Análise: Astrea: Six-Sided Oracles (PC) nos desafia a lançar e manipular dados em um criativo roguelike deckbuilding

Este título indie brasileiro traz um ar de novidade ao gênero com suas mecânicas inventivas.

em 18/09/2023

O gênero RPG roguelike com construção de baralhos é bem popular e com inúmeras interpretações de suas principais mecânicas, mas a maioria dos jogos são muito similares ou pouco inspirados. Astrea: Six-Sided Oracles inova ao colocar dados no lugar das cartas, trazendo aspectos de probabilidade, risco e recompensa às partidas. O uso dos cubinhos, em conjunto a vários outros detalhes notáveis, deixam os combates dinâmicos e envolventes. Produzido pelo estúdio brasileiro Little Leo Games, Astrea surpreende com sua profundidade e esmero, só pecando em às vezes ser complexo demais.

Em uma peregrinação para afastar a corrupção

Muito tempo atrás, várias civilizações prosperaram com as bênçãos de Astrea, uma estrela mística que distribuía dádivas aos planetas próximos. Porém, um dia, o coração do astro foi infectado por uma anomalia que se espalhou pelo sistema estelar, corrompendo a alma de indivíduos e promovendo o caos.


Séculos depois, descendentes dos oráculos abençoados por Astrea partem em uma peregrinação pelos planetas para purificar de vez a estrela e salvar o sistema estelar.  A jornada não é fácil, pois inúmeras criaturas corrompidas aparecem pelo caminho. Por sorte, os oráculos são capazes de purificá-las com a ajuda de Astrários, dados que canalizam o poder ancestral da estrela.

Astrea explora esse universo em uma aventura de RPG roguelike. Nos combates, lançamos um conjunto de dados por turno e utilizamos seus efeitos para executar ações diversas. Um ponto importante é o sistema de dano, que é dividido em dois tipos: a Purificação permite atacar inimigos e curar o herói; já a Corrupção recupera a vida dos oponentes, mas machuca nosso personagem. Corromper a si próprio é perigoso, mas essa é a única maneira de ter acesso a habilidades poderosas, então é importante controlar o dano para maximizar as possibilidades.


Os dados trazem uma dinâmica de incerteza e probabilidade, pois os efeitos variam de acordo com o lado que cai para cima. Além disso, somos obrigados a jogar os dados com face vermelha (Corrupção) no final do turno, então precisamos pensar com cuidado as ações para não ficar em uma situação complicada. Por sorte, certas habilidades permitem rolar novamente os dados, inclusive os dos inimigos. Por meio disso, podemos tentar evitar ataques devastadores ou melhorar um conjunto ruim de ações.

Há três tipos de cubos: o Seguro só tem faces azuis, mas costuma ter efeitos mais fracos; o Equilibrado traz ações dos dois tipos de dano; já o Arriscado conta com habilidades poderosas, porém a maioria das faces é vermelha. No decorrer da jornada, adquirimos novos dados, sendo possível customizá-los em pontos específicos do mapa. Os heróis também se fortalecem ao adquirir artefatos com efeitos passivos e ao encontrar Sentinelas que oferecem vantagens, como melhorias temporárias em combate ou dados extras a cada turno.



Dominando nuances e probabilidades para vencer

Em sua essência, Astrea é mais um exemplar representante do gênero roguelike de construção de baralhos, que se tornou muito popular nos últimos anos. A ideia principal ainda é fortalecer um personagem aos poucos enquanto avançamos por inúmeros combates complicados. No entanto, o jogo tem várias mecânicas criativas e interessantes que trazem agilidade às partidas.

Para começar, trocar cartas por dados oferece flexibilidade, pois podemos tentar a sorte ao rolar novamente os cubos para mudar ataques. Naturalmente, é essencial ficar atento às probabilidades e agir de acordo: tentar alterar ações sem pensar direito pode piorar a situação. Particularmente, gostei dessa mecânica, pois traz imprevisibilidade controlada aos embates, ao mesmo tempo que cria algumas opções táticas.


Já o sistema de Purificação versus Corrupção me impressionou com o seu dinamismo. As habilidades especiais dos heróis só podem ser ativadas quando eles acumulam alguns pontos de dano, então temos a opção de  corromper o personagem de propósito para utilizar as técnicas. Com um pouco de perícia, é possível abusar desse recurso para desferir vários ataques poderosos por turno, porém é um artifício perigoso: basta um erro de cálculo para terminar o turno muito machucado e ser massacrado pelos ataques dos inimigos.

Os heróis contam com estilos de jogo bem distintos. A coruja Moonie tem habilidades equilibradas, conseguindo se curar com certa facilidade; o guardião Hevelius é especializado em melhorar Sentinelas para acabar com os inimigos; já o tubarão Cellarius sacrifica parte de sua vida para desferir ataques poderosos. Há seis heróis com níveis de complexidade diferentes e cada um deles tem à disposição um conjunto exclusivo de dados e habilidades que permite montar muitas estratégias.



Em um universo repleto de possibilidades táticas

Sempre falo que a diversão de um roguelike de construção de baralhos está em testar as possibilidades e descobrir sinergias. Astrea, com suas mecânicas e nuances, oferece uma experiência bem completa nesse sentido.

No começo, tive dificuldade em manipular os dados e em montar conjuntos, mas depois de apanhar um pouco, consegui fazer boas combinações. Quando passei a levar em conta as probabilidades de cada tipo de dado, consegui chegar mais longe — é necessário arriscar um pouco, pois os cubos do tipo Seguro são fracos demais. Fiquei impressionado com as possibilidades proporcionadas pela combinação de tipos de dados e relíquias com habilidades passivas.


O sistema de danos contrastantes é muitíssimo interessante. Para conseguir avançar, é imprescindível se arriscar com a Corrupção para acessar as habilidades mais poderosas, e em alguns momentos é necessário curar os oponentes para sobreviver. Há muito risco e recompensa aqui e gostei de explorar as possibilidades dessa mecânica.

Dominar as nuances é essencial, pois Astrea tem dificuldade crescente. Os embates são variados, com inimigos com padrões de ataques próprios que lembram pequenos puzzles, como criaturas que dão dano ao serem golpeadas, monstros que explodem ao morrer, mecanismos que fortalecem os oponentes e muito mais. Os chefes, em especial, são bem complicados e dão pouco espaço para erros. Apanhei bastante dos inimigos, mas é muito recompensador montar táticas para vencer embates complicados.


Aqueles que gostam de desafio vão ter muito o que explorar, pois o jogo conta com 16 níveis de dificuldade. Fora isso, o conteúdo se expande aos poucos, com novos dados e artefatos sendo liberados gradualmente. Uma única partida dura por volta de duas horas, porém há conteúdo desbloqueável suficiente para dezenas de horas.

Complementando a experiência, temos uma ambientação charmosa. O universo de Astrea é representado por duas cores: azul para Purificação e vermelho para Corrupção. A maioria dos elementos do jogo utiliza essa paleta e o contraste entre elas traz identidade. Destaco os heróis e monstros, que chamam a atenção com belas ilustrações com traços de linhas marcantes.



Perdido na elaboração demasiada

A multitude de detalhes faz com que Astrea seja mais um daqueles jogos complexos e interessantes. Porém, alguns elementos de sua densidade acabam atrapalhando a experiência.

Cada inimigo e herói têm mecânicas próprias, com direito a vários efeitos positivos e negativos exclusivos. Essas características deixam os encontros elaborados, mas também são fontes de problemas. Nas batalhas mais avançadas, é muito comum os oponentes terem inúmeras habilidades passivas, porém é difícil saber exatamente o resultado final devido à presença de tantas variáveis. Muitas vezes, inclusive, fui derrotado por não conseguir entender com clareza o dano que ia levar, o que me induziu ao erro.


Nesse aspecto, a interface falha um pouco ao ser confusa. Efeitos e habilidades contam com ícones e caixas com texto descritivo, mas muitas vezes a explicação, que está em português, não é fácil de entender. Além disso, senti falta de uma prévia da Corrupção total que o herói vai receber, principalmente das fontes secundárias de dano.

Nesse tipo de jogo, ter informações claras é imprescindível para fazer escolhas conscientes. Com o tempo, aprendi a lidar com esses percalços, contudo acredito que essas características poderiam ser melhor trabalhadas.



Um lançar de dados excepcional

Astrea: Six-Sided Oracles é uma inovação bem-vinda no gênero de RPG roguelike com construção de baralhos, trazendo dados em vez de cartas para dar um toque único às mecânicas de jogabilidade. A dinâmica dos dados adiciona um elemento de probabilidade e risco, tornando os combates emocionantes e com toques de imprevisibilidade. Além disso, o jogo oferece uma ampla variedade de heróis, mecânicas e estratégias a serem exploradas.

No entanto, a complexidade excessiva em algumas áreas, como a multiplicidade de efeitos durante as batalhas e informações insuficientes na interface, pode dificultar a experiência. Com o tempo, aprendemos a lidar com essas questões negativas, mas alguns ajustes nesses aspectos tornaram as partidas mais agradáveis.

No geral, Astrea se destaca como uma adição cativante ao gênero, requerendo paciência e dedicação para dominar suas nuances e aproveitar ao máximo sua profundidade estratégica.

Prós

  • Sistema de jogo inovador de roguelike de construção de baralhos que usa dados em vez de cartas;
  • Vastas possibilidades táticas devido à boa variedade de heróis, tipos de dados, artefatos e sinergias;
  • Combates repletos de situações variadas, com dificuldade crescente e bem regulada;
  • Ambientação charmosa com paleta contrastante de azul e vermelho.

Contras

  • Excesso de efeitos e habilidades passivas durante os combates pode deixar os combates um pouco complexos demais;
  • A interface poderia ter mais informações e mais clareza para facilitar a tomada de decisão.
Astrea: Six-Sided Oracles — PC — Nota: 8.5
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Akupara Games
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é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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