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Análise: Venba (Multi) é uma envolvente história familiar temperada com culinária indiana

Acompanhe uma família de imigrantes neste belo e sentimental título indie.


Para muitos, a comida tem papel afetivo, sendo capaz de trazer à tona lembranças e sentimentos importantes. Venba é um título que explora esse conceito em uma suave história familiar. Parte aventura narrativa, parte puzzle culinário, o jogo encanta com sua atmosfera simultaneamente relaxante e exótica inspirada na gastronomia típica indiana. Como toda família, há muitos dramas, tristezas e alegrias, e os temas universais tornam a trama bem envolvente — só faltou um pouquinho de tempero para ser inesquecível.

Em busca de uma vida melhor em outro país

Na década de 1980, o casal Venba e Paalavan decide se mudar da Índia para o Canadá em busca de uma vida melhor. Chegando lá, a realidade é complicada, pois conseguir emprego sendo imigrante se mostra muito difícil. Devido a isso, voltar para a terra natal é praticamente inevitável, mas uma surpresa muda os planos: Venba fica grávida. Pensando no melhor para o filho, o casal decide ficar no Canadá, mesmo que isso signifique uma vida de desafios.


A família foi para outro país, mas não deixou de lado suas origens, pelo contrário: Venba faz questão de preparar pratos típicos do sul da Índia sempre que possível. O problema é que o caderno de receitas da mãe dela foi danificado durante a viagem, então a mulher precisa inferir, experimentar e usar a memória para conseguir ter sucesso.

O jogo alterna entre dois momentos. Nos trechos de história, acompanhamos Venba e sua família no decorrer dos anos, em cenas puramente narrativas. A progressão é linear, mas em alguns momentos podemos escolher respostas, resultando em diferentes diálogos. Já os trechos na cozinha são puzzles em que precisamos seguir os passos corretos para conseguir preparar os pratos. Algumas informações ajudam na resolução, como as páginas manchadas do caderno de receitas e pensamentos de Venba.



Em uma história sobre cultura, pertencimento e relações interpessoais

Histórias familiares costumam ser repletas de emoções conflitantes, e isso não é diferente na vida de Venba. Além das dificuldades usuais, no decorrer da narrativa ela enfrenta o desafio de tentar manter viva a sua cultura, o preconceito por ser estrangeira e a forte influência dos conceitos ocidentais sobre o seu filho. O resultado é uma trama sensível e repleta de sentimentos complexos, que muitas vezes são expressados sem palavras.


Os personagens ricamente construídos me conquistaram. Venba encanta com suas atitudes suaves e amor incondicional pela família, mas sofre com as dificuldades de estar em um lugar que não parece ser seu lar. Paavalan sente o peso de não conseguir dar muito conforto a sua família nesta terra estrangeira. Já Kavin, o filho do casal, está constantemente em conflito interno por não se encaixar em nenhum dos dois mundos.

É difícil não se sensibilizar com temas tão humanos e, particularmente, acabei muito envolvido nos acontecimentos da história, cujo tom é bem agridoce. Os diálogos são bem produzidos e gostei de pequenos detalhes, como caixas de diálogo com visuais diferentes para representar os idiomas tâmil e inglês. As cenas, em sua maioria, não são interativas, mas de vez em quando precisamos responder a perguntas, o que muda levemente o tom da conversa — o ideal é visitar os capítulos mais de uma vez para conseguir ver todos os pontos de vista.



Os poderes e as alegrias da comida

Um dos momentos mais interessantes do jogo é a hora de cozinhar. A atividade em si é bem tátil, com controles que simulam ações, como cortar alimentos, espalhar massas ou misturar ingredientes. Os puzzles em si são bem simples, bastando ficar atento aos pensamentos de Venba ou aos desenhos do caderno. Há um pouco de tentativa e erro, mas, no geral, é bem tranquilo conseguir montar os pratos.


Além de ser uma atividade divertida, os trechos culinários são tematicamente interessantes. Gostei de conhecer um pouco da culinária tradicional do sul da Índia, como os bolinhos cozidos no vapor idlis, o arroz com especiarias biriyani e puttu, um cilindro de arroz moído com côco. Não só isso, a comida é tema central na trama: Venba se lembra de sua terra natal ao cozinhar, certos pratos são preparados por toda a família e alguns dos conflitos têm a ver justamente com a rejeição de Kavin pela comida.


A cultura indiana é considerada exótica por causa de seus símbolos e costumes únicos. Venba usa muita cor e ambientação elaborada para representar as características daquela região. O visual abusa de cores quentes, como vermelho e laranja, em conjunto com padronagens elaboradas para criar cenas belas. Além disso, os gráficos encantam com seus traços retos e contrastantes que lembram desenhos feitos com giz de cera.

Os momentos na cozinha são ainda mais especiais. Além de ser divertido misturar os ingredientes, a atmosfera é calorosa: Venba liga seu radinho à pilha e alguma canção tradicional no idioma tâmil começa a tocar. Com isso, o ato de cozinhar fica intimista, como se estivéssemos acompanhando uma mãe preparando o almoço. Como resultado final, temos sempre pratos coloridos e belíssimos que dão vontade de experimentar.



Nos incômodos da simplicidade

Como jogo, Venba é bastante simples, equilibrando bem os puzzles culinários com os trechos narrativos. É clara a intenção de ser uma experiência relaxante e despretensiosa, afinal a dificuldade é baixa e boa parte da história é não interativa. Mesmo assim, dentro de sua proposta, o título tem alguns pontos que incomodam.

Eu entendo que a intenção é aprender a fazer as receitas junto de Venba, mas algumas delas têm dicas vagas demais, o que resulta em desagradável tentativa e erro. Além disso, ao escorregar em algum dos passos, é necessário recomeçar o preparo desde o início — uma opção de desfazer o último movimento seria bem-vinda.


O conteúdo é bem enxuto, levando pouco mais de uma hora para ver a trama em sua completude. Diálogos adicionais e conquistas, como fazer todas as receitas sem errar nenhum passo, ajudam a aumentar o tempo de jogo. Enquanto eu acho a duração justa e correta,  fiquei com a sensação de que a trama poderia ser um pouco melhor trabalhada: alguns fatos importantes são simplesmente inferidos em vez de abordados diretamente.

Uma crônica culinária especial

Venba nos convida a acompanhar a história de uma família de imigrantes indianos em um envolvente misto de puzzle e narrativa. A trama cativa ao explorar inúmeros temas, como o choque de culturas e as complicações de relações interpessoais, em um tom suave e agridoce. Já os momentos de culinária são simples e agradáveis, com grande foco no aspecto tátil da atividade de preparar pratos.

A ambientação caprichada abusa de elementos da cultura indiana para criar um universo colorido e convidativo. As partes de cozinhar, em especial, são bem memoráveis: as receitas são inusitadas, a música tradicional cria um clima acolhedor e os pratos são visualmente impressionantes. Só faltou desenvolver um pouco mais os sistemas e a narrativa, por mais que o resultado final seja ótimo.

Terna e aconchegante, Venba é uma história que vale a pena ser acompanhada.

Prós

  • Trama cativante e com narrativa leve que aborda vários temas notáveis;
  • Puzzles culinários interessantes e encantadores, apesar de serem simples;
  • Ambientação charmosa com belos visuais e trilha sonora bem colocada.

Contras

  • Alguns puzzles têm passos vagos demais;
  • A narrativa podia ser um pouco mais elaborada em alguns momentos.
Venba— PC/PS5/XBO/XSX/Switch — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Visai Games

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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