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Análise: Sea of Stars (Multi) moderniza o passado em um envolvente e sensacional RPG

Explore um mundo belamente construído neste título repleto de mecânicas interessantes.


Sea of Stars deixa muito claro desde o início que a sua intenção é resgatar conceitos de RPGs clássicos ao mesmo tempo que adiciona um tempero moderno próprio. Na companhia de dois guerreiros-feiticeiros, desbravamos um mundo assolado por um mal ancestral em uma aventura espirituosa. Combates por turnos, um mapa múndi e visual em pixel art remetem aos títulos de outrora, porém inúmeras nuances, como a exploração de cenários com saltos e outras ações, deixam a experiência imersiva. Com um universo construído com esmero e um elenco cativante, o jogo é a mistura perfeita entre nostalgia e contemporaneidade.

Em uma jornada para defender o mundo

Em um passado distante, um alquimista conhecido como Fleshmancer espalhou o caos com criações monstruosas. Depois de muito conflito, o ser maligno desapareceu, mas deixou para trás os Residentes, criaturas violentas e poderosas. Elas só podem ser feridas por magia do sol e da lua, que é dominada por alguns poucos indivíduos. Sendo assim, para enfrentar os Residentes, surgiram os Guerreiros do Solstício, que por eras lutam contra esses monstros.


A ordem perdeu um pouco de sua força com o passar dos anos, mas o futuro é promissor com o nascimento de Zane e Valere, duas Crianças do Solstício capazes de usar magia do sol e da lua. Depois de anos de treinamento, a dupla recebe uma missão para finalmente se graduar como Guerreiros do Solstício: eles precisam alcançar a Ilha Espectral e lá derrotar um dos Residentes durante um eclipse que enfraquece os monstros. Os dois, acompanhados pelo seu amigo de infância Garl, partem em uma jornada que se revela mais complicada do que parece.


A narrativa de Sea of Stars tem aquele gostinho de aventura encantadora muito comum na década de 1990 com seu tom leve e divertido. Para começar, a sinergia entre o trio de protagonistas é ótima, principalmente por causa das personalidades diversas: Valere é séria e contida; Zane age antes de pensar, apesar de ser generoso e afável; já Garl conquista qualquer um com seu carisma e bom humor. Além disso, há um elenco de suporte diverso e colorido, como um grupo exótico de piratas, uma misteriosa ninja que atravessa portais e criaturas mágicas inusitadas. Quando dei por mim, já estava envolvido com as histórias e dilemas desses indivíduos.


A trama me intrigou desde o início e, aos poucos, me surpreendeu com suas reviravoltas e revelações. Claro, alguns acontecimentos são previsíveis e pouco originais, porém as maneiras que eles são explorados os tornam interessantes. Um detalhe que ajuda é a intrincada montagem do universo, que conta com mitologia bem-construída e muitas nuances notáveis. Recomendo, inclusive, ir atrás dos contos narrados pela historiadora Teaks, pois eles enriquecem ainda mais a mitologia deste mundo. O jogo está completamente localizado para o português em um texto bem adaptado e escrito.

Um fato curioso é que Sea of Stars tem como palco o mesmo universo de The Messenger, o trabalho anterior do estúdio, mas todos os fatos acontecem muitos anos antes em uma espécie de prequela. O RPG pode ser aproveitado de forma independente, pois as relações não são tão fortes e explícitas, no entanto, as inúmeras referências tornam a experiência mais elaborada — gostei demais de identificar as possíveis ligações entre os dois jogos.



Dominando o sol e a lua em embates empolgantes

Como RPG, Sea of Stars explora a estrutura clássica do gênero alternando entre momentos de exploração e de combate. As batalhas usam o tradicional sistema por turnos com alguns elementos de interação em tempo real: segurar ou apertar botões na hora certa fortalece ou resulta em ataques adicionais, e o dano de investidas inimigas pode ser reduzido ao defender no momento correto. Com isso, além da estratégia, é importante ter destreza para maximizar as oportunidades.

O combate conta com recursos que oferecem mais opções táticas. Acertar golpes normais gera Mana Vital, que pode ser absorvida para fortalecer habilidades ou aplicar efeitos elementais a certos golpes. Já os Combos são técnicas poderosas nas quais uma dupla de heróis combina seus poderes. Por fim, certos ataques dos inimigos podem ser enfraquecidos ou completamente interrompidos ao explorar suas vulnerabilidades.


Mesmo sendo por turnos, a combinação de conceitos torna o sistema de batalha ágil e empolgante. Apertar botões na hora certa traz um aspecto de ação aos embates, o que me fez ficar muito atento a tudo que acontecia. Já as outras nuances me permitiram montar diferentes estratégias, como usar um golpe normal para gerar Mana Vital e, em seguida, absorver essa energia para desferir um ataque elemental para interromper uma técnica em carregamento do inimigo.

Um ponto interessantíssimo é que tudo é enxuto e pensado para ser utilizado sempre que possível. Ataques normais geram pontos de magia, então sempre que possível fiz questão de utilizar feitiços ou técnicas especiais. Além disso, a Mana Vital e os pontos de Combo desaparecem após a batalha, então o ideal é aproveitar a oportunidade para utilizá-los. Por fim, só podemos carregar dez refeições de recuperação, o que nos força a pensar com cuidado na seleção de itens.


Além de contarem com poderes elementais próprios, cada herói apresenta também um estilo único. Valere é uma boa opção para acertar todos os inimigos com seu lunarangue, que pode ser rebatido inúmeras vezes. Zane tem opções equilibradas, como um feitiço de cura e um pequeno sol capaz de infligir dano em uma área. Já Garl compensa sua inaptidão mágica com habilidades de suporte e atributos básicos reforçados. Há seis heróis controláveis no total e a combinação de seus poderes oferece inúmeras opções táticas.

Dominar esses conceitos é imprescindível, pois o desafio é moderado e até mesmo inimigos normais são capazes de nocautear os heróis. Pelo caminho aparecem dilemas, como vários oponentes carregando feitiços, mas não temos ações suficientes para interromper todos eles. Nesses momentos, precisei pesar com cuidado as opções: enfraqueço todos eles ou é melhor interromper um e tentar defender o golpe do outro? É um aspecto que lembra um puzzle e me diverti tentando sair das situações complicadas. Já os embates contra os chefes raramente se resumem em atacar repetidamente, exigindo passos para deixá-los vulneráveis ou para bloquear suas investidas.


Mesmo com essas complicações, achei a dificuldade equilibrada e justa na maior parte do tempo. Um detalhe notável é que o desafio é balanceado para que não seja necessário fazer o temível grind, tornando o andamento mais agradável e ágil. De qualquer maneira, artefatos opcionais permitem facilitar alguns aspectos, como bloquear automaticamente ou recuperar toda vida e magia após cada combate.

Apesar de tantas virtudes, um ponto me incomodou nos embates de Sea of Stars. Os comandos em tempo real às vezes têm funcionamento obscuro, não ficando completamente claro quando devemos apertar o botão para ativar o efeito adicional. Além disso, os golpes dos inimigos muitas vezes são difíceis de ler, o que atrapalha o ato de levantar a defesa. O jogo afirma que essa mecânica é só um extra, mas a verdade é outra na prática: não conseguir reduzir o dano com consistência pode ser fatal. Alguns recursos permitem facilitar essas opções, mas, particularmente, preferiria um melhor balanceamento no geral.



Desbravando um mundo rico e repleto de possibilidades

A fluidez define os momentos de exploração de Sea of Stars. Atravessar os cenários não se resume a somente correr: podemos escalar paredes, nos esgueirar por beiradas, saltar por buracos, nos equilibrar por cordas e mais. Pelo caminho, encontramos puzzles de navegação envolvendo essas ações e há muitos locais opcionais que, inicialmente, parecem inalcançáveis. No decorrer da jornada os heróis adquirem novas habilidades, como uma rajada de ar para empurrar blocos, um arpão para alcançar lugares distantes e um poder capaz de transformar o dia em noite em espaços específicos.


O andamento dos calabouços e outras áreas é majoritariamente linear, com uma ou outra rota opcional. No entanto, há incentivos para voltar a locais anteriormente visitados: as habilidades de locomoção nos permitem alcançar novos trechos que escondem tesouros e extras. Mesmo contando com rotas simples e diretas, atravessar os cenários é prazeroso, pois as ações de saltar e escalar trazem um elemento de plataforma à aventura, o que me instigou a vasculhar todos os cantos. Naturalmente, esses movimentos são bem simplificados e muitas vezes têm pouquíssimo impacto de fato na jogabilidade, mas a verticalidade e a sensação de agilidade tornam esses momentos envolventes.

O ritmo da exploração é ágil, com ótimo equilíbrio entre momentos de história, combates e calabouços. Porém, alguns detalhes incomodam. Os puzzles, em sua maioria, são triviais e de fácil solução, funcionando mais como uma leve distração. Voltar a áreas já completadas é um pouco custoso: é necessário atravessar os calabouços novamente, às vezes refazendo inúmeros saltos e escaladas, o que deixa as coisas meio cansativas. Alguns atalhos amenizam a chateação, mas senti falta de simplesmente atravessar o local no mapa.


Outro ponto em que o jogo é clássico demais é a ausência de um compêndio. Informações importantes, como andamento da trama principal, registro das missões paralelas e características dos inimigos não ficam registradas em canto algum. É algo simples que faz falta, principalmente se você esquecer qual é o próximo passo para fazer a história avançar.

De qualquer maneira, o mundo de Sea of Stars nos convida à exploração com sua vastidão. Inúmeros segredos e missões opcionais estão espalhados pelas várias regiões, e novas possibilidades de desbravamento abrem aos poucos conforme adquirimos recursos de deslocamento. Como é de praxe do gênero, muitas atividades extras estão disponíveis, como a tradicional pescaria, cozinhar na fogueira, uma elaborada missão que envolve desenvolver uma vila e Rodas, um viciante minigame que mistura sorte, tabuleiro e RPG. Apreciei as inúmeras possibilidades e muitas das vezes deixei de avançar na trama para dar uma olhada no conteúdo opcional.



Na beleza simultaneamente retrô e moderna

Uma direção de arte deslumbrante dá vida ao mundo de Sea of Stars. Os elementos em pixel art trazem um ar retrô ao jogo, e a elaborada iluminação dinâmica deixa os cenários com um visual contemporâneo — é impressionante ver as sombras e as fontes de luz mudando dinamicamente de acordo com a hora do dia.

Pela jornada, os Guerreiros do Solstício atravessam belas localidades, como um recife de corais incrustado em uma montanha, um laboratório mágico abandonado, densas florestas tropicais e até mesmo uma cidade submersa. Já os personagens conseguem retratar suas personalidades com seus maneirismos e expressões faciais, em especial nos seus movimentos em combate. Animações aparecem em algumas cenas importantes, ajudando a desenvolver ainda mais a identidade dos heróis.


A trilha sonora foi produzida por um grupo de artistas, o que resultou em um áudio diverso e que foge um pouco do usual de RPGs. As composições apostam em elementos sintetizados para trazer de volta a atmosfera retrô, mas sem deixar de lado o tom de aventura de fantasia. No começo achei meio estranho, mas logo os temas de batalha estavam grudados na minha mente. Um dos destaques é a participação de Yasunori Mitsuda, compositor de Chrono Trigger e Xenoblade Chronicles, que contribuiu com algumas ótimas composições, como “Coral Cascades”.



Mar estrelado sensacional

Sea of Stars é uma emocionante jornada através de um mundo ricamente elaborado que combina elementos nostálgicos de RPG clássicos com inovações modernas. Na companhia de um grupo cativante de heróis, mergulhamos em uma aventura espirituosa repleta de reviravoltas e bons momentos. Além de ter um universo bem-construído, o jogo encanta com belíssimo visual em pixel art e trilha sonora memorável.

Como RPG, o título oferece uma mistura notável de elementos. O combate por turnos nos envolve com comandos em tempo real, muitas opções táticas e personagens com estilos diversos. Já a exploração é ágil com cenários repletos de obstáculos para serem escalados ou saltados, com direito a segredos, puzzles e rotas alternativas. Por fim, há muito o que fazer, como missões opcionais e minigames.

Entretanto, nem tudo é perfeito. Alguns aspectos das batalhas, como os comandos em tempo real e a leitura dos golpes inimigos, podem ser um pouco confusos, atrapalhando a experiência. Além disso, a falta de um compêndio e algumas mecânicas de exploração simples demais podem chatear em certos momentos. Apesar disso, a dificuldade equilibrada e a possibilidade de explorar o mundo de forma ágil são suficientes para compensar.

No fim, Sea of Stars equilibra perfeitamente nostalgia com elementos contemporâneos, resultando em uma experiência RPG imperdível.

Prós

  • Narrativa envolvente com trama interessante e personagens cativantes;
  • Exploração ágil focada em ações como saltar, pular e escalar obstáculos;
  • Sistema de combate notável e altamente estratégico que combina turnos com elementos em tempo real;
  • Andamento ágil, com ótimo balanceamento entre os diferentes aspectos do jogo;
  • Mundo extenso e repleto de coisas para fazer, como minigames e missões opcionais;
  • Ambientação ímpar com belíssimo visual em pixel art, iluminação dinâmica e trilha sonora memorável.

Contras

  • Os comandos em tempo real no combate poderiam ser um pouco mais claros;
  • Alguns puzzles e situações de exploração são simples demais;
  • A ausência de um registro de informações de missões e de inimigos faz falta.
Sea of Stars — PC/PS4/PS5/XBO/XSX/Switch — Nota: 9.0
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Thais Santos
Análise produzida com cópia digital cedida pelo Sabotage Studio

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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