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Análise: Amarantus (PC): laços emocionais e revolução

Visual novel conta a história de um jovem rapaz e sua equipe viajando para a capital para destronar um tirano.

Após um período de dez anos de desenvolvimento, a criadora indie australiana Ruqiyah finalmente concluiu a produção da visual novel Amarantus. Com uma trama sobre revolução e relacionamentos conturbados, o jogo conta a história de um rapaz que decide tomar as rédeas do seu próprio destino após ter sua casa atacada por soldados.

Um pontapé para a revolução

Amarantus conta a história do jovem Arik, um rapaz que vê sua vida virar de cabeça para baixo após um grupo de soldados atacar o lar em que morava com seus pais. Antes do rapaz ser pego, Malusi, seu pai, consegue ajudá-lo a escapar, dando-lhe instruções para ir se esconder na casa de Mireille, uma grande amiga de Arik e nobre da região.

Porém, em vez de simplesmente ficar quieto e escondido, Arik vê a situação toda como inaceitável. Para o rapaz, chegou a hora inevitável de assumir um papel que ele nunca esperou tomar para si: o de revolucionário que deseja lutar contra o rei tirano de Rischert. Desde pequeno, o protagonista ouvia histórias sobre os problemas do governante, mas esperava que outra pessoa pudesse fazer isso por ele.

Independentemente das escolhas feitas ao longo da trama, a campanha principal gira em torno de Arik e um grupo de amigos e novos contatos que decidem auxiliá-lo. Juntos, eles partem em uma viagem rumo à capital, enfrentando alguns percalços pelo caminho e tendo que lidar uns com os outros.

Um dos pontos centrais da experiência é que não se trata apenas de um grupo de pessoas fortalecendo seus vínculos de amizade. Os relacionamentos são conturbados e cada escolha, por mais estúpida que seja, pode ter uma influência enorme nos possíveis futuros que o jogador poderá alcançar.

Uma equipe e seus desentendimentos

Além de Arik, temos três mulheres e dois rapazes que se juntam ao grupo e as posições deles podem facilmente entrar em conflito. Uma personagem pode preferir as soluções mais pacíficas para os problemas, enquanto outra quer ver o circo pegar fogo e pode ficar muito chateada se as coisas forem tranquilas demais.

Navegar pelos relacionamentos é um trabalho árduo de entender o que os personagens querem. Algumas vezes, ser ousado pode ser o caminho certo para mostrar que você se importa e quer um romance com alguém; em outras, os personagens podem te criticar pela hipocrisia e inconsistência com as suas ações anteriores.

Há realmente um trabalho notável na construção desses personagens e suas interações. Ao mesmo tempo, algumas cenas acabam fazendo menos sentido dentro de uma determinada linha de escolhas. Um bom exemplo disso é que Màrius pode reclamar que Arik não deu atenção para ele e sua namorada, mesmo se o jogador tiver sempre escolhido passar o tempo com os dois, por conta de uma escolha feita discretamente conversando com outra personagem.

Ainda no aspecto da trama, é importante destacar que o estilo de diálogos muitas vezes é cheio de nuances e detalhes nas entrelinhas. Ao contrário das escritas mais usuais do gênero, a exposição é relativamente pequena e as falas dos personagens carregam um tom bem natural que às vezes “come” as explicações. Por um lado, esse aspecto fortalece a sensação de vivenciar uma história única, mas, por outro, é fácil perder detalhes e ainda ter um entendimento nebuloso sobre o passado do reino e as motivações dos personagens mesmo após completar a trama várias vezes.

Vale destacar que o jogo possui várias ramificações de acordo com as escolhas, o que leva a desenvolvimentos diferentes da narrativa, mas não há telas de game over. A ideia principal é viver com as consequências das suas ações e existe um desafio na tarefa de obter um relacionamento com um dos personagens ou ajudá-los nas suas conquistas.

Um livro de fantasia que ganha vida

Um dos aspectos mais impactantes de Amarantus é a sua direção de arte que lembra um livro ilustrado com fundos que tendem a ser monocoloridos e elementos de interface que lembram as brochuras de livros antigos. As ilustrações mais comuns de personagens são feitas por Syd, com traços bem detalhados cujo estilo é mais realista do que o usual do gênero. Ao mesmo tempo, há uma quantidade absurda de animações bem utilizadas ao longo da trama.

Alguns exemplos disso incluem movimentos labiais (embora não haja dublagem), piscadas, personagens se encostando e dando as mãos. Contudo, a direção de arte vai muito além disso e explora toda a espacialidade da tela, o uso de iluminação e vários detalhes que podem até parecer menores, mas dão um senso de vida aos personagens.

As cenas especiais que são inseridas em momentos específicos da trama são feitas por Hien Pham e reforçam o clima único desses momentos de forma simbólica e evocativa. Em vez dos rostos dos personagens, o foco maior é sempre no corpo, deixando as expressões deles mais veladas e sujeitas à interpretação do jogador.

Para complementar a experiência, a trilha sonora possui algumas músicas bem empolgantes nos momentos de ação e um uso naturalista de efeitos de ambiente que quebram um pouco o silêncio em alguns momentos. Porém, ainda há alguns trechos sem trilha que me fizeram sentir falta de, pelo menos, algum toque mais simples.

Por fim, gostaria de salientar que o jogo é muito rico em configurações, indo bem além dos ajustes usuais como a velocidade do texto e do volume ou dos elementos de qualidade de vida, como log, auto e skip. Inicialmente, a obra brinca com o conceito de timing das falas, podendo fazer com que um personagem interrompa outro que está falando no meio do diálogo, mas isso pode ser removido se o jogador preferir. Da mesma forma, embora as escolhas fiquem invisíveis no primeiro momento, o jogador pode fazer com que elas fiquem o tempo todo na tela utilizando o menu de configurações.

Elementos de acessibilidade incluem self-voicing (um leitor do texto que faz parte da programação da Ren’Py), tamanho do texto, espaçamento, fonte e descrição auditiva de efeitos sonoros. Mesmo não tendo nenhum tipo de deficiência, eu fiquei muito feliz com as opções, tendo customizado a experiência para ter os efeitos descritos (que são uma mão na roda para entender o que aconteceu) e o maior tamanho de letra.

No menu principal, temos extras com uma galeria das ilustrações especiais (uma pena que as artes normais dos personagens não estão lá), conquistas do Steam, músicas e referências de pronúncia para inúmeros termos do jogo.

Uma experiência notável

Amarantus é uma visual novel altamente recomendada sobre relacionamentos complicados e a luta para fazer diferença em um mundo de escolhas complexas. O seu estilo cheio de nuance na escrita pode ser uma faca de dois gumes dependendo do leitor, mas a experiência é marcante e merece atenção.

Prós

  • Direção visual bem executada que reforça o senso de presença e vida dos personagens e ambientes;
  • Personagens interessantes com interações bem construídas;
  • Navegar pelas suas escolhas em busca do relacionamento desejado pode ser um bom desafio;
  • Rico em opções de configuração.

Contras

  • Algumas cenas e falas acabam fazendo menos sentido dependendo das escolhas do jogador;
  • O estilo de escrita do jogo pode deixar alguns jogadores perdidos nas entrelinhas dos diálogos;
  • Alguns momentos de silêncio mereciam uma trilha ambiente.
Amarantus — PC — Nota: 8.5

Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela ub4q


é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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