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Análise: Love Shore (Multi): tensão e tesão andam lado a lado nesta visual novel cyberpunk

Visual novel da Perfect Garbage chama a atenção em sua ambientação e visual, mas deixa a desejar em aspectos de qualidade de vida.

Love Shore
é uma visual novel desenvolvida pela Perfect Garbage. Ambientado em um mundo cyberpunk, o jogo acompanha a história de dois humanos especiais criados artificialmente que, após passarem um tempo na prisão, se veem tendo que lidar com mistérios e dificuldades de uma realidade complexa.

Um mundo de deuses e humanos artificiais

A história de Love Shore se passa em uma metrópole futurista homônima na qual indivíduos de vários tipos coexistem. A cidade inclui não apenas humanos com diferentes ambições e perspectivas, como também os poderosos deuses e os “S. Humans”, ciborgues criados pela empresa Life S. Incorporated como uma forma de resolver o problema da queda das taxas de natalidade da região.

Esses indivíduos artificiais são criados usando o DNA dos pais, mas implantados em corpos artificiais que não envelhecem e são bem mais resistentes que os de humanos comuns. Porém, após uma produção inicial de 100 S. Humans, a empresa parou sua atuação no mercado e “desapareceu”.

No jogo, podemos assumir o papel de dois desses “ciborgues”: o astuto Sam ou a forte Farah. Cada personagem tem seus próprios traços de personalidade e histórias pessoais diferentes, tendo compartilhado celas na cadeia logo antes da história começar. Agora soltos, eles precisam retomar as rédeas de suas vidas e acabam se envolvendo em uma trama de mistérios complexos da cidade.

São ao todo oito rotas, quatro para cada personagem, que envolvem desenvolvimentos majoritariamente diferentes da narrativa, o que adiciona um bom fator replay ao jogo. Quase todas as opções românticas do jogo são pessoas do mesmo gênero dos protagonistas. A ambientação futurista realmente chama a atenção, tendo conceitos interessantes trabalhados de acordo com a história que o jogador optar por seguir. Vemos uma sociedade muito marcada pela ambição individual e verdades secretas escondidas debaixo dos panos, formando tramas instigantes.

O estilo visual do jogo chama a atenção, contribuindo para o desenvolvimento de uma atmosfera com um tom levemente realista. As áreas conseguem refletir bem o aspecto futurista com prédios altos e, ao mesmo tempo, a discrepância com os ambientes escuros dos becos, passando por lojas de hologramas eróticos que parecem ter um toque vintage. Não há dublagem, mas a trilha sonora complementa bem esse aspecto visual com toques eletrônicos e modernos.

Já os personagens possuem traços bem detalhados que reforçam as suas aparências sedutoras. Vale destacar que o jogo inclui cenas de sexo opcionais, sendo possível optar por não se relacionar romanticamente com os personagens e avançar normalmente a trama. Infelizmente, quando se trata das CGs (“cutscenes” com ilustrações especiais), há uma forte discrepância com as ilustrações usuais do jogo, o que pode causar um pouco de incômodo devido à mudança de estilo artístico.

Mergulhando em uma teia de relacionamentos

O elemento central da experiência de Love Shore são as escolhas, com vários momentos em que as decisões do jogador alteram o desenrolar da trama e dos diálogos, que também servem para determinar a proximidade do protagonista com o interesse romântico selecionado. Além disso, o título brinca com um aspecto de RPG narrativo em que os personagens possuem parâmetros individuais que determinam se certas escolhas podem ser realizadas ou não.

São ao todo três parâmetros (força, coragem e inteligência), com os protagonistas tendo uma tendência oposta de predileção (Sam é mais inteligente, Farah é mais forte). Conforme o jogador realiza determinadas escolhas, pode melhorar esses valores, o que permite desbloquear decisões adicionais em momentos específicos.


O sistema é bem simples, mas funcional e, caso o jogador não esteja apto a fazer uma determinada escolha, o ícone do parâmetro correspondente que está faltando é indicado. Infelizmente, caso o jogador já tenha o nível correto daquele atributo, a escolha aparece normalmente sem nenhum indício de que ela foi liberada, o que faz com que não seja possível discernir a diferença nesse caso.

Esse é o menor de uma série de problemas de qualidade de vida do jogo. Primeiramente, Love Shore não conta com um registro de falas (o tradicional log), um elemento fundamental para reler o que está acontecendo em caso de necessidade e que faz diferença especialmente em jogos com muito texto, sendo muito comum em visual novels. Também não há botão para passar automaticamente os diálogos, o que é um elemento também muito comum, mas de menor importância em comparação.

Ainda vale destacar que o jogo não tem opção de save na interface comum nem um indicativo de botões para acessar a ferramenta (que fica no Esc). Cheguei a gastar boa parte do meu tempo achando que o jogo só tinha uma vaga de save, que era constantemente sobrescrita pelo quicksave durante boa parte da minha jogatina. Se fosse o caso, isso reduziria drasticamente a capacidade do jogador de explorar as múltiplas combinações possíveis de escolha, mas ainda assim seria melhor que o jogo tivesse a opção de save já presente na interface principal.

Ter vários sistemas que facilitem a leitura e a navegação pelo texto são aspectos que os jogadores de títulos do gênero já consideram como dados. Esses elementos já estão embutidos em várias engines feitas para produzir esses jogos, como a Ren’Py, então a sensação de jogar Love Shore é como ver uma pessoa tentando reinventar a roda, ou seja, uma gameplay muito rudimentar para o que já é considerado padrão no mercado sem nenhum ganho real na escolha.

Uma joia bruta

Love Shore é uma visual novel cuja trama é instigante e bem escrita, mas curiosamente é a sua gameplay que deixa a desejar. A falta de qualidade de vida em pontos já considerados óbvios no mercado a ponto de ser padrão em várias engines de visual novels tira um pouco do controle do jogador. O resultado é uma história bem interessante com um gameplay inconveniente que poderia ser ajustado para oferecer uma experiência muito melhor.

Prós

  • Ambientação futurista que chama a atenção;
  • Visual que combina realismo e carisma em um estilo sedutor;
  • Boas diferenças entre as rotas tornam a experiência bem variada e com bom fator replay.

Contras

  • Ausência de log e auto tornam a experiência abaixo do esperado de qualidade de vida em uma visual novel;
  • A mudança na arte dos personagens entre os sprites usuais e algumas cutscenes pode ser incômoda.
Love Shore — PC/XBO/XSX — Nota: 7.0
Versão utilizada para análise: PC

Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Perfect Garbage

Errata [30/06 - 22:17]: No texto original, o redator havia comentado que o jogo não incluía save além do quicksave. Isso foi ajustado com as devidas correções.


é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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