Jogamos

Análise: Nocturnal (Multi) usa a dualidade entre fogo e escuridão para integrar gameplay, narrativa e visual

A suíça SunnySide Games construiu uma obra de identidade coesa que merecia ser mais ambiciosa.

em 12/06/2023


“Na alvorada da criação existiam dois mundos para sempre em oposição. O mundo do visível, onde a humanidade prosperou sob a proteção da chama ardente da Fênix, e o invisível, um lugar de traição à deriva em uma Névoa infinita e incompreensível.”
Em Nocturnal, você é Ardeshir, um soldado da Ordem da Chama Perpétua que retorna para sua ilha natal assim que sabe que a Névoa tomou o lugar. Seu objetivo é encontrar Arsia, a irmã que ainda está em algum lugar daquela terra condenada, ocupada por criaturas da escuridão e pelos soldados seduzidos pelas promessas do Invisível que tudo obscurece.

A partir da premissa de oposição entre o fogo e a escuridão, Nocturnal constrói tanto o contexto melancólico quanto a dinâmica de gameplay em aventura de rolagem lateral. Essa união torna o jogo bastante coeso como conjunto e compensa parte do problema da brevidade, como veremos adiante.



Um conto de fogo e trevas

Sendo integrante da Ordem, Ardeshir empunha uma espada que fica em chamas quando toca o fogo. Isso será usado em combate, mas também na travessia do mundo, acendendo tochas para acionar plataformas, destrancar portas e impedir que a escuridão o engula em sua névoa serpenteante.

As chamas da espada duram apenas alguns segundos antes de apagar, o que é mostrado em um medidor na parte inferior da tela. Golpear uma tocha acesa renova a barra de fogo e dá mais tempo para acender a tocha seguinte e, assim, criar uma nova fonte de luz e calor para sua espada. Quando Ardeshir fica envolto em trevas, o medidor começa a encher com uma linha roxa, cujo final significa a morte para ele.




É dessa forma que Nocturnal integra história e gameplay: tanto Ardeshir como o jogador encontram força no fogo e morte na escuridão, o que torna o momento a momento intuitivo e concede fluidez ao avanço ilha adentro.

O mundo é linear, exceto por alguns lugares secretos onde estão os santuários que guardam os textos sagrados. São 11 fragmentos que contam a mitologia da Fênix; você leu o primeiro deles na citação do início desta análise, então já sabe como é o estilo.



Atraído pela labareda

Visualmente, o trabalho é digno de nota, tanto nos cenários desenhados à mão quanto nas animações fluidas. O combate tira bom proveito do empenho artístico em seus efeitos e no peso dos golpes com uma câmera lenta que dura só o instante do choque da espada, temperando com uma força impactante que harmoniza o ágil ímpeto de Ardeshir com o fluxo da gameplay.

O destaque está, novamente, na relação entre fogo e escuridão na forma de névoa. Esses efeitos são vívidos e graciosos, quase líquidos, espalhando-se em ondas espontâneas ao sabor do movimento, livre de loops de animação. A chama dissipando a névoa densa é linda e atmosférica, um ponto de vitalidade e força em meio à decadência dominante. Mais uma vez, o cerne do jogo toma a frente ao integrar o conflito dos elementos em todos os aspectos da obra.



Uma chama (não tão) eterna

É importante ressaltar que Nocturnal é um jogo curto. Terminei a primeira vez em três horas e vinte minutos. Como deixei passar dois dos 11 textos secretos, joguei novamente para procurá-los e finalizei em duas horas. Embora rejogá-lo com mais destreza tenha sido agradável pela sensação ainda maior de fluidez, temos aqui um defeito: não há seleção de fases ao terminar a campanha. Se quiser encontrar algo que ficou para trás ou treinar um trecho específico para aprimorar sua speedrun, terá que começar tudo de novo, como eu fiz para tentar conseguir todos os textos.

A campanha é engajante e ágil por poder ser jogada em uma ou duas sessões, mas outro elemento agrava a sensação de brevidade: os cenários repetitivos. Passamos a maior parte do tempo dentro de complexos palacianos com a mesma arquitetura e decoração. É tudo bem-feito e bonito, como já dito, mas a reincidência reduz o escopo da ilha, imprimindo uma uniformidade que tende ao superficial e não se equipara a como os textos descrevem o lugar, o povo, a cultura e a história.




Até há trechos de caverna e floresta, mas não são suficientes para fazer parecer que Ardeshir progride por um mundo desenvolvido, deixando a impressão de uma chance perdida para investir mais em narrativa ambiental, que existe aqui de forma discreta.

Da mesma maneira, há outros “é bom, mas...”, como na música. Sempre que soa, é muito envolvente e contribui para a jornada solitária rumo ao coração da Névoa. No entanto, isso faz com que sua ausência seja sentida durante os longos silêncios. Entendo como a alternância musical serve intencionalmente à construção atmosférica, mas penso que faltou um equilíbrio para valorizar mais os excelentes arranjos instrumentais. Confira uma das faixas no vídeo ao final da análise!




De certa forma, podemos dizer o mesmo do combate. É rápido e eficiente, baseado em golpes de espada, adagas arremessáveis e esquivas para as costas dos inimigos. Além disso, o fogo de sua lâmina também faz diferença, pois as criaturas da Névoa só podem ser atingidas pelas chamas, levando ao gerenciamento de mantê-la acesa enquanto enfrenta grupos de oponentes.

Gostei da variedade de oponentes, considerando a duração do jogo, e os chefes em geral têm “bom design, mas...” são apenas quatro, sendo o segundo uma variação do primeiro e o último bastante leniente, oferecendo a Ardeshir, agora mais poderoso, mais brechas que desafio, atrapalhando a intensidade do clímax que combinaria com a determinação implacável do soldado perante a Névoa corruptora.




Um único golpe diferente pode ser comprado na pouco relevante árvore de habilidades. Nela, você também aumenta seus pontos de vida e a cura (relevantes), o tempo de duração do fogo (em um, dois e três segundos; indiferente) e a velocidade de movimento enquanto a espada está incendiada (10 e 20; indiferente). Mesmo com essa implementação pobre, a árvore de melhorias torna o momento a momento de Nocturnal mais interessante porque nos incentiva a buscar as duas fontes de pontos de experiência, prestando atenção aos cenários em busca de vasos quebráveis e enfrentando até os inimigos opcionais.

Talvez, a falta de troféu de platina no PlayStation represente como Nocturnal reconhece suas proporções humildes. São apenas 12 troféus e o único de ouro é a recompensa por ter pego todos os demais, o que pode ser conseguido ao concluir o jogo pela primeira vez. Uma vez que há um modo speedrun, faria sentido ter um troféu de conclusão sob um limite de tempo, o que estimularia a revisitar a campanha ao reforçar a proposta de que é um título curto para ser jogado mais de uma vez.




A névoa da dúvida ou a chama da certeza?

O uso constante e dinâmico do fogo dá uma identidade muito satisfatória a Nocturnal. O visual elegante e a atmosfera melancólica cativam por si sós, mas não seguram o interesse ao cair na repetição. Não demora a chegar ao fim do jogo, o que é uma pena porque o que ele nos oferece é bem-feito e deixa muito nítido o potencial para levar o mundo, o combate e as mecânicas a maiores desdobramentos, com a certeza de que o estúdio seria capaz de boas adições. Assim, o título fecha seu ciclo delineado de forma bela e competente, embora mais concisa e humilde do que deveria.

Prós:

  • Visual desenhado;
  • Ótima fluidez das animações e dos efeitos de fogo e névoa;
  • Alguns bons momentos de combate e de urgência;
  • A dicotomia de fogo e escuridão dá coesão entre as mecânicas de gameplay e a narrativa;
  • Traduzido para português brasileiro.

Contras:

  • Curta duração;
  • A pouca variedade de ambientes faz o jogo parecer mais curto;
  • Melhorias de personagem pouco relevantes;
  • Baixo desenvolvimento do contexto narrativo e ambiental;
  • Falta de seleção de níveis ao concluir a história, o que seria útil à busca pelos santuários restantes e às speedruns.
Nocturnal — PS4/PS5/XBO/XSX/PC/Switch — Nota: 7.5
Versão utilizada para análise: PS5

Revisão: Ives Boitano
Análise produzida com cópia digital cedida pela Dear Villagers

Admiro videogame como uma mídia de vasto potencial criativo, artístico e humano. Jogo com os filhos pequenos e a esposa; também adoro metroidvanias, souls e jogos que me surpreendam e cativem, uma satisfação que costumo encontrar nos indies.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.