Mortal Kombat (Multi): 30 anos dos ports do primeiro jogo da franquia, que mudaram a indústria para sempre

Trazendo a sanguinolência dos fliperamas para os consoles, os ports ajudaram a moldar o sistema de classificação indicativa nos videogames.

em 02/09/2023
A presença de violência nos videogames era uma temática mais sombria na indústria. Enquanto nos consoles essa abordagem era pouco frequente, as experiências mais “adultas” eram geralmente reservadas para PCs e alguns jogos de fliperama, que atraíam um público mais maduro. No contexto dos fliperamas, Mortal Kombat surgiu sem grandes ambições, mas sua apresentação visual mais realista, somada ao impacto das brutais fatalities, acabou alcançando um público mais amplo — incluindo aqueles que talvez não devessem estar expostos a esse conteúdo.


Com o boom da produção da Midway nos grandes gabinetes, a Acclaim ficou responsável pela manufatura de trazer aquele popular título para os lares dos jogadores. Numa abordagem diferente para a época, foi criado o Mortal Monday, evento que trouxe quatro ports do primeiro Mortal Kombat no mesmo dia na América do Norte.

O impacto mortal

A chegada de Street Fighter II em 1991 teve um impacto significativo no mercado de fliperamas, pois o título da Capcom revolucionou um gênero pouco explorado até então, chamando a atenção de várias desenvolvedoras, incluindo a SNK e a Data East, que trouxeram suas próprias abordagens e experimentações para o gênero.

No meio dessa competição por sucesso, a Midway, uma presença marcante no cenário dos fliperamas, mobilizou uma equipe para desenvolver um “jogo de combate” e aproveitar o recente boom. Ed Boon e John Tobias lideraram essa equipe e, com o auxílio de um pequeno grupo de desenvolvedores, começaram a gerar ideias sobre como abordar essa tarefa e se destacar em meio à concorrência acirrada.

A primeira diferença era a utilização de atores digitalizados, utilizando técnicas de chroma key e cortes nas filmagens, para dar um ar mais realista ao game. A outra ideia resultou na violência através de sangue jorrando em golpes fortes e finalizações brutais e explícitas, algo que foi sendo implementado durante o desenvolvimento.
Com certeza um jogo que chocou a indústria.
O sucesso do jogo foi instantâneo, enchendo rapidamente as gavetas de moedas das máquinas arcade e chamando a atenção não apenas do público, mas também, de forma inesperada, da mídia que não estava diretamente ligada à indústria dos jogos eletrônicos. Uma verdadeira febre começou, dando origem a uma nova e próspera franquia no mundo dos videogames e abrindo margem para chegar a outros territórios: os consoles domésticos.

O kombate caseiro


Como parte da estratégia de marketing para impulsionar o lançamento de Mortal Kombat nos principais consoles daquela época, surgiu o conceito do Mortal Monday. Em 13 de setembro de 1993, uma segunda-feira, o sucesso das máquinas arcade chegou ao Super Nintendo, ao Mega Drive, ao Game Boy e ao Game Gear simultaneamente nos Estados Unidos. A campanha publicitária incluiu anúncios em revistas e comerciais de televisão, contribuindo ainda mais para o impacto da marca. E como muitos lançamentos multiplataformas lançados na época, cada versão possui suas devidas peculiaridades.

Começando pelas versões dos principais consoles: Super Nintendo e Mega Drive. O port para o console da Nintendo, desenvolvido pela Sculptured Software, apresentava visuais extremamente fiéis ao original, tanto em termos de tamanho dos personagens quanto de detalhamento dos cenários e da coloração.

A qualidade se estende ao áudio, no qual grande parte das vozes foi preservada — embora um tanto abafadas —, enquanto a trilha sonora manteve parte da atmosfera opressiva, composta por Dan Forden.

Quanto à versão para o console da casa do Sonic, desenvolvida pela Probe, houve um cuidado visual menos apurado. Os lutadores são menores, detalhes dos cenários são omitidos, a paleta de cores limitada do Mega Drive não é plenamente explorada e os quadros de animação são cortados de forma bem estranha.
 
O áudio de Mortal Kombat na plataforma de 16 bits da Sega é uma situação mista. Por um lado, o corte das vozes é bastante notável, a ponto de nem mesmo incluir o famoso “alibabaiê” do Raiden ou a icônica narração do “FATALITY”. Por  outro lado, as músicas são praticamente distintas das melodias do arcade, mas são muito bem executadas e adequadas ao sintetizador do console, um dos melhores exemplos técnicos da plataforma.

Palace Gates (SNES)

Hall (Mega Drive)


O Mega Drive acabou levando a melhor contra o Super Nintendo na fluidez do gameplay, sendo mais parecido com o material de origem, principalmente na velocidade, na física e na execução dos especiais.

Contudo, não estava no visual, nos controles e no som o que chamaria atenção dos jogadores sobre qual plataforma optar, e sim no diferencial de Mortal Kombat: a violência explícita.

ABACABB

A Nintendo era uma empresa que prezava por políticas mais familiares e tradicionais em seus jogos com relação a conteúdo explícito e temas sensíveis como religião. Títulos como Final Fantasy tinham locais como bares transformados em pousadas quando vinham para o Ocidente, referências cristãs como na introdução de Super Castlevania IV eram completamente removidas e qualquer sinal de violência explícita era proibido.
Uma das censuras exigidas pela Nintendo no ocidente.
Para se adequar às exigências da empresa, a versão de SNES removeu parcialmente toda a fatalidade. Não há líquido vermelho saindo com ataques mais violentos e as finalizações estão mais “inocentes”, como congelar o oponente e quebrar ele de forma digna de um desenho animado.

A Sega, que se apresentava como a casa do gamer jovem, permitiu a inclusão de conteúdo violento em sua versão, mas com uma condição: por meio do código “ABACABB”. O desfecho final comprovou que essa estratégia obteve êxito: a edição censurada da Nintendo vendeu apenas 1 milhão de cópias, enquanto a versão explícita e sangrenta do Mega Drive atingiu a marca de 3 milhões de unidades vendidas.

Porém, o que inicialmente poderia ter sido considerado apenas um embate comercial entre duas gigantes acabou se desdobrando em um caso judicial. A presença de games como Mortal Kombat (especialmente a versão de Mega Drive) e Night Trap transcendeu o âmbito mercadológico e adentrou a esfera política, com dois senadores norte-americanos convocando audiências para debater a alegação de que esses jogos estariam corrompendo os jovens e a sociedade.

Após várias sessões, nas quais predominaram as acusações da Nintendo contra a Sega, a situação foi finalmente resolvida em 1994 com a criação da Entertainment Software Rating Board (ESRB), um órgão autorregulatório e imparcial, encarregado de classificar as recomendações etárias dos lançamentos de consoles e PCs na América do Norte a partir daquele momento.

Os fatalities portáteis

Voltando a falar sobre os ports, a franquia Mortal Kombat tem uma presença notável nos consoles portáteis. Apenas três dos doze títulos principais (MK Armageddon, vs. DC Universe e X) não foram lançados em algum console portátil, e essa tendência teve início com a primeira adaptação para Game Boy e Game Gear, ambas desenvolvidas pela Probe. Na versão da Sega, o conteúdo explícito pode ser desbloqueado através de um código, enquanto na versão da Nintendo as censuras esperadas estão presentes.

As discrepâncias visuais entre as versões são notáveis. Embora o portátil monocromático consiga preservar o visual digitalizado, basta uma olhada no lado da Sega para perceber as diferenças, especialmente nos detalhes dos cenários, como as estátuas de leões na fase The Pit.

Naturalmente, todo o áudio digitalizado é removido de ambas as versões. As músicas evocam levemente as do Mega Drive, adapt0ando-se de maneira apropriada para cada hardware

O que não é qualidade em nenhum dos ports é a jogabilidade, com colisões estranhas e uma dificuldade extremamente elevada tanto para executar os movimentos especiais quanto para se movimentar. Era funcional para a sua época, mas envelheceu consideravelmente e não se sustenta bem atualmente.

Devido à presença em plataformas ainda mais limitadas, houve cortes de conteúdo nos jogos, como a presença de apenas dois cenários no Game Gear e três no Game Boy. Além disso, faltam personagens em cada plataforma (Johnny Cage na Nintendo e Kano na Sega, com Reptile ausente em ambas), e detalhes como imagens da introdução da história foram reduzidos.

Extras: Sega CD, Master System, MS-DOS

Dando uma rápida olhada em outros ports notáveis que foram excluídos do Mortal Monday, o Sega CD recebeu Mortal Kombat em 1994 numa versão que, essencialmente, consistia na adaptação do Mega Drive com as músicas da versão fliperama — muito mais barulhentas do que deveriam ser — e mais quadros de animação para os kombatentes. Além disso, inclui uma versão editada da propaganda de TV do Mortal Monday e as biografias dos personagens. No entanto, o formato em CD não favoreceu a questão do tempo de carregamento, apresentando pela primeira vez um problema que viria a assombrar a franquia em outros consoles de mídia ótica da década de 90: as pausas incômodas a cada transformação de Shang Tsung.
Não teve grandes mudanças visuais na versão do add-on de CD do Mega.
O queridinho do Brasil, Master System teve uma versão adaptada da de Game Gear com maior resolução e levemente menos colorida. Só foi lançado na Europa e no Brasil.
O grande porém nesta versão é que, embora parecidos, o hardware do Game Gear consegue reproduzir mais cores que o do Master System.
E finalmente, os computadores receberam a versão caseira quase definitiva de Mortal Kombat, apresentando o mesmo som (com a placa de som necessária para tal), gráficos e jogabilidade do fliperama, o que viria a se tornar uma tradição durante a era 2D da franquia.



"MORTAL KOMBAAAAAAT"

Como uma espécie de compromisso inevitável, os ports do primeiro Mortal Kombat desempenharam um papel fundamental na condução de várias mudanças na indústria, tanto no âmbito político quanto no seu impacto cultural, tanto dentro quanto fora do universo dos videogames. 
Independentemente da qualidade dessas versões — especialmente as produzidas pela Probe, um estúdio com trabalhos de qualidade questionável na época —, elas contribuíram significativamente para a solidificação do nome da franquia no cenário mundial.

Revisão: Ives Boitano
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Estudante de enfermagem de 25 anos, está nesse mundo dos joguinhos desde criança. Fã de games com vibe mais arcade e arqueólogo de velharias, mas não abandona experiências mais atuais. Acompanha a mídia de podcasts, dublagem e ouvinte assíduo de VGM. Pode ser encontrado como @AlecFull e semelhantes por aí.
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