Blast from the Past

SG-1000: 40 anos da primeira empreitada da Sega nos consoles

Lançado apenas no Japão, o videogame chegou a virar computador e serviu de base para o Master System.

No boom dos videogames no final dos anos 70 e início dos anos 80, empresas norte-americanas como Atari, Coleco e Mattel exploraram o mercado dos consoles domésticos e ajudaram na evolução da indústria, até o fatídico ano de 1983 e o famigerado Crash dos Videogames de 83, quando a nova febre da tecnologia passou por uma série de problemas — principalmente, a duvidosa qualidade dos jogos —, resultando no desinteresse do público por videogames.


Porém, todo esse cenário estava localizado na América do Norte. O crash não acometeu a Europa, focada nos seus computadores, e na Ásia, onde os fliperamas estavam em uma crescente popularidade. Portanto, o potencial dos consoles domésticos era bem alto, e empresas japonesas já estavam cientes disso, dando os primeiros passos para trazer a ideia para os lares do Japão.

A Sega, já popular com suas robustas máquinas, lançou em 1983 o SG-1000, que se tornaria seu primeiro console e o avô de muitos projetos futuros. Não foi um começo muito amigável e fácil, mas criou chão para um legado em construção.

O início da Service Games

A Sega já tinha um longo histórico com entretenimento eletrônico, quando essa área ainda era uma novidade. Com o intuito de trazer diversão aos militares que estavam a serviço no Havaí, durante o final da Segunda Guerra Mundial, a Standard Games veio com foco em fabricar e distribuir máquinas caça-níqueis e máquinas operadas com moedas, como a jukebox.

Com a proibição da distribuição de caça-níqueis em bases militares dos Estados Unidos em 1951, a empresa foi atrás de novas formas de lucrar, achando lugar no Japão. No Oriente, a Standard Games teve o nome mudado para Service Games of Japan, e posteriormente foi fundida com a Rosen Enterprises — uma empresa que também trabalhava com máquinas operadas por moedas nos anos 1960. Dessa fusão nasceu a Sega Enterprises, passando a explorar o mercado de jogos eletrônicos.

A Sega passou a produzir jogos que usavam estruturas eletromecânicas, ou seja, fliperamas que utilizavam elementos físicos para simular um jogo eletrônico, como uma luz acertando uma imagem no fundo de uma máquina (caso do jogo Periscope), além de sons e sistemas de pontuação. Durante a segunda metade dos anos 70, os fliperamas eletrônicos mais convencionais começaram a ser criados pela empresa, resultando num grande sucesso comercial e de público com os novos produtos.

O nascimento do SG-1000

Com o surgimento do mercado de consoles domésticos nos EUA, a Sega começou a pesquisar algum possível negócio com uma empresa fabricante de videogames do país. O ColecoVision, console lançado em 1982, chamou a atenção da empresa, que logo foi atrás de fazer alguma parceria com o objetivo de distribuir o produto em terras nipônicas e, em troca, o videogame receberia jogos da Sega com exclusividade.

Porém, não demorou muito para a Sega começar a elaborar o projeto de seu próprio console, com base na tecnologia do hardware da Coleco. Ambos compartilham componentes similares, como a CPU Zilog Z80 — uma CPU extremamente popular nos anos 80, sendo componente de uma grande variedade de sistemas, como placas de arcade e computadores como MSX —, e o processamento gráfico baseado na GPU presente no ColecoVision. Com o projeto pronto, a Sega lançou em 15 de julho de 1983, no Japão, o SG-1000.

O SG-1000, suas variantes e a sombra do Famicom

No entanto, a Sega não estava sozinha nessa empreitada. Em 1983, a Nintendo também entrou no mercado com o lançamento do seu console, o Family Computer, apelidado de Famicom. O Famicom destacava-se como uma peça de tecnologia avançada para a época, apresentando recursos inovadores para um aparelho doméstico, possuindo a capacidade de realizar rolamento de tela suave de forma nativa, um chip de som com múltiplos canais, capacidade de exibir uma ampla variedade de cores na tela e, o mais importante, contava com o apoio de desenvolvedoras third parties. Além disso, o preço do Famicom era ainda mais atrativo, sendo vendido por ¥14,800, ¥200 mais barato que o produto da Sega.


Com a Nintendo pegando cada vez mais fatia desse mercado, a Sega teve que se contentar com o segundo lugar, pois, além das duas, empresas como Epoch e Casio também tentavam entrar no ramo sem obter grandes resultados. Grande parte disso deve-se ao excelente trabalho da Sega nos arcades, e boa parte da biblioteca do SG-1000 é composta de ports exclusivos para o sistema, ganhando algum público que queria ter a experiência dos arcades em seus lares — estratégia que se tornaria constante na carreira da Sega no mercado de videogames.

O console só teve lançamento fora do Japão na Nova Zelândia, sendo distribuído por uma empresa local. Todavia, para remediar o baixo desempenho de vendas do SG-1000, a Sega criou um computador baseado no hardware do console. Chamado de SC-3000, o computador foi comercializado como um aparelho de entrada, o qual tinha foco em uso educacional e empresarial através de cartuchos com programas visando essas áreas, como a possibilidade de programar utilizando linguagem de programação BASIC. E, claro, o aparelho possuía compatibilidade total com jogos e periféricos do SG-1000.
Como era comum em computadores do anos 80, o teclado e o hardware em si eram juntos.
Um dos planos iniciais da Sega com o SC-3000 era licenciar o sistema para fabricação por outras empresas como clones, uma tática comum nos anos 80 por diversos motivos, oficiais ou não oficiais, e o objetivo era alcançar distribuições mundiais do aparelho. A estratégia não deu certo, pois, da mesma forma que o SG-1000 teve que enfrentar o sucesso do Famicom, o SC-3000 passaria pelo desafio da popularização do concorrente MSX. Poucas fabricantes arriscaram pegar o hardware da Sega, sendo o Othello Multivision o mais popular deles.

Em alcance, o SG-1000 só teve lançamento no Japão e na Nova Zelândia. Já o SC-3000 teve a sorte de ter uma distribuição mais ampla, chegando a países como Austrália, França e Itália, além da própria Nova Zelândia.
Uma propaganda australiana bem agressiva do SC-3000.

Os jogos

Ao todo, foram lançados 74 jogos para o videogame. A mídia de armazenamento utilizada eram os convencionais cartuchos, com espaço de até 128 KB. Abaixo, listarei alguns dos jogos mais interessantes da plataforma: 

Champion Boxing (1984): Primeiro jogo de Yu Suzuki, Champion Boxing é um jogo de boxe bem curioso, no qual o jogador deve escolher entre três tipos de ataque para efetuar o golpe no oponente. É possível que ambos os lutadores defendam em alturas diferentes, assim como podem se posicionar no ringue para evitar uma ofensiva ou executar uma investida. 

É impressionante o que Suzuki conseguiu fazer com as limitações do SG-1000. Os boxeadores são bem grandes em tela e, mesmo simples para hoje em dia, o sistema de combate é relativamente complexo.

Choplifter (1984): Aqui, o jogador controla um helicóptero com a missão de resgatar reféns em um campo inimigo, pousando o veículo no tempo certo para pegar o maior número de pessoas e fazer o desembarque em um ponto seguro. O desafio está em manter o helicóptero a salvo, porque tanques, jatos e outras ameaças inimigas vão fazer de tudo para acabar com o resgate.

Doki Doki Penguin Land (1985): Penguin Land é um velho conhecido do Master System, e teve sua estréia aqui. O objetivo é levar um ovo ao final da fase em segurança controlando um pinguim. Com os níveis estruturados em formato vertical, o chão deve ser quebrado para fazer o ovo cair, tomando muito cuidado com a altura da queda, inimigos e possíveis perigos do ambiente, sendo necessário planejar bem o próximo movimento para não ficar numa situação complicada.

Flicky (1984): Um velho conhecido dos jogadores de Mega Drive, Flicky nasceu nos fliperamas e teve seu primeiro port no SG-1000. Flicky deve pegar seus filhotes espalhados pelas fases e levá-los em segurança para a saída, tomando cuidado com os inimigos.


Girl’s Garden (1984): Primeiro jogo com design de Yuji Naka, Girl’s Garden tem uma premissa bem simples. O jogador está no controle de uma garota atrás de flores para montar um buquê para o namorado e, para isso, ela deve percorrer um jardim onde flores — que crescem de forma absurdamente rápida — crescem do broto até apodrecer. Para passar de uma fase, é necessário pegar dez flores maduras, tomando cuidado com ursos e armadilhas de cenário que machucam a garota, e flores mortas que descontam da quantidade de flores boas obtidas pelo jogador.

Gulkave (1986): Shmup horizontal desenvolvido pela Compile e um dos jogos mais tecnicamente impressionantes da biblioteca do console, em Gulkave o jogador controla uma nave que tem que desviar de hordas de inimigos e tiros enquanto destrói tudo pelo caminho. A mecânica principal do game está no sistema de power-ups, representada por uma barra inferior segmentada em 16 partes. Ao pegar um ícone numérico durante a fase, um quadrado “andará” a quantidade correspondente do número coletado; ou seja, pegar um número três fará o quadrado andar do primeiro ao quarto. Cada segmento pode dar um tiro diferente ou uma frequência de tiros maior.

Hustle Chumy (1984): Também desenvolvido pela Compile, Hustle Chumy é um jogo de plataforma no qual o ratinho Chumy deve coletar comida e levar para sua casa. No caminho, ele deve enfrentar perigos como astronautas, dragões imortais e morcegos, podendo derrotá-los ou evitá-los — o mundo lúdico de um jogo dos anos 80. Ao pegar cada comida, Chumy ficará mais lento e pesado, fazendo o jogador escolher entre se arriscar a levar todos os alimentos de uma vez e adquirir mais pontos, ou levar de pouco em pouco com segurança.

O sucessor e o legado

O SG-1000 definitivamente não foi um primeiro passo de sucesso no ramo de consoles da Sega, levando a empresa a preparar uma alternativa a esse caso; e essa entrega veio em 1985, através do Sega Mark III. Revendo todos os erros inerentes ao hardware do antecessor, o Mark III podia fazer rolamento suave de tela, tinha maior capacidade de cores e sprites em tela, e várias outras evoluções que deixavam o console tecnicamente avançado para o seu tempo, superando até mesmo o rival Famicom. E tudo isso ainda reaproveitando muito da arquitetura do SG-1000, permitindo barateamento de recursos e retrocompatibilidade com o sistema anterior.

O Mark III foi remodelado um ano depois para lançamento internacional e renomeado para Sega Master System, que, por esforço da Tec Toy, viria a ser o console queridinho do Brasil. Porém, não foi o suficiente para pegar o mercado norte-americano. 

O Sega Mark III possuia um design bem parecido com o SG-1000. Já o design do Master System optava por uma direção diferente.
O primeiro console doméstico da Sega pode não ter sido o mais popular de sua época, contudo foi um passo que serviu de base para os produtos seguintes da empresa. Com uma biblioteca pequena e interessante de jogos, o SG-1000 é uma figura reservada na história dos videogames e um exemplo de tempos de uma indústria ainda infante.
Revisão: Ives Boitano

Estudante de enfermagem de 24 anos, está nesse mundo dos joguinhos desde criança. Fã de games com vibe mais arcade e arqueólogo de velharias, mas não abandona experiências mais atuais. Acompanha a mídia de podcasts, dublagem e ouvinte assíduo de VGM. Pode ser encontrado como @AlecFull e semelhantes por aí.
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