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Análise: Little Goody Two Shoes (Multi): bruxas, contratos e ambições

Jogo da AstralShift consegue trabalhar com o aspecto sombrio dos desejos humanos em uma experiência muito polida de audiovisual.

Little Goody Two Shoes
é um jogo de aventura com elementos de terror desenvolvido pela AstralShift. O título é uma espécie de prequela do indie Pocket Mirror, trabalhando a história de uma jovem garota chamada Elise, que sonha em ter uma vida melhor. Com ainda mais primor em seu trabalho audiovisual, o título oferece uma experiência sombria muito polida.

O esforço do dia a dia

Criada por sua avó, Elise é uma jovem garota que vive no pequeno vilarejo de Kieferberg. Após a morte de sua única familiar, ela se esforçou durante anos fazendo vários trabalhos para poder se sustentar. Elise passou a ser conhecida por essas tarefas que iam de ajudar com as crianças pequenas dos outros moradores a cortar lenha.
 
Nesse povoado, as pessoas são muito ligadas umas às outras, sabendo mais da vida dos outros do que deveriam. O lugar também fomenta muita religiosidade, tendo indivíduos demasiadamente supersticiosos que estão sempre acusando uma suposta bruxa de ser a causa para todo tipo de infortúnio. Porém, será que não tem nada de fato acontecendo?
No controle de Elise, logo notamos que há muitas coisas de difícil explicação na região. Após ficar um tempo trabalhando até muito tarde na cidade, a garota começa a ter contato com elementos ocultos e sendo atiçada a se envolver com uma misteriosa figura que poderia lhe conceder o seu maior desejo.
 
De forma geral, a trama é bem interessante, trabalhando com aspectos que envolvem ambições humanas, a tentação do sobrenatural e o peso das nossas próprias ações. Conforme a história avança, temos que tomar várias decisões, e algumas delas vão impactar o desenrolar da trama e qual final obteremos.

Apesar da alta qualidade geral, vale destacar que, em alguns raros momentos, alguns eventos são um tanto abstratos e pode ser difícil entender o que realmente ocorreu. Em comparação com Pocket Mirror, esse problema é bem menos comum, sendo Little Goody Two Shoes bem mais detalhado e claro, mas ainda há pequenos trechos em que as coisas podiam ser um pouco menos obscuras, mas igualmente instigantes.

O esforço para sobreviver

Quando falamos da gameplay, o jogo intercala momentos de simulação com aventura. Elise é uma garota ocupada que precisa escolher de que forma deseja passar os seus dias. É possível explorar a região em busca de várias atividades para fazer, mas trabalhar para conseguir dinheiro ou sair em encontros com as garotas mais íntimas da personagem levam o tempo a avançar.
 
Um detalhe muito importante do jogo é garantir a sobrevivência da protagonista, cujos recursos são bastante limitados. Para conseguir dinheiro, é necessário realizar minigames específicos e a quantidade de moedas ganhas varia de acordo com uma avaliação do desempenho do jogador.
Ao realizarmos atividades, também gastamos um ponto de saciedade, cujo símbolo é um pão, sendo necessário repor nossa energia comendo. Porém, os alimentos são raros e a forma mais garantida de consegui-los é comprando na loja. Com isso, temos um ciclo de trabalho para sustentar a protagonista.
 
Esse nível de esforço necessário para manter a personagem viva com seus míseros recursos é uma forma muito boa de reforçar a ambientação de Little Goody Two Shoes. Elise trabalha igual uma condenada para poder apenas se sustentar, sem ter muitos luxos, e isso acaba impactando o seu modo de pensar o mundo e seus desejos mais íntimos e egocêntricos.

Em vez do trabalho, também podemos optar por aproveitar um encontro com três garotas especiais. Lebkuchen é uma menina criada para a igreja, mas que faria de tudo por Elise apesar de sua religiosidade. Freya é outra amiga especial da protagonista e que gosta de fazer as coisas para impressioná-la. Por fim, apesar de conhecê-la há bem menos tempo, Rozenmarine é um turbilhão na vida de Elise, chacoalhando as noções realistas da garota com sua visão romântica de destino.
Os encontros com essas três garotas são momentos mágicos de conexão entre as personagens. Não apenas os diálogos refletem bem as visões de cada uma, mas temos também belíssimas ilustrações que reforçam o quão especial é aquele momento para as garotas.
 
Durante a exploração, também podemos conversar com os moradores locais em diversos momentos. Além de trabalhos e quests secundárias, eles podem nos dar opções de diálogo que podem aumentar ou reduzir a desconfiança que os personagens têm do fato de que nossa personagem é uma bruxa. Evitar que essa barra encha é outro elemento importante da gameplay.

A hora da bruxaria

No meio da noite, o jogo dá início ao que ele chama de “Witch. Time”. É aqui que o aspecto mais sombrio de terror ganha força, levando nossa personagem para ambientes que desafiam a lógica. Monstros e armadilhas estarão à espreita em mundos escuros e opressivos.
 
Além da barra de satisfação, temos a vida da personagem representada por corações. Várias coisas podem causar dano nesses momentos, então é importante ter bastante cuidado e entender de que forma esses elementos estão dispostos pelas áreas. Por exemplo, em certa área, pode ser necessário atrair criaturas perigosas com a sua lanterna.
Cada local oferece bons desafios, mas alguns deles podem ser projetados de uma forma extremamente punitiva. O resultado acaba parecendo ser pensado em função mais da memorização do que do nível de habilidade do jogador, dando-lhe muito pouca margem de manobra para sobreviver.
 
Além da vida, temos um sistema de sanidade que é reduzido toda vez que encontramos uma Garota Dourada. Esses personagens secundários estão espalhados pelos mapas e explicam detalhes interessantes da ambientação.

Polimento

Para além de questões mais específicas de seus sistemas, Little Goody Two Shoes chama muita atenção com o polimento de seus elementos audiovisuais. Temos uma pixel art bastante colorida e cada trecho do dia possui um filtro próprio para representar sua iluminação.
 
Enquanto os momentos coloridos iluminados pelos raios solares parecem um conto de fadas tranquilo, a escuridão total é profundamente assustadora e reforça a sensação de paranoia do jogador. Em vários momentos, temos ilustrações de recorte no meio da tela dando ênfase à grande expressividade dos personagens, cujos traços variam entre um estilo animação japonesa dos anos 90 com nariz bem demarcado a coloridas artes de livros infantis.
Em termos de áudio, temos dublagem em inglês e japonês, mas a maior parte do jogo usa apenas pequenos recortes em vez de cobrir os diálogos diretamente. A trilha sonora e as vozes reforçam com clareza a ambientação e os aspectos emocionais dos personagens, dando à obra um tom que realmente acaba parecendo uma animação japonesa clássica.
 
Em termos de qualidade de vida, Little Goody Two Shoes oferece log, skip e auto, mas a capacidade de acelerar os diálogos não está presente em vários deles por algum motivo que foi difícil de entender. Uma inconsistência similar acontece com as quests, sendo a maior parte delas bem indicada no mapa, mas algumas tarefas opcionais só indicam em diálogo o nome do personagem com quem se precisa interagir.

Por fim, só há saves manuais e receber um game over leva a uma tela de continue que recarrega o último momento salvo. Com isso, momentos mais complexos, especialmente nas Witch. Hours, podem ficar desnecessariamente inconvenientes.

Uma obra destinada a brilhar

O esforço por trás de Little Goody Two Shoes é impressionante. Trata-se de um jogo que consegue aproveitar todos os aspectos únicos de seu antecessor, mas, acima de tudo, oferecer uma experiência única e muito bem-pensada com suas mecânicas de simulação. Se você tem curiosidade em histórias sombrias sobre jovens garotas que acabam se envolvendo com um mundo sobrenatural sem ter plena consciência das implicações disso, esta é uma obra francamente imperdível.

Prós

  • Estilo audiovisual impressionante, com belas animações inspiradas em contos de fada e animes;
  • Sistemas de simulação de trabalho e vida social são bem-pensados para representar o cotidiano da protagonista e contrastar com os momentos sobrenaturais;
  • Narrativa envolvente com várias camadas para explorar por meio de múltiplas decisões e finais variados.

Contras

  • Desafios dos momentos de tensão são um pouco complicados demais e voltados mais à memorização do que à habilidade do jogador;
  • Alguns momentos da trama podem ser apresentados de uma forma muito abstrata e confusa;
  • O retorno ao último save manual após um game over pode ser bem chato em momentos mais complexos;
  • Sistemas inconsistentes de skip e quests secundárias.
Little Goody Two Shoes – PC/PS4/PS5/Switch – Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Square Enix

é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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