LudoNarraCon 2023: um festival de jogos narrativos

Conferimos alguns dos jogos presentes no evento digital.

A LudoNarraCon é um festival anual no Steam focado em apresentar jogos com alto foco no aspecto narrativo da experiência. Além de incluir vários títulos em promoção e demos para jogos ainda em desenvolvimento, a ideia desse evento é discutir as perspectivas de produção com várias palestras que podem ser conferidas no canal do YouTube da organizadora Fellow Traveller.

Como membro de imprensa cadastrado, tive a oportunidade de jogar alguns títulos e demos antecipadamente. Infelizmente, não pude conferir todos os jogos, mas gostaria de falar um pouco sobre a experiência dos títulos com que tive contato. Vale destacar que o evento ainda está em andamento até amanhã (08/05) e pelo menos algumas demos devem continuar disponíveis até um pouco além do fim do evento.

Death Trick: Double Blind

Death Trick é um jogo de investigação no qual o jogador deve buscar pistas sobre o assassinato de uma mulher que se apresentava como “a mágica Hattie” em um circo. A primeira coisa que chama atenção no título são as ilustrações bem detalhadas. Tanto personagens quanto ambientes têm um estilo de arte 2D que brinca com o realismo sem perder a noção de personalidade típica de obras mais caricatas.

Outro ponto importante é que a perspectiva do jogador é dividida entre dois personagens. De um lado, temos uma amiga de Hattie que decide assumir o lugar dela e usar as suas habilidades de ler as pessoas para descobrir quem é o assassino; do outro, um detetive contratado pelo dono do circo também começa a investigação.

Cabe ao jogador apresentar as pistas corretas e tentar extrair as informações necessárias das pessoas e ambientes aos quais tem acesso. Porém, há um limite na quantidade de ações que podem ser realizadas durante um período, o que talvez se mostre um grande dificultador na exploração. Confesso que gostei bastante da experiência e fiquei curioso para descobrir a verdade, mas essa limitação me deixou um pouco preocupado quanto ao produto final.

Demonschool

Demonschool é um jogo tático desenvolvido pela Necrosoft Games e publicado pela Ysbryd Games. O contexto escolar com envolvimento com forças sobrenaturais inevitavelmente acaba lembrando a série Persona da Atlus, mas a ambientação mais retrô e o estilo de arte remetem mais a uma inspiração nos jogos de PS1 da franquia.

Como um grupo de estudantes à margem da sua turma, cabe ao jogador investigar o que causou essas misteriosas circunstâncias. Embora a demo seja considerada uma apresentação da história, ela pareceu começar de um ponto já um pouquinho avançado, não dando muito bem para entender como o grupo se envolveu com essa situação.

Porém, a gameplay tática me chamou a atenção. Primeiramente, com uma inspiração na movimentação do xadrez, cada personagem pode se mover pelos mapas de uma forma específica. A capacidade de ação em um turno é coletiva, sendo possível repetir um mesmo personagem a um custo maior de pontos, o que ajuda a valorizar mais o uso da equipe como um todo do que o uso de um único indivíduo para resolver todos os problemas.

Mesmo no pouco tempo da demo, já foi possível ver como os inimigos podem usar elementos perigosos como veneno e “tethering” (que prende o personagem e o puxa em direção ao inimigo). Junto a toda a questão de posicionamento, já é um sistema bem especial de combate e estou ansioso para jogar a versão completa.

Goodbye Volcano High

Um dos jogos que mais aguardo este ano, Goodbye Volcano High é uma aventura narrativa que conta a história de um grupo de dinossauros adolescentes. No final do ensino médio, Fang quer fazer de tudo para a sua banda com Trish e Reed.

Já na demo é possível ver o peso emocional dessa situação para ela, que está vendo seus amigos mais focados em outras coisas do que no que importa para ela. Fiquei curioso para ver como será esse desenvolvimento, o impacto das escolhas do jogador e a forma como os outros personagens se aproximarão do trop.

Além das escolhas que precisam ser tomadas para interagir com os personagens, um elemento importante da experiência da demo são as sequências rítmicas. Como um jogo ainda em andamento, espero que esse ponto seja melhorado para oferecer uma experiência mais responsiva. Também não senti clareza se esses trechos serão avaliados e/ou terão impacto na trama.

Harmony: The Fall of Reverie

Harmony é o novo jogo da DON’T NOD. Como uma visual novel sobre uma jovem que pode viajar entre dois planos da existência, a obra promete colocar o peso do destino de ambos nas decisões do jogador.

Pessoalmente, achei curioso ver como a aventura parece ser também uma metáfora para o turbilhão emocional em que Polly se encontra. Afinal, a personagem está buscando sua mãe, uma personagem com a qual tem uma relação conturbada, já que ela sempre pareceu um ideal inalcançável e uma estranha.

Ao mesmo tempo em que se conecta com indivíduos do outro mundo, ela assume o papel de Harmonia e tenta ajudar a restaurar o equilíbrio entre os mundos e o coração que agora se encontra sem vida.

I Did Not Buy This Ticket

A visual novel da brasileira Time Galleon conta a história de Candelária, uma mulher que é paga para chorar no enterro dos outros. Entre as longas viagens para chegar ao próximo velório, a moça acaba se deparando com um misterioso ônibus da linha Eigengrau, que parece mais um conto de terror. Porém, o que a levou a essa situação? Qual é a história de Candelária? Entender tudo isso é parte da graça de I Did Not Buy This Ticket.

Chama a atenção em especial o estilo artístico surreal e a forma como a trama se desenvolve em uma experiência bastante humana e sensível. Mais do que o terror pelo terror, trata-se de uma chance para refletir sobre as relações humanas, a efemeridade da vida e sobre nós mesmos.

Midautumn

Midautumn é um jogo de ação com estilo roguelike em que o jogador assume o papel de uma jovem explorando o porão de sua avó após aprender sobre o mundo dos espíritos. O jogo já vai lançar em acesso antecipado no dia 9 de maio e tem um bom acabamento no aspecto de gameplay.

A ideia de Midautumn envolve absorver esferas de energia que podem estar presentes no ambiente ou ser atiradas pelos inimigos à distância. O ideal é tomar cuidado para não deixar essa energia ficar muito tempo em suas mãos, pois ela pode envenenar a protagonista. O combate é fluido, e essa ideia de gameplay básica chama a atenção embora seja estranho que o jogador sempre absorva energia sem fazer nada especial.

Paper Ghost Stories: Third Eye Open

Paper Ghost Stories é um jogo da Cellar Vault Games que possui um estilo visual bem inusitado: exploramos ambientes 3D com personagens feitos de papelão. Há um belo uso de cores, sombras e texturas que faz diferença para a experiência parecer única esteticamente.

Em termos da exploração, a demo mostra um breve trecho em que devemos vasculhar a casa da protagonista e depois uma mansão assombrada. No segundo caso, encontramos alguns puzzles simples e temos uma sequência de QTE para fugir do lugar.

Gostei da experiência de forma geral, embora tenha achado um pouco incômoda a escolha de usar erros gramaticais como um dialeto local em inglês, que sempre acaba sendo acompanhado por uma explicação como se fosse um fansub.

Slay the Princess

Uma visual novel em preto-e-branco na qual o jogador tem a missão simples de matar uma princesa que traria o fim do mundo. O jogo da Black Tabby Games brinca com a percepção moral do jogador e com a sua capacidade de escolha usando humor e ironia. Confesso que fiquei curioso para ver até onde o jogo final conseguirá explorar esse conceito para oferecer uma narrativa mais ramificada e complexa.

The Star Named EOS

Foi a demo que considerei menos interessante das que experimentei. Embora os puzzles tenham lógicas elegantes e seja interessante resolvê-los, os poucos momentos de cutscene no estado atual são muito lentos e tediosos em vez de adicionar elementos de charme à experiência. Espero que a versão final corrija isso.

Times & Galaxy

O novo jogo da Copychaser e da Fellow Traveller coloca o jogador no controle de um robô repórter que trabalha para a empresa titular viajando por um sistema solar em busca de furos de notícia hiperlocais. O tom de humor constante e a atmosfera leve ajudam a criar uma experiência bem envolvente ao mesmo tempo que conhecemos personagens excêntricos e detalhes curiosos sobre os mundos ao nosso redor.

Chama a atenção a forma como ele brinca com o conceito de jornalismo. Na demo, já foi possível ver uma boa dose de detalhe e fiquei bastante instigado a jogar a versão completa para ver como as escolhas de investigação e reportagem influenciam a forma como os personagens veem o reporterbot.

Jogos já lançados e que eu também recomendaria

Além dos títulos acima que tive a oportunidade de jogar durante o evento, teve alguns que eu já havia avaliado anteriormente e recomendo. O primeiro deles é Beacon Pines, um jogo de aventura desenvolvido pela Hiding Spot. Nele, acompanhamos a história de um jovem cervo chamado Luka e seus amigos. Graças à curiosidade desses meninos enxeridos, eles acabam descobrindo verdades escondidas da cidade de Beacon Pines, cabendo ao jogador tentar encontrar um bom futuro utilizando palavras-chave coletadas ao longo da experiência.

A outra recomendação fácil é Citizen Sleeper, um RPG narrativo que considero um dos melhores jogos de 2022. Desenvolvido pela Jump Over the Age, o jogo conta a história de uma criatura robótica que carrega dentro de si uma consciência humana digitalizada. Chamados de “Sleepers”, esses seres são propriedade de uma megacorporação.

Após um acidente, o personagem do jogador acaba indo parar em um satélite afastado e terá a chance de viver a sua própria vida, mas para isso precisará trabalhar para poder manter o seu corpo robótico em dia. A exploração da área e o bom gerenciamento de recursos são essenciais para ir aos poucos se tornando mais autossuficiente enquanto também descobre mais detalhes sobre os moradores desse lugar.

Um festival com vários títulos narrativos interessantes

De modo geral, a LudoNarraCon 2023 oferece uma boa variedade de títulos. Embora o foco de todos seja narrativo, mesmo uma pequena amostra me permitiu ver jogos bem diversificados. Aconselho a todos dar uma olhada e experimentar pelo menos aqueles que atraírem mais a atenção.

Revisão: Juliana Paiva Zapparoli


é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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