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Análise: Do mar à mesa, Dave the Diver (PC) oferece uma saborosíssima experiência subaquática

Título desenvolvido pela coreana MINTROCKET é uma daquelas surpresas especiais que surgem já como referência em seu meio.



Quando pensamos em simuladores de mergulho, normalmente o que nos vem à mente são jogos de exploração em ambiente marinho tridimensional como Subnautica (Multi), Endless Ocean (Wii), Everblue (PS2) ou ABZU (Multi). Enquanto tais nomes se resumem à exploração submarina no intuito de realizar descobertas, Dave the Diver subverte brilhantemente essa ideia ao trazer todo um ecossistema de mecânicas para justificar nossas incursões subaquáticas em um harmonioso e consistente produto.

Mergulhador de dia, cozinheiro de noite

Você é Dave, um mergulhador. Um dia, seu sócio te liga para contar que ele encontrou o melhor ponto de mergulho de todo o planeta, descoberto por conta de algumas atividades sísmicas incomuns. Isso fez com que uma série de ocorrências acontecessem e, por ocasião do destino, é Dave quem se encontra no centro de todas elas.





Tudo começa como uma missão simples cujo objetivo é auxiliar o sushiman Bancho a reformar seu bar destruído parcialmente pelo impacto do terremoto. Para isso, Dave precisa mergulhar, coletar peixes frescos e levá-los até o cozinheiro, que irá prepará-los para os clientes e, assim, lucrar o suficiente para que os reparos sejam feitos.

Com isso, somos apresentados ao ciclo básico de gameplay, que possui dois períodos diurnos e um noturno. Durante o dia, Dave pode mergulhar nos oceanos e usar seu arsenal para coletar os peixes espalhados pelo recife, cujas áreas vão sendo desbloqueadas e podem ser exploradas conforme avançamos na campanha.




Para fazer a coleta, podemos contar com o arpão básico e uma espingarda, que pode ser trocada por rifles de precisão, dardos tranquilizantes ou redes. Enquanto nadamos pelo recife, é possível coletar melhorias para o arpão e outros tipos de armas básicas, além de  outras ferramentas, como cilindros de oxigênio, bombas de ativação remota, picaretas para mineração, motores que facilitam o nado, etc.

Embora o ambiente submarino em si não mude procedimentalmente como se espera de um roguelike, é notável que o ato de ir desbloqueando novas áreas de acordo com o desenrolar da história acaba por manter a jogabilidade sempre agradável, caindo naquela sensação de repetição só na reta final do título.





Quando submersos, então, precisamos ficar de olho na capacidade do nosso armazenamento e na quantidade de oxigênio que ainda nos resta. Se a capacidade de armazenamento ultrapassar o limite ou se somos atacados por tubarões ou outras situações hostis, nosso tanque de ar se esvaziará mais rapidamente. Uma vez que ele chega a zero, nossa incursão é tida como um fracasso e só conseguimos levar de volta à superfície apenas um único item coletado no mergulho.

Apesar de ser levemente frustrante em algumas situações, como quando um peixe agressivo contra o qual não queremos brigar se mostra bem insistente a ponto de nos atacar mesmo quando tentamos escapar, Dave the Diver é um jogo bastante piedoso. Cápsulas de fuga imediata e tanques adicionais de oxigênio fazem parte da paisagem submarina, então é sempre uma boa ideia ficar de olho para a localização dessas utilidades e retornar caso o caldo engrosse.





Uma vez que nossa pescaria deu resultado, Dave se dirige ao restaurante de Bancho, que só abre durante à noite. A questão é que o sushiman é apenas o cozinheiro, cabendo ao jogador administrar o local, determinando os itens do cardápio que serão servidos no dia (uma vez que isso vai depender de quais espécies de peixe estarão disponíveis) e atendendo os clientes durante o período de serviço.

Na prática, esse trabalho como atendente se traduz em alguns minijogos em que é necessário esperar Bancho terminar de aprontar o pedido e, quando pronto, levá-lo até os clientes no balcão, bem como servir as bebidas, deixar sempre o wasabi pronto para que o cozinheiro consiga seguir fazendo seu trabalho e limpar as mesas.  



Só mais um último mergulho (mentiu o jogador pela décima quinta vez na madrugada)

O núcleo central de jogabilidade acaba girando em volta dos dois períodos do dia, mas seria muito desonesto reduzir Dave The Diver a eles, uma vez que a campanha vai se tornando cada vez mais expansiva no que diz respeito às mecânicas disponíveis. Assim, ela se diversifica na mesma proporção que novos recursos são disponibilizados.




Por exemplo, ao longo do jogo, várias outras personalidades acabam cruzando o caminho de Dave atrás de seus serviços, cada uma com suas próprias intenções. O Dr. Bacon, por exemplo, tem como objetivo realizar a descoberta do chamado povo marinho, uma raça ancestral de sereianos, enquanto Duff, por sua vez, gostaria de encontrar todas as figures de sua waifu (que se chama Leahs) que foram perdidas em um naufrágio.

Em contrapartida, é óbvio que Dave não trabalharia de graça. Desse modo, esses personagens oferecem seus serviços para o mergulhador: Duff é o responsável por produzir novas armas para enfrentar o mundo submarino e Kobra, nosso sócio, toca uma loja que oferece algumas utilidades que podem ser equipadas no intuito de facilitar nosso mergulho de antemão.




O trabalho na superfície, gerenciando o restaurante, também evolui: não apenas novos funcionários podem ser contratados, como também uma fazenda pode ser desbloqueada para que consigamos cultivar peixes em cativeiro, juntamente com outros ingredientes. Eventualmente, novos clientes especiais surgem, demandando por pratos específicos. Uma vez saciados, novas utilidades são desbloqueadas com o tempo e assim segue sucessivamente.

De um modo geral, a graça de Dave the Diver é que se trata de um título bastante recompensador. O jogador se sente estimulado a prosseguir, seja para avançar nas várias ramificações de enredo que seus múltiplos personagens trazem, seja para evoluir o nosso próprio save, melhorando os atributos, deixando o restaurante cada vez mais completo e chique, etc.




E a graça é que nunca ficamos sem nada para fazer. Há uma quantidade absurda de conteúdo para ser completado ou colecionado, como é o caso do Marinca, o aplicativo que registra todos os peixes que capturamos, fotografamos ou derrotamos em nossos mergulhos. O jogador é estimulado a ficar jogando eternamente, se possível, por se tratar de um título que consegue realizar o difícil trabalho de ser, ao mesmo tempo, expansivo e convidativo.

A progressão de Dave the Diver foi concebida com um zelo dificilmente visto na indústria moderna, algo que consegue suprimir até mesmo a impressão de que os sistemas utilizados para compor a jogabilidade não são nem um pouco únicos. Na verdade, já estamos exaustos de títulos que usam e abusam de quick time events para ilustrar alguma tarefa, mas o verdadeiro mérito aqui está em como ele foi capaz de amarrar todas essas ideias em uma narrativa singular e ambiental que traz um sentido único à nossa experiência submarina.




Tudo isso é amarrado por uma atmosfera aconchegante e cheia de personalidade própria, com trilhas imersivas e um visual muito simpático que mescla modelos poligonais em três dimensões e ilustrações em sprites bidimensionais. Para coroar, chama a atenção como o título vai rodando por horas a fio na sua máquina de uma forma lisa e sem quaisquer problemas técnicos, uma verdadeira raridade na indústria.

A melhor forma, no fim das contas, para entender Dave the Diver é a sua consistência como um conjunto. Nada nele parece fora do lugar ou simplesmente encaixado lá apenas por estar. Seus personagens, embora muitas vezes caracterizações arquetípicas, funcionam com perfeição nas funções em que foram inseridos, bem como todo o ritmo de jogabilidade cujo dinamismo nos incita a continuar seguindo para ver até onde a narrativa vai chegar.



Não é incomum, portanto, o jogador investir horas e mais horas a fio a ponto de perder a noção do tempo enquanto joga. Nada mais importa porque sempre há algo a se fazer, descobrir, desbloquear ou completar. Olhando por fora, parece até mesmo um amontoado de mecânicas e objetivos empilhados no intuito de fazer volume, mas tudo no jogo funciona como um verdadeiro ecossistema marinho.

Um imersivo e apeixonante mergulho

Dave the Diver é um produto de um brilhantismo ímpar por todo o conjunto que ele oferece. Trata-se de uma aventura apaixonante capaz de estimular o jogador por meio de uma atmosfera confortável e convidativa, que nos dá todo o tempo que quisermos para explorá-la e experimentá-la no nosso próprio ritmo. Carismática, aconchegante, acolhedora e instigante, a aventura de Dave certamente será canonizada no mesmo panteão de outros clássicos como Stardew Valley (Multi), Hades (Multi), Hotline Miami (Multi), Limbo (Multi), Super Meat Boy (Multi) ou Undertale (Multi), responsáveis por experiências únicas que elevam o patamar dos videogames como formas multissensoriais de entretenimento.

Prós

  • Equilíbrio singular entre a narrativa e os sistemas e a compõe;
  • Diversidade nas mecânicas de jogo utilizadas para sustentar a campanha;
  • Filosofia acolhedora e pouco punitiva;
  • Atmosfera geral aconchegante e bastante harmoniosa tanto visualmente quanto auditivamente;
  • Impressionante capacidade de ser um jogo tão convidativo quanto expansivo;
  • Progressão cujas recompensas estimulam o jogador a seguir com a campanha;
  • É impressionante como um jogo de 2023 consegue oferecer uma experiência tão livre de bugs;
  • Fluxo imersivo a ponto de provocar a perda da noção do tempo;
  • Conjunto da obra extremamente consistente.

Contras

  • Alguns momentos muito isolados de frustração ou cansaço devido a eventos ou repetições de tarefas do jogo
Dave the Diver — PC — Nota: 9.0
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela MINTROCKET

É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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