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Análise: Koa and the Five Pirates of Mara (Multi) usa de muito carisma para temperar o feijão com arroz de plataforma 3D

Uma aventura adorável e simples com o espírito ingênuo de uma criança livre.


Koa and the Five Pirates of Mara
é a sequência direta de Summer In Mara, um simulador de fazendinha lançado em 2020. Diferentemente do seu antecessor, esta nova aventura da menina Koa e sua amiga espiritual Napopo levou seus encantos por um gênero bem diferente, o de plataforma 3D.

O calor de amar e ser amada pela comunidade

A narrativa tem caráter de continuidade de mundo, mas não confunda com continuação da história, não é a mesma coisa. O que quero dizer é que Koa and the Five Pirates of Mara traz locais e pessoas do jogo anterior para um novo dia pelo mar de Mara.




Todos os NPCs são familiares à garota e também serão aos que jogaram Summer In Mara. Aqueles que, como eu, não tiveram essa experiência, não ficarão a ver navios porque, ainda que retome a dinâmica cotidiana daquele mundo, o jogo pode ser inteiramente aproveitado de forma independente.

A caracterização das personagens é tão natural que até dispensa apresentações formais. O pessoal simplesmente vai aparecendo e conversando com Koa como os velhos amigos que, de fato, são. O clima amistoso e agradável domina a paisagem colorida e pacífica: é perceptível como Koa está em meio a pessoas que confiam nela e, mesmo quando a recíproca não é verdadeira, a menina os acolhe tal qual é acolhida em Mara.


Todos os personagens têm personalidades distintas entre si, o que é muito bem retratado em suas falas e ilustrações. Koa se dá bem tanto com os habitantes de Qälis, a cidade que foi pilhada pelos piratas, quanto com os próprios piratas gatunos, que têm a ótica peculiar de que propriedade é algo que muda de mãos de tempos em tempos. Isso faz bem para os negócios, segundo o banqueiro local que revende os bens roubados em troca de pérolas.

Agora, os Cinco Piratas de Mara criaram oito desafios para eleger a próxima pirata. Koa entra na onda deles para conseguir restabelecer a cidade e vai navegar aos quatro cantos para encarar tudo o que aparecer pela frente. Como resultado, temos um jogo sempre caloroso, às vezes encantador, e de gameplay mais simples do que deveria, como veremos adiante.



Navegando por Mara

Os desafios estão espalhados por oito mundos que somam cerca de 50 fases. Na segunda metade da campanha até há mais variação visual, ainda que dentro dos velhos clichês de vulcão, gelo e máquinas. A primeira, porém, recorre a uma certa uniformidade com suas águas, barris, decks de madeira, gramas e árvores. Claro que a semelhança é esperada em um pequeno arquipélago, mas isso dá um ar um tanto genérico aos cenários tridimensionais.

Felizmente, essa é só uma parte do visual de Koa e a porção mais relevante vai por caminho, tornando a direção de arte um dos pontos mais fortes aqui. O destaque está nas ilustrações de personagens, sempre bem realizadas e com uma variedade de poses para acompanhar o tom dinâmico dos diálogos e nos ajudar a imaginar a pegada da aventura como a de um desenho animado ou história em quadrinhos.




Falando em desenho animado, fiquei desapontado com a total ausência de cenas de animação tradicional. Pode parecer uma reclamação fútil, mas tem um motivo de ser. A Chibig usa desse tipo de cenas nos trailers para exibir o clima lúdico e colorido de suas obras, despertando uma agradável sensação de familiaridade com a direção de arte dos filmes do Studio Ghibli.

Essa rica apresentação visual não apenas exprime a identidade da desenvolvedora, mas também a integra. Por isso, o fato do jogo ser apresentado e promovido dessa maneira vibrante me fez esperar que, no mínimo, houvesse uma boa cena de abertura compilando o material que já existe nos trailers e, talvez, até uma cena nova de epílogo ao finalizar a campanha. Não há.



Correndo para se tornar a próxima pirata de Mara

Voltando a tratar das fases de Five Pirates of Mara, a grande maioria delas é bem curta, o que pode ser atestado pelas medalhas baseadas em tempo, presentes em todas. As de ouro costumam exigir concluir o percurso em até dois minutos, em média.

Esse objetivo não chega a ser um grande desafio, mas requer concentração para garantir um trajeto eficiente e evitar perder tempo ao cair de plataformas. Não raro, precisei de várias tentativas para conseguir bater o menor tempo de um estágio, fruto de meus próprios erros. Sem isso, eu sentiria mais o peso da realidade de que Koa é um jogo fácil.




As onipresentes corridas contra o tempo não são a única maneira de encarar as fases, pois elas têm esconderijos que abrigam três itens colecionáveis. Por isso, sempre visitei cada local mais de uma vez: primeiro para conhecer a área e coletar todos os itens e, como isso sempre ultrapassava o prazo da medalha de ouro, jogava novamente para usar o máximo de minha agilidade e saltos longos para bater o tempo necessário.

Tem motivo para procurar colecionáveis e levantar poeira? Tem. Tudo que pegamos é usado para desbloquear itens cosméticos, como roupas para Koa e mochilas para carregar Napopo, e recuperar as coisas da cidade que foram roubadas pelos piratas, reavivando a comunidade e o turismo. Ou seja, todas as consequências são de ordem estética e narrativa, sem impacto na gameplay.




Fora isso, devemos considerar que a completude de um plataforma 3D faz parte da diversão e conta como um fim em si mesma, o que até dá o nome ao subgênero collectathon (maratona de coleta). Nesse aspecto, porém, acho que poderiam ter incluído a contagem das dezenas de conchas coletadas em toda parte, usadas como dinheiro para comprar os tais cosméticos desbloqueados.

Como nunca cheguei nem perto de ficar sem conchas, elas se tornaram um supérfluo onipresente apenas por ser uma característica importante em jogos do gênero. Um contador de conchas, mesmo que não concedesse recompensas práticas, ainda serviria ao objetivo lúdico de fechar 100% de cada fase e daria motivos para aproveitá-las com mais atenção.




Há ainda um colecionável que implementa melhorias ao barco de Koa, mas, sinceramente, essas mudanças só serviriam de alguma coisa se o mar navegável fosse algo mais que um hub para os mundos, o que não é o caso e nem precisava ser. Seria mais interessante planejar algum outro tipo de recompensa que conduzisse melhor o senso de progressão da aventura.

No fim das contas, obtive o troféu de platina após completar 100% das fases em sete horas de campanha, uma duração adequada ao tipo de proposta descompromissada.



Sebo nas canelas

A menina Koa já começa com todas as habilidades: ela corre, segura certos objetos para arremessá-los, salta e bate no chão. Para completar, há o salto longo: assim que Koa tocar o chão após um pulo, pressione o botão de correr e ela rolará, irrompendo em um salto maior e mais rápido.

Com a prática, essa habilidade se torna a principal fonte daquele prazer que vem de dominar a mobilidade e a noção de espaço em jogos de plataforma, unindo saltos arriscados em uma cadeia de movimentos rápidos, satisfatórios e geralmente precisos.




Assim como as mecânicas de jogabilidade prática, o design de níveis é bem simples. Você verá muitas plataformas móveis, giratórias e que somem, sempre em meio a perigos ambientais que causam dano. Esses espinhos, balas de canhão e porções de água ou lava buscam compensar a quase inexistência de inimigos, uma vez que só entramos em combate em poucas situações específicas, como nas batalhas contra chefões.

Como eu já disse, é um contexto good-vibes, muito amistoso e agradável no qual a pequena Koa pode se destacar com sua coragem, força e agilidade. No entanto, o clima leve e ingênuo se reflete no baixo nível de desafio, na simplicidade da jogatina e na falta de inovação que lhe dê individualidade como game.




É uma pena que não tenha tradução para português. Achei curioso que, entre os idiomas presentes, como inglês e espanhol, está o galego. Falado na Galícia, uma das regiões da Espanha, esse é o idioma  mais parecido com o nosso, mas ainda requer interpretar diferenças linguísticas.



(Parênteses sobre o berço de Koa)

A Chibig é uma desenvolvedora espanhola empenhada em elaborar um universo de games mais ou menos relacionados. Desde 2016, já lançou Deiland, Ankora: Lost Days e Summer in Mara, além de Koa, é claro!. Para o futuro, há Mika and the Witch’s Mountain, prometido ainda para 2023, e Elusive People, do qual pouco se sabe.

Para fazer todas essas frentes, a Chibig busca focar no espírito narrativo e artístico de suas obras, formando parcerias com outras desenvolvedoras da Espanha para planejar e executar o game design e a programação.

No caso de Koa and the Five Pirates of Mara, entraram em cena a Talpa Games e a Undercoders (de Treasures of the Aegean), que foram convidadas a fazer a sequência para Summer in Mara nos moldes de seu trabalho anterior, Mail Mole. Pelo que pude comparar entre os trailers, a semelhança entre os títulos é muito clara em questão de gameplay e até em elementos de cenários reconhecíveis. Honestamente, gostei de Koa o suficiente para considerar, no futuro, jogar esse seu “antecessor espiritual”.



Que os ventos de Mara sejam gentis com você

Toda a identidade própria de Koa and the Five Pirates of Mara está no carisma emanado da arte e dos personagens que fazem de Mara um arquipélago dotado de personalidade comunitária, onde todo mundo se conhece. É um trabalho adorável e muito bem feito, com potencial para conquistar a simpatia de quem se deixar levar pela aventura despretensiosa.

A gameplay também é leve, mas em tom ambivalente; mesmo que o conjunto satisfaça como jogo de plataforma 3D e seja acessível aos pequenos, as ideias se apegam a uma superficialidade que não navega na mesma qualidade cativante de Koa e seus amigos piratas.

Prós

  • O visível empenho em criar uma aventura leve e carismática inclui o público mais novo sem se restringir a ele;
  • Construção de mundo agradável e bem apresentada com design de personagens excêntricos e diálogos divertidos;
  • Não é necessário conhecer os outros títulos desse universo para aproveitar a ambientação;
  • Controles e câmera precisos o bastante para uma boa execução de plataforma 3D;
  • O foco em desafios de tempo não é de todo exigente, podendo agradar tanto aos menos rápidos quanto aos apressados.

Contras

  • Muitas fases têm aparência genérica;
  • Gameplay simples com pouca variedade e progressão de mecânicas;
  • Ausência das cenas em animação tradicional que figuram nos trailers;
  • Sem tradução para português brasileiro.
Koa and the Five Pirates of Mara — PS4/PS5/XBO/XSX/PC/Switch — Nota: 7.5
Versão utilizada para análise: PS5
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Chibig

Admiro videogame como uma mídia de vasto potencial criativo, artístico e humano. Jogo com os filhos pequenos e a esposa; também adoro metroidvanias, souls e jogos que me surpreendam e cativem, uma satisfação que costumo encontrar nos indies.
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