmos o programa, podemos jogar o Bem Feito de fato, e ele tem uma mecânica simples. A cada dia em que acordamos, temos uma lista de tarefas presa na geladeira; elas precisam ser concluídas antes de darmos nossa rotina por encerrada e voltarmos para a cama. Os objetivos variam entre varrer a casa, colher maçãs, pescar, regar a horta, receber cartas e interagir com visitantes. Vale ressaltar que Reginaldo sempre está com um sorriso largo no rosto.

As coisas começam a ficar esquisitas ao percebermos que uma das tarefas está “bugada”, como se fosse um glitch, e ela geralmente envolve fazer algo malvado, como empurrar no riacho a amiga que não sabe nadar ou envenenar o amigo que veio para almoçar.

A cada dia que passa, Reginaldo realiza trabalhos cada vez mais assustadores, até o jogador sentir que realmente foi sugado para dentro de Bem Feito e agora está preso para sempre. Inclusive, fica impossível retomar o jogo, aparecendo uma mensagem dizendo que nós nunca mais deixaremos o menino sozinho e sendo impossível reiniciar a ROM. Como resolver isso? Deletando o save do seu console de fato e reiniciando tudo do zero.

Isso poderia parecer um bug corriqueiro de qualquer jogo, mas no caso de Bem Feito, é uma sacada genial, pois a ideia dele é explorar não só os tais “jogos macabros”, mas também os possíveis efeitos que eles tinham em quem os jogava e alimentar o status de lenda urbana — tanto que mesmo quem decidir ignorar as tarefas mais macabras e só fizer as coisas boas será recompensado com um desfecho positivo, mas que o obrigará a experimentar o lado “mau” das coisas.

Eu encarei o ato de deletar o save do meu PS4 e recomeçar tudo como se fosse uma outra vítima acessando o jogo, sem saber o que poderia lhe acontecer, e é algo que as lendas urbanas das creepypastas sempre pregam: a ingenuidade de quem está no controle. No mais, concluir todas as conquistas leva pouco mais de uma hora — menos até se você for um speedrunner —, então não é tão pesaroso assim apagar seu arquivo para concluir o jogo novamente.

A história da história

Além do jogo de fato, ler os arquivos de Bem Feito vai além de ser apenas um aditivo. Eles ampliam a atmosfera em torno do mito da Megasoft, trazendo aquela sensação de termos em mãos algo que foi trancado a sete chaves, saído diretamente de um episódio de Arquivo X.

Os documentos e imagens estão todos protegidos por senhas, que descobrimos ao avançar pelos dias jogados na ROM; porém, elas também podem ser facilmente anotadas ao checarmos a lista de troféus. A ideia não é ser difícil e sim alimentar a curiosidade do jogador.

Com tudo isso dito, já era de se esperar que Bem Feito não tivesse um primor gráfico, mas a maneira como ele usou o visual retrô foi bem pensada. A ROM funciona como um jogo do lendário Game Boy, com tonalidades azuladas e sprites 2D. A sutileza está nos momentos com sangue, que possuem um vermelho bem forte e contrastam com os tons azuis do ambiente.

Já os arquivos e documentos trazem algumas fotos pesadamente pixelizadas, pois trata-se de registros do começo dos anos 2000; logo, não havia registros em 4K ou com resolução em HD. É como se tivéssemos dois jogos em um: a ROM de fazendinha com o menino sorridente; e a parte de investigação, com os demais arquivos que estão na área de trabalho.

No quesito mecânica, a única coisa que me incomodou um pouco foi o mapeamento dos botões. Antes de abrirmos a ROM, tudo é feito com os comandos de praxe. Para quem está no PlayStation, como eu, tudo é confirmado com X e o retorno é com O. Ao iniciarmos o Bem Feito, as confirmações são feitas com O, como se fossem os jogos asiáticos de eras atrás. Isso causou algumas confusões de início, mas logo me adaptei e tudo fluiu bem.

O nome Bem Feito não é à toa

Ilustrar como funciona uma creepypasta, dando destaque não só para a lenda em si, mas também para todas as teorias que a envolvem, é o maior mérito de Bem Feito. Essa composição faz dele uma espécie de obra metalinguística, que explica o jogo com o jogo, sem contar que a ROM em si é um life simulator bastante carismático por si só. Recomendo bastante para quem tem interesse neste universo ou apenas gosta de uma história macabra.

Prós

  • A ROM de Bem Feito por si só já é um jogo divertido;
  • A ideia de trazer documentos criptografados e glitches ajuda a compor o ambiente da narrativa;
  • Ter que deletar o save do console para recomeçar o jogo é algo arriscado, mas bem utilizado;
  • Visuais que revivem os tempos do Game Boy
  • Reginaldo é a criança macabra que odiamos amar.

Contras

  • Poderia ter uma versão de Bem Feito sem o bug, só para matar nossa curiosidade;
  • O jogo em si é bem curto;
  •  A troca do mapeamento dos botões entre a área de trabalho e a ROM é um pouco confusa.
Bem Feito — PC/PS4/PS5/Switch/XBO/XSX — Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: PS4
Revisão: Davi Sousa
Análise feita com cópia digital cedida pela QUByte Interactive
OpenCritic
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Carlos França Jr.
é amante de joguinhos de luta, corrida, plataforma e "navinha". Também não resiste se pintar um indie de gosto duvidoso ou proposta estranha. Pode ser encontrado falando groselhas no @carlos_duskman
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