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Análise: Live A Live (Multi) mistura diferentes eras em uma curiosa antologia de mini-JRPGs

Explore vários universos em um título que não tem medo de tentar fazer algo diferente.


Live A Live é um JRPG ousado e experimental. Em vez de uma única trama elaborada, o título é uma coletânea de histórias individuais que se passam em diferentes eras. Muitas das mecânicas, como o sistema de batalha, são compartilhadas entre os capítulos, mas cada um deles apresenta estruturas e ideias próprias. Remake do título lançado originalmente para SNES em 1994 somente no Japão, Live A Live atualiza o visual e a música, ao mesmo tempo que mantém a atmosfera retrô. O resultado é uma experiência peculiar e nada usual, por mais que falte profundidade e equilíbrio como um todo.

Vivenciando diferentes eras

Como seria viver diferentes vidas? Live A Live explora essa ideia na forma de capítulos distintos. Cada um deles se passa em um momento diferente da história da humanidade, partindo da Pré-História, passando pela China Imperial, Velho Oeste e Japão no período Edo, e terminando no futuro distante. Os contos, que podem ser aproveitados em qualquer ordem, funcionam como aventuras individuais, com personagens, temas e tramas próprias e autocontidas.

A estrutura das histórias varia consideravelmente, mesmo com todas elas compartilhando dos mesmos sistemas. No capítulo do futuro próximo, acompanhamos um rapaz capaz de ler mentes em uma aventura contemporânea. No Velho Oeste, uma gangue planeja atacar uma cidade e um pistoleiro precisa montar armadilhas para enfrentá-los. Na China Imperial, controlamos um mestre de kung fu que acolhe pupilos a fim de não deixar sua arte desaparecer.

Além da variedade de ideias, há diversidade no estilo: alguns contos têm foco na narrativa, outros investem em muitos combates. O capítulo do futuro distante, por exemplo, é basicamente uma aventura investigativa sem combates. Já a história que se desenrola no presente não passa de uma série de lutas com o mínimo de trama. Eventualmente, aparecem capítulos adicionais que interligam todas as histórias e personagens, mesmo que de forma simples.


Como RPG, a característica mais marcante de Live A Live está no sistema de batalha, que mistura turnos, elementos em tempo real e posicionamento tático em arenas divididas em grades. O detalhe mais curioso é que os ataques e habilidades não exigem pontos para serem executados, mas sim tempo: os personagens só podem agir quando suas barras de ação são preenchidas. As técnicas têm alcances e tempos de carregamentos distintos, o que nos força a reposicionar constantemente os heróis e a agir na hora certa.

Passeando por experiências divergentes

De longe, o que mais fascina em Live A Live é a diversidade e a criatividade de suas ideias. Cada capítulo funciona como um mini-RPG que explora alguma ideia única, contando com conceitos bem interessantes. Com tanta variedade, é difícil não gostar de uma ou outra história da coletânea.

Um dos meus capítulos favoritos é a história do ninja no Japão do período Edo que recebe a missão de se infiltrar em um castelo fortemente guardado e resgatar um samurai. O local tem múltiplos caminhos, conteúdo opcional e segredos, e ainda há a possibilidade de completar a tarefa de forma furtiva sem atacar ninguém ou sair assassinando todos que aparecem pelo caminho.


Outro exemplo é o episódio da Pré-História com sua narrativa inusitada. Como a fala ainda não existia naquela época, os diálogos são representados com balões com ilustrações e muitas expressões faciais — é interessantíssimo conseguir decifrar as conversas por meio desses recursos. O olfato também é um elemento central dessa história, pois o protagonista é capaz de encontrar animais e personagens ao rastrear os seus cheiros.

O escopo da maioria das histórias é bem reduzido e elas, individualmente, podem ser completadas em poucas horas — algumas, inclusive, duram só alguns minutos. É uma abordagem interessante, mas apresenta também vários problemas. O aprofundamento das tramas e personagens, em sua maioria, é mínimo, ficando a sensação de que não passa a introdução de algo maior. Há também inconsistência de qualidade e ritmo entre os contos. Alguns são curtos e pungentes (como o do Velho Oeste, um dos melhores), já outros claramente são mais enrolados do que deveriam (como a trama pré-histórica).


Mesmo assim, levando em conta o jogo como um todo, o saldo é positivo. É difícil encontrar um RPG tão tematicamente diverso como este, por mais que a qualidade varie razoavelmente. Particularmente, apreciei as minúcias e ideias criativas de cada um dos capítulos, apesar da simplicidade.

Em uma despojada viagem inspirada no passado

Fora das narrativas e temas curiosos, Live A Live é um RPG básico que parece ter vindo direto da década de 1990. Isso não chega a ser ruim de fato, mas parece um pouco datado nos dias de hoje. Salvo um ou outro capítulo, a progressão é simples, contando com áreas pequenas e andamento linear, às vezes utilizando de backtracking para espremer um pouco mais de tempo de jogo. Algumas histórias têm conteúdo opcional interessante e elementos mais elaborados, mas isso é exceção.


A meu ver, o elemento mais dissonante do jogo é o seu combate. Na teoria, ele é inventivo e único; porém, na prática, carece de refinamento. É interessante tentar encontrar a melhor posição para desferir os ataques enquanto tentamos desviar das investidas dos inimigos. Fora isso, há elementos táticos na forma de fraquezas, estados negativos e habilidades que afetam o cenário (como chamas que dão dano contínuo).

No entanto, uma série de decisões estranhas comprometem o potencial do sistema de batalha. Para começar, há forte desbalanceamento: os embates variam entre o extremamente trivial (em que derrotamos todos os inimigos com um único ataque) e o absurdamente desafiador (em que somos destruídos rapidamente por golpes que nos interrompem constantemente). Também é difícil montar estratégias quando os inimigos reagem instantaneamente ou não dão nenhuma leve indicação do que vão fazer.

Por causa disso, a experiência acaba sendo um pouco afetada. Confesso que achei as batalhas normais tediosas, afinal bastava repetir eternamente os mesmos ataques sem pensar muito. Porém, a situação mudava um pouco com alguns chefes e encontros mais complexos e balanceados, pois eles exigiam maior estratégia — nesses momentos, um vislumbre das reais possibilidades do combate apareciam. Por causa disso, fiz questão de ir atrás do conteúdo opcional.

Mesmo com essas questões negativas, ainda acredito que Live A Live tem qualidades notáveis. O escopo mais contido com jornadas compactas é acertado, permitindo que elas sejam aproveitadas aos poucos — há um espaço mínimo para enrolação e excesso. Além disso, os sistemas simplificados funcionam dentro do contexto de coletânea de aventuras, afinal é clara a intenção de oferecer uma experiência inspirada no original de SNES, que tinha suas limitações. Claro, refinamento nessas áreas deixaria o pacote mais balanceado como um todo, mas basta ir com a mentalidade correta para aproveitá-lo.



Na beleza proporcionada pelos pixels

As inspirações de outrora são fortes em Live A Live, que usa uma ambientação retrô como mote, mas com muitos toques de modernidade. O visual usa o estilo HD-2D, que mistura cenários 3D e elementos 2D para criar localidades belas e elaboradas. Os sprites, em especial, são um pouco menos detalhados que de outros jogos similares, mas o efeito é agradável e repleto de personalidade — há um ar de estar jogando algo do SNES, mas pensado para sistemas modernos.

O áudio também recebeu tratamento caprichado. A trilha sonora de Yoko Shimomura (de Street Fighter e Kingdom Hearts) foi completamente regravada com instrumentos reais e o resultado é estonteante: as composições são repletas de melodias memoráveis, em especial os temas de batalhas, e exploram diferentes estilos musicais, em alusão à viagem pelas eras da trama. Já a dublagem em inglês e japonês é bem competente, trazendo maior carga dramática às cenas.



Uma coletânea pitoresca

Live A Live usa criatividade e coragem para construir um RPG sem igual. Em vez de uma única trama, o jogo é composto de inúmeras mini-histórias, cada qual com ideias e conceitos próprios. A variedade de temas é um dos destaques, sendo difícil não apreciar ao menos alguns dos contos. Além disso, o sistema de batalha é inventivo e singular. A atmosfera retrô esbanja charme com o visual HD-2D e a excelente trilha sonora.

O remake do título lançado para SNES em 1994 é tecnicamente impecável, mas talvez seja preso demais ao passado. As histórias carecem de profundidade, a estrutura dos capítulos é básica demais e os sistemas de RPG poderiam ser melhor trabalhados. Fora isso, combate se mostra desbalanceado, ora sendo trivial, ora sendo difícil demais. Ao menos o ritmo é ágil, com uma duração modesta em relação a outros RPGs.

Ademais, Live A Live vale a pena ser conferido, principalmente por sua tentativa ousada de experimentar e tentar ser diferente.

Prós

  • Boa variedade de temas e ideias em cada um dos capítulos;
  • Escopo compacto permite aproveitar as aventuras aos poucos;
  • Muitos sistemas únicos interessantes, como o combate;
  • Ambientação notável com elaborados visuais HD-2D.

Contras

  • Tramas e personagens carecem de profundidade;
  • Combate desbalanceado, alternando entre o trivial e muito difícil;
  • Cenários e elementos de RPG subdesenvolvidos.
Live A Live — PC/PS4/PS5/Switch — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Square Enix

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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