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Análise: Impostor Factory (PC): assassinatos, looping temporal e muitas emoções

O último jogo da Freebird Games mantém o alto nível de seus antecessores e entrega uma nova história emocionante.

Desenvolvido e publicado pela Freebird Games, Impostor Factory é um jogo de aventura narrativa 2D e o último capítulo de uma série que iniciou em 2011. Apesar de não ser necessário ter jogado os títulos anteriores (To the Moon e Finding Paradise) para se aventurar nessa nova entrada, é fato que o conhecimento prévio dessas obras irá proporcionar uma experiência ainda mais comovente.

Que cachorrada está acontecendo?

Para quem não conhece, To the Moon e Finding Paradise apresentam os médicos Eva Rosalene e Neil Watts, funcionários da Sigmund Corporation. O trabalho da dupla consiste em entrar na mente de pacientes terminais para alterar as suas memórias, a fim de que essas pessoas realizem os sonhos que não conseguiram em vida e tenham uma morte sem arrependimentos.

Nesses dois jogos, controlamos o casal de doutores e viajamos pelas lembranças do paciente para descobrir a real razão do seu desejo, inserindo ou modificando memórias específicas. Desta forma, a vida dele é reescrita e toma o rumo desejado, mesmo que isso ocorra apenas dentro de sua mente.
 
Impostor Factory também se passa nesse universo, mas surpreende os veteranos ao apresentar um rapaz chamado Quincy como personagem principal. A história inicia com o protagonista chegando em uma mansão para a qual não lembra por que foi convidado. Dentro da residência, o jovem é chamado ao andar de cima para conhecer os anfitriões, Yu e Haynes. Ocorre que, chegando ao local, vemos o casal trocar meia dúzia de palavras e sair rapidamente da sala.

Curioso com a situação, Quincy tenta ir atrás deles, mas, ao chegar ao saguão, se depara com dois corpos caídos. Ele tenta prestar ajuda e gritar por socorro, mas logo percebe que ambos estão mortos e, para piorar, agora suas mãos estão cheias de sangue.

Desesperado, o protagonista corre ao banheiro para se limpar, entretanto, ao sair do local, os hospedeiros reaparecem como se nada tivesse acontecido. Antes que possa se convencer de que tudo não passou de uma alucinação, ele esbarra com a mesma situação trágica, desta vez em outro cômodo.


Essa maluquice se repete algumas vezes, até que percebemos que o banheiro parece ser uma espécie de gatilho para ativar um looping temporal. Além disso, também passamos a desconfiar de uma convidada estranha chamada Lynri, pois ela sempre está por perto nos momentos em que a desgraça acontece. 

Após Quincy confrontar a garota suspeita, ela abre uma espécie de portal e o empurra para dentro. Nesse instante, iniciamos uma odisseia pelas memórias de Lynri, conhecendo a fundo o passado dela e o do protagonista, além dos mistérios por trás dos assassinatos e da própria mansão.

Kan Gao é um senhor desenvolvedor

A jogabilidade de Impostor Factory consiste em andar e interagir com elementos do cenário. Enquanto navegamos pela linha do tempo de Lynri, passamos pelas fases mais marcantes da sua vida, indo desde a sua infância até o momento atual em que o jogo se passa.

Nos títulos anteriores, havia puzzles bem simples entre os períodos da vida do paciente; no entanto, eles foram eliminados nessa entrada. Acredito que essa decisão foi assertiva, pois, além de não ser grande fã dos antigos quebra-cabeças, vejo que sem eles o jogador pode se concentrar exclusivamente em compreender o enredo. Apesar disso, entendo que essa escolha pode acabar decepcionando alguns entusiastas.

É justamente em sua trama que Impostor Factory apresenta o seu maior valor e a genialidade de Kan Gao, criador e principal cabeça por trás da Freebird Games. Digo isso porque o jogo possui um roteiro invejável, não apenas pelos diversos temas sensíveis que ele aborda, mas principalmente pela forma que se apresenta.

Os personagens criados por Kan Gao são vivos, da maneira mais crível que se possa imaginar. Aqui, não há espaços para diálogos expositivos; pelo contrário, muitas vezes os indivíduos falam muito sem precisar abrir a boca. Neste jogo, temos a oportunidade de conhecer a fundo todos os envolvidos, descobrindo o que cada um deles sente e pensa.

Caso você esteja se perguntando se os gráficos em 2D realizados em RPG Maker limitam o poder imersivo do enredo, a resposta é: não! Mesmo com os personagens possuindo modelos com design bem simples, podemos ler as suas emoções através de suas atitudes, seja um suspiro, um olhar distante ou uma cabeça baixa. Além disso, todos os cenários são lindos e bem construídos, sempre entregando todos os detalhes que o contexto exige.

Tudo o que a história quer transmitir está ali, acessível ao jogador, mas nada é entregue de bandeja por meio de conversas convenientes e expositivas. Dessa forma, precisamos realmente prestar atenção aos detalhes que estão sendo desenvolvidos, como se estivéssemos assistindo a um grande filme.

Posso afirmar que mesmo durando cerca de quatro ou cinco horas, Impostor Factory faz bom uso de cada segundo, com todos os eventos e diálogos possuindo peso e enriquecendo o roteiro. Nesse sentido, é improvável que alguém se distraia enquanto joga, pois se trata de uma obra incrivelmente imersiva.

As qualidades não param

Somado ao texto incrível, há também uma trilha sonora que é difícil de colocar em palavras, com muitas músicas tocadas em piano pelo próprio Kan. Além disso, esse moço também deixa escancarado o seu talento como diretor, inserindo as melodias e demais sons em momentos certeiros que tocam as nossas emoções, além de sempre enquadrar as cenas com muita criatividade.

É impressionante como Impostor Factory nos transmite a impressão de que não somos apenas o jogador que controla os movimentos de Quincy, mas também um aventureiro que desbrava o mais íntimo do ser de Lynri. Nesse sentido, a sensação de descobrir ao poucos, juntamente com o protagonista, as camadas que compõem essa mulher é surreal, emocionante e única.

Conforme a trama avança, vamos juntando as peças do quebra-cabeça e entendendo do que tudo se trata e, mesmo assim, ainda sobra espaço para plot twists e aberturas para futuros títulos. A menos que você seja constituído de rochas, separe alguns lenços para adentrar nessa jornada, principalmente se for alguém que tenha uma relação parental. 

Outro ponto elogiável é a forma como Impostor Factory consegue mesclar drama com humor, sem que um se sobreponha ao outro. Da mesma forma que há situações extremamente tocantes e reflexivas, há também situações genuinamente engraçadas, especialmente quando Quincy está envolvido.

Como foi dito no início, é possível aproveitar esse título sem ter experimentado os antecessores, pois ele se sustenta sozinho e não depende de elementos externos para que o jogador consiga entender a sua trama. Apesar disso, a história se relaciona diretamente com To the Moon e Finding Paradise e se torna muito mais emocionante quando você já conhece a Eva e o Neil.

Para finalizar, não posso deixar de dizer que todo esse lindo trabalho é ainda mais palpável e apreciável graças ao ótimo trabalho de localização em português, com muitos termos sendo adaptados para o nosso contexto sem que haja uma perda do sentido original.

Mais uma obra-prima da Freebird Games

Kan Gao, juntamente com seu time da Freebird Games, acerta mais uma vez e entrega uma experiência indescritível com Impostor Factory. Com três jogos principais e um spin-off (A Bird Story), essa é uma das poucas séries que ainda não errou e que mantêm o meu entusiasmo nas alturas para o que ainda pode vir pela frente.

Prós:

  • O enredo é incrivelmente imersivo, conseguindo mesclar com maestria momentos dramáticos e cômicos;
  • O roteiro é muito bem escrito, conseguindo transmitir todas as suas idéias sem a necessidade de conversas expositivas e convenientes;
  • Os personagens são carismáticos e plausíveis, com todos eles possuindo diálogos interessantes; 
  • O visual 2D é belo, sendo eficaz em entregar detalhes em todos os cenários;
  • A trilha sonora é linda e as suas faixas são inseridas em situações oportunas;
  • Legendado em português.

Contras:

  • A ausência dos puzzles que marcavam presença nos jogos anteriores pode incomodar algumas pessoas.
Impostor Factory — PC — Nota 10.0
Revisão: Heloísa D'Assumpção Ballaminut
Análise produzida com cópia digital adquirida pelo redator

Escreve para o GameBlast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
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