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Análise: Viewfinder (Multi) molda o espaço com imagens surreais em busca de soluções para os puzzles e a catástrofe climática

Um bom jogo pode ser considerado culpado de não ser ótimo?


Viewfinder
significa “encontrador de vistas”. Assim é chamado em inglês o visor ótico de uma câmera fotográfica, onde você alinha seu olho para enquadrar a imagem desejada, que se tornará um recorte plano de um mundo tridimensional.

O título indica a primeira coisa que precisamos saber do jogo da desenvolvedora britânica Sad Owl Studio (SOS): é sobre perspectivas, convidando a ver as coisas sob diferentes ângulos e cores, subvertendo noções fixas para exibir a fluidez da realidade como a percebemos.



Tudo é uma questão de perspectiva

Dessa forma, Viewfinder entra nessa linha de ótica plural, ainda que de forma humilde com sua estrutura simples: fases curtas consecutivas com progressão das ideias de gameplay e de visual. Antes de mergulhar nos conceitos, acertos e faltas do game, vamos passar por um resumo de como a coisa toda funciona.

Nesse mundo em que pequenas ilhas flutuam no céu, há cinco ambientes que funcionam como hubs com algo entre 15 a 20 fases em sequência determinada. O objetivo sempre é chegar até o totem de teletransporte para passar à fase seguinte. Em alguns casos, o desafio está em descobrir como alcançar a máquina, mas em outros é necessário fornecer energia para ativá-la, o que acontece de diferentes formas, dependendo do estágio.




O diferencial está em como Viewfinder lida com as dimensões espaciais: sempre na perspectiva em primeira pessoa, você encontrará fotografias e outros tipos de imagens bidimensionais que podem ser aplicadas em qualquer ponto do ambiente. O efeito é marcante: a imagem plana ganha volume e se sobrepõe ao cenário tridimensional no mesmo ângulo em que você a encaixou.

Dessa maneira, o próprio viewfinder/visor fotográfico é perspicazmente subvertido ao ser transformado em uma via de mão dupla: da mesma forma que o olhar do fotógrafo planifica o mundo externo, esse recorte plano pode ser usado para modificar o mesmo mundo. Isso daria uma boa reflexão sobre o diálogo entre a imagem e o referente, mas vamos nos ater ao jogo.

Vejamos um exemplo bem simples de como isso funciona: ao encontrar a fotografia de uma parede, podemos girá-la até que fique na horizontal e aplicá-la no espaço vazio que se impõe entre nós e o teletransportador que nos levará à fase seguinte. Veja a sequência de imagens abaixo:


Logicamente, outras mecânicas surgem ao longo da campanha, como a câmera fotográfica fixa, a câmera portátil, a fotocopiadora e o filme fotográfico para recarregar a câmera, além de alguns truques de ilusão de ótica e algumas surpresas. O mesmo pode ser dito da variação estética fornecida por filtros que destacam o que foi aplicado por você em meio ao restante do cenário original.

O problema é que em jogos de puzzle as boas mecânicas deveriam ser o ponto de partida para mais desdobramentos, mas em Viewfinder elas parecem encerrar-se em si mesmas, sem enriquecer suas facetas nem se comunicar criativamente umas com as outras. Voltaremos a isso mais tarde.



Entrando na matriz

A linearidade de passar um estágio por vez se alinha com a narrativa e seu discurso, que também é compassado em se mostrar ao jogador. A história, um ponto importante em Viewfinder, acontece por meio de monólogos de diferentes personagens e textos encontrados pelos cenários.

Ainda que, no geral, os ambientes contribuam para fortalecer a narrativa e o entendimento do contexto e das pessoas envolvidas, a repetição de elementos passa a impressão de que a história não alcança as proporções da gameplay. Mesmo que isso não atrapalhe o todo, ver repetidas vezes a mesma mobília e os mesmos diagramas científicos por diferentes fases não impede a impressão de artificialidade para a liga que une o lugar físico, seu contexto do passado e o sentido da busca do protagonista que está ali.

Isso pode até mostrar uma limitação na execução da construção do mundo, mas, por outro lado, a artificialidade é uma característica coerente com o local onde estão os puzzles de Viewfinder: trata-se de um ambiente virtual.




Ideias para adiar o fim do mundo

A Terra sucumbiu à catástrofe climática. O ar tem pouco oxigênio, não existem mais árvores e a atmosfera é vermelha. De alguma maneira, a humanidade ainda sobrevive, confinada em altos edifícios. Nesse cenário, um grupo de quatro pesquisadores entrou em uma simulação de realidade para construir, investigar e experimentar, tudo na esperança de encontrar — aqui eu cito o livro de Ailton Krenak — “ideias para adiar o fim do mundo”.

Isso aconteceu algum tempo atrás e nada mudou. Agora, outras pessoas não nomeadas pretendem vasculhar esse grande laboratório de realidade simulada para descobrir as soluções em potencial que aquelas mentes brilhantes produziram em suas viagens virtuais.




Como a pessoa protagonista é indefinida, serve como avatar de quem joga em suas andanças por trilhas surreais. Lá, deverá solucionar enigmas e entrar cada vez mais fundo no mundo digital e entender as pesquisas realizadas naquele paraíso tão distante do real. Ali há plantas, arte, fartura e conforto. É o eco cultivado de um passado saudável da Terra.

Há até Cait, um gato virtual de estimação para conversar com você como um assistente virtual dotado de personalidade. Ele está presente em todas as fases e será seu principal companheiro nessa jornada e um dos principais suportes narrativos.



Em minha leitura, todo esse contexto é apenas delineado, sem aprofundar devidamente. O foco da narrativa parece estar nos quatro personagens que criaram aquele lugar e suas relações uns com os outros: a botânica que condiciona a vida, o artista plástico que cria formas, o designer que planeja a eficiência e a física que busca maneiras de aplicar tudo isso à realidade externa.

Nós os conhecemos por meio dos lugares que cada um construiu, por áudio gravado, anotações em diários, mensagens adesivas e também pelo que Cait nos conta. De todo modo, senti que o desenvolvimento do contexto ficou aquém, não por falta de conteúdo, mas de mais substância que incentive o engajamento com as realidades do jogo, tanto a externa quanto a simulada.




Viewfinder funciona bem como conto de ficção científica: acerta no contraponto entre real e virtual, o futuro distópico de alerta ambiental, as mentes criativas navegando pelo conhecimento e o questionamento da realidade por meio de sua manipulação que mistura e confunde diferentes dimensões.

Contudo, o discurso é limitado, como se tivesse receio de ir além nas perguntas, críticas e dúvidas. O resultado final fica como uma história que agrada enquanto dura, mas que não é marcante. Dentro da simulação, na paisagem colorida sob o céu azul, sentando em sofás em meio a almofadas e diante de bandejas de biscoito e chá, pouco importa a catástrofe climática do mundo vermelho que vemos em raras e brevíssimas ocasiões. Como consequência, a busca por uma cura para esse mundo doente importa menos do que deveria.

Talvez eu não ficasse com essa incômoda sensação de que algo está em falta se a gameplay não andasse pelo mesmo caminho.



Havia uma timidez no meio do caminho

Para explicar melhor minha crítica, permito-me uma digressão. Games, especialmente de puzzle, costumam seguir o que vou chamar de progressão de aprendizado matemático: primeiro, aprendemos os números; em seguida, vêm as operações básicas, que depois usaremos em conjunto para formar equações variadas. Ao longo desse processo, percebemos gradualmente como essa lógica traduz nossa percepção do funcionamento do mundo, sendo aplicável aos mais diversos conhecimentos.

Ou seja: os games nos ensinam suas partes uma a uma para termos uma compreensão cadenciada do potencial que elas representam. Pense assim: primeiro vem uma mecânica, depois outra e logo uma terceira. Sozinhas, talvez não mantivessem a gameplay interessante por muito tempo, mas, combinadas entre si, podem reinventar a si mesmas e as maneiras de jogar.



É exatamente nesse ponto que Viewfinder é tímido como jogo de puzzle. As mecânicas são interessantes e progressivas o bastante para apresentar novidades a cada novo mundo de fases. No entanto, a maior parte dos puzzles é simples e pode ser resolvida com o uso de poucas ideias.

Não quero dizer que esperava um jogo mais difícil para quebrar a cabeça, consumir o tempo e dar raiva. O que falta é complexidade, isto é, a junção de diferentes elementos para compor uma ideia ou uma série de ideias. Em termos práticos, é a complexidade de fazer uma mecânica influenciar a outra para modificar o resultado final e proporcionar puzzles únicos.



Muitas fases adiante, ainda nos vemos usando a câmera para fotografar o teleporte que está no teto, de cabeça para baixo, a fim de aplicar essa imagem para criar uma cópia no chão, onde poderemos pisar nele para passar à fase seguinte. É claro que essa fórmula coloca outros obstáculos para cumprir o objetivo, mas geralmente envolve poucas ações e poucas surpresas.

Veja bem, Viewfinder está longe de ser um jogo ruim, mas não é a virada de perspectiva que sua ideia central de sobreposição de 2D e 3D poderia ser. Minha impressão é de que o jogo teme ser complicado demais. Um argumento para isso é que as fases mais complexas são opcionais, como se tivessem receio de que o jogador ficasse travado nelas. Essas fases estão entre as melhores do jogo, aquelas que mais dão o prazeroso momento “EUREKA!” esperado em jogos de puzzle. Além disso, se você demorar em uma fase, aparece uma nota dizendo que a opção de dica foi ativada no menu de jogo.




Ou seja: os exemplos das boas fases mostram que os desenvolvedores são capazes de dar passos maiores para descobrir até onde podem retorcer as boas ideias e subverter nossas expectativas, levando ao aprendizado contínuo de ver o mundo sob novos ângulos — tal qual o conceito principal de Viewfinder propõe.

Parece-me que o receio de ir além está presente também na narrativa. O jogo traz reflexões, mas segue com cuidado para não filosofar demais, mantendo a prioridade no trato dos personagens, suas visões de mundo e relações.



Até na estética podemos ver isso: os mundos variam de acordo com o personagem que o criou, mas sempre há uma sensação de familiaridade — para não dizer repetição.

Logo no primeiro mundo, uma das fases resolve não ficar só nas fotografias e nos dá uma sequência de imagens diferentes: rascunho a lápis, desenho de criança, pintura em tela e gráficos 3D pixelizados dos anos 1990. Essa boa surpresa do começo pareceu um aperitivo para coisas inesperadas pela frente, mas não foi bem assim. As exceções existem, divertem e surpreendem, mas costumam ter papel secundário e opcional em meio aos cenários familiares.



Boas perspectivas que retratam a culpa de não serem ótimas

Viewfinder é um jogo de puzzle que, na superfície, faz justiça ao gênero. Partindo de um conceito notável e apresentado por meio de mecânicas bem boladas, no fundo o jogo é limitado em desenvolver suas ideias a níveis mais complexos e surpreendentes.

Assim como a gameplay, também a narrativa e a estética visual são sempre agradáveis e mantêm o atrativo da diversão tranquila, mas está muito claro o potencial não desenvolvido. Mesmo sendo um jogo bom enquanto dura, sua moderação em explorar os próprios limites o impede de ser memorável e se colocar junto aos grandes títulos de quebra-cabeças.

Prós

  • O conceito de sobreposição dimensional é fascinante;
  • Boas mecânicas básicas;
  • Visuais agradáveis e competentes;
  • Fases sucintas e, em geral, com baixo nível de estresse;
  • Atende à dose razoável de soluções súbitas (também conhecida como “momento a-há!”) que o jogador de puzzles procura;
  • Mecânica de rebobinar evita ter que recomeçar os puzzles e incentiva a experimentação;
  • A presença da narrativa dá personalidade ao jogo e combina com a gameplay;
  • Aborda temas de realidade virtual, catástrofe climática, métodos científicos e relações humanas;
  • Textos localizados para português brasileiro.
  • Você pode alisar o gato virtual falante e simpático.

Contras

  • Alguns dos “prós” acima podem desapontar os mais exigentes por não desenvolverem seu claro potencial, como aponto abaixo;
  • Visuais repetitivos, com pouco uso da criatividade tão marcante em certas fases;
  • Puzzles simples que envolvem poucas mecânicas a cada fase, sem combinar as ideias para criar algo mais intrincado;
  • Os temas importantes não têm a profundidade merecida.
Viewfinder — PS4/PS5/PC/Switch — Nota: 7.5
Versão utilizada para análise: PS5
Revisão: Ives Boitano
Análise produzida com cópia digital cedida pela Thunderful

Admiro videogame como uma mídia de vasto potencial criativo, artístico e humano. Jogo com os filhos pequenos e a esposa; também adoro metroidvanias, souls e jogos que me surpreendam e cativem, uma satisfação que costumo encontrar nos indies.
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