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Análise: Planet of Lana (Multi) é uma espetacular aventura cinemática com puzzles em side-scrolling

O jogo indie de estreia do estúdio Wishfully traz um level design acessível e um audiovisual cuidadoso e sensível.


Desenvolvido pelo novo estúdio indie sueco Wishfully, sob a direção de Adam Stjärnljus e Klas Martin Eriksson, e publicado pela Thunderful Publishing, Planet of Lana é um puzzle-adventure cinemático e side-scrolling de fantasia científica. O jogador controla uma jovem sobrevivente de um ataque de máquinas em seu vilarejo. Desde então, seu objetivo é procurar por sua irmã mais velha capturada e desvendar o que está por trás dessa e de outras invasões.

Uma narrativa minimalista, sutil e sensível sobre a relação do humano com a natureza e a tecnologia

Escrita por Klas Martin Eriksson, a história de Planet of Lana conta a jornada de Lana, uma jovem que brincava com sua irmã mais velha em um dia qualquer, até que o vilarejo em que moram é atacado por várias máquinas. Alguns habitantes morrem durante a investida, mas a maior parte, inclusive a irmã de Lana, é capturada por máquinas aracnídeas com gaiolas embutidas, semelhantes aos Tripods alienígenas em A Guerra dos Mundos, de H.G. Wells.

A primeira coisa que podemos notar é que esse é mais um art game com forte influência da filosofia de design por subtração de Fumito Ueda, diretor de ICO, Shadow of the Colossus e The Last Guardian. Além de temas narrativos em comum, essa influência se traduz em uma linguagem do mundo ficcional, sem tradução para língua natural. Geralmente é só possível reconhecer algumas palavras-chave durante as falas.


Esse tipo de escolha proporciona uma experiência imersiva em que o jogador se vê diante de um mundo ficcional que funciona sozinho e é alheio ao mundo real. Além disso, esse recurso oferece um desafio interpretativo extra para a narrativa, exigindo maior atenção do jogador em relação à cenografia, o figurino e os gestos dos personagens.

Ainda no início, Lana salva uma curiosa criatura sombria do planeta, um pouco assemelhada a um gato, chamada de Mui. Desde então, ela passa a seguir as ordens de Lana, e juntas conseguem passar por diferentes obstáculos na aventura deste jogo. Mas a interação com essa criatura não é apenas mecânica. É possível fazer carinho nela, e em alguns momentos ela se movimenta livremente e mostra desejos e medos pessoais.


Na verdade, a interação com Mui conta parte da história do jogo, pois outras criaturas sombrias aparecerão no caminho, como “inimigos”, mas que na verdade fazem parte da natureza do planeta. As máquinas também se mostram como “inimigos”, mas na verdade elas estão apenas à mercê de uma programação que acabou se mostrando danosa tanto para a natureza quanto para os humanos.

A partir da segunda metade do jogo, ficará mais clara a relação entre o passado da civilização humana e a natureza dessas máquinas. Em comparação com outros jogos subtracionistas, este possui uma história até que bem fechadinha, mas ainda assim, com elementos em aberto sobre a lore do mundo, o que faz parte do charme desse tipo de proposta.

Embora em um roteiro simples e com uma temática pouco original, o game traz um design narrativo elegante e harmônico em conjunto com a direção de arte in-game e várias curtas cinemáticas. É uma experiência que compartilha com o jogador as aflições de Lana, seus sentimentos por Mui e por sua irmã, e proporciona reflexões interessantes sobre como a tecnologia pode manipular o ecossistema de um planeta e se voltar contra o ser humano, mesmo quando programada para benefício da humanidade.

Puzzles simples, mas com um level design acessível e com boa progressão

O game design de Planet of Lana foi liderado por Adam Stjärnljus, que planejou um excelente equilíbrio entre uma experiência de cinematic platform, como o clássico Another World, e mecânicas de puzzle-platform 2D, como Inside. A ideia é que os puzzles não sejam tão elaborados a ponto de tirar a fluidez cinematográfica, mas também não sejam tão fáceis a ponto de serem solucionados de forma puramente instintiva.

O jogador controla diretamente Lana, podendo inicialmente caminhar, pular, abaixar-se, acariciar Mui, arrastar alguns objetos, como caixas, e desobstruir algumas passagens que estejam bloqueadas por grade ou tábuas de madeira. Sem entrar em muito spoiler, posteriormente também poderá interagir de alguma forma com as máquinas.


Esse moveset é aproveitado de forma semelhante ao já mencionado Inside, com elementos de stealth misturado com puzzle em cenários pequenos. Para a solução dos puzzles, você precisa observar bem os padrões das máquinas e das criaturas no cenário, bem como os objetos que estão à sua disposição e a distância entre as plataformas.

A experiência fica mais interessante e ganha mais personalidade quando estamos juntos de Mui. Ela salta mais alto que a protagonista, e você pode mandá-la subir em locais específicos para alcançar uma corda para Lana ou para cortar algum fio com os dentes.


Mui também é útil para subir em algum lugar sem fazer muito peso, e pode servir como isca para inimigos, podendo fugir em buracos no cenário, quando há. Posteriormente receberá uma habilidade especial para interagir com criaturas da natureza.

De modo geral, o design dos puzzles, liderado por Dan Faxe, é acessível e com uma boa curva de aprendizado. Podemos ver como pouco a pouco são adicionadas novas mecânicas e elas são exploradas de forma cumulativa. Às vezes pode parecer muito simples para fãs de puzzle, mas deve-se levar em conta que o jogo tem a proposta de combinar esse estilo de gameplay com uma cinemática fluida da história de Lana.

Há ainda alguns momentos diferenciados de gameplay que trazem variedade para a experiência, como um puzzle musical que exige exploração e interpretação no cenário, e em alguns momentos apertar um determinado botão na hora certa. Esse último recurso, quando passa a ser mais usado, ao final, soa um pouco contrastante com a consistência das demais mecânicas, mas penso que em alguns momentos foi bem aplicado, como quando montamos em uma máquina e desviamos de obstáculos.

Um audiovisual gracioso e espetacular

O trabalho artístico e de animação de Planet of Lana foi encabeçado por Jimmy Chan, Olle Engström, Adam Stjärnljus e Dan Faxe. Eles, com mais alguns poucos ajudantes, fizeram um trabalho espetacular de estreia para um estúdio independente.

Ao fundo, vemos frequentemente paisagens naturais feitas à mão com bastante detalhe, cores vivas e uma bela iluminação, e o cenário se complementa com objetos modelados e animados em 3D. Ao final, também há cenários minimalistas em preto e branco, com ênfase conceitual e geométrica.


Assim como em ICO, uma parte importante da proposta desse game está na contemplação, na fluidez e na cooperação. É notável especialmente a movimentação orgânica de Lana, na forma como tropeça, escorrega, salta, abaixa-se para acariciar Mui ou pendura-se em uma corda. Também se destacam as animações de algumas máquinas aracnídeas e de uma criatura sombria de múltiplos olhos que aparece em certo momento.

Há algumas poucas vezes que a animação fica um pouquinho estranha, e até mesmo peguei um ou outro bug em casos de morte da protagonista. Também senti falta de uma maior expressividade em cenários fora da natureza, de um maior polimento no design dos rostos e de uma maior expressividade de Mui in-game; seria interessante se ela fosse um pouco mais autônoma. Mas, de modo geral, temos uma bela direção de arte.


Por fim, uma parte importante da experiência está nos sons e na trilha sonora. Diferente de alguns jogos subtracionistas que optam por muitos momentos silenciosos com efeitos sonoros minuciosos e imersivos, Planet of Lana opta por uma música quase sempre presente, mas sutil e atmosférica o bastante para que os sons do ambiente também sejam sentidos.

O grito da criatura de múltiplos olhos é aterrador, os barulhos ameaçadores das máquinas passam bastante frieza em seus movimentos, e algumas criaturas sombrias, que se misturam no cenário de forma orgânica, deixam sons de algo pegajoso enquanto servem de plataforma para Lana.


Ao mesmo tempo, temos uma bela OST composta por Siobhan Wilson e Takeshi Furukawa, este último conhecido por seu trabalho em The Last Guardian. Assim como naquele jogo de 2016, a trilha de Planet of Lana segue uma tendência orquestral romântica e cinematográfica, com ênfase em instrumentos de corda.

As melodias geralmente são bem sutis e graciosas, embora às vezes se tornem levemente dançantes e saltitantes, e outras vezes se tornem um pouco tensas. E temos ainda uma linda canção de encerramento. Você pode conferir essa e outras músicas na playlist oficial.

Um belo puzzle-adventure e uma espetacular estreia da Wishfully

Apesar da simplicidade do enredo e das mecânicas, Planet of Lana traz um espetacular audiovisual, um level design bem equilibrado entre experiência cinemática e de puzzle, controles acessíveis e uma aventura sensível e reflexiva sobre cooperação e harmonia com a tecnologia e a natureza. O jogo é recomendado com ressalvas para fãs de jogos de puzzle que esperem algo mais desafiador, mas é um prato cheio para amantes de art game e também para jogadores casuais que procuram uma boa experiência de aventura em poucas horas.

Prós

  • Narrativa sensível e bem executada de forma minimalista e sutil;
  • Uma bela direção de arte, especialmente em ambientes naturais;
  • Animações fluidas em plataforma junto de um level design bem equilibrado entre puzzle e experiência cinemática;
  • Gameplay acessível e com uma boa progressão de aprendizado;
  • Bons efeitos sonoros e uma bela trilha sonora orquestral que se encaixa perfeitamente com os diferentes momentos do fluxo cinemático do game.

Contras

  • Enredo um tanto simples e não muito original em seus conceitos básicos e temática;
  • Os cenários fora da natureza poderiam ser mais expressivos, bem como poderia ter um maior polimento no design de rostos e na autonomia de Mui;
  • As mecânicas para os puzzles poderiam ser um pouco mais complexas e trazer algum conceito mais original.
Planet of Lana — PC/XSX/XBO — Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Thais Santos
Análise produzida com cópia digital cedida pela Thunderful Publishing

Doutorando em Filosofia que passa seu tempo livre com piano, livros, PC e portáteis. No Twitter, também é conhecido como Vivi. Interessa-se especialmente por narrativas de ficção científica, realismo mágico e alta fantasia política, e aprecia mecânicas de puzzle, stealth, estratégia e RPG. Seu histórico de análises pode ser conferido no OpenCritic e suas reflexões sobre RPG e game design encontram-se na SUPERJUMP (textos em inglês), bem como no Podcast do Vivi e em seu canal no YouTube.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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