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Análise: Moon: Remix RPG Adventure (PC) é um RPG altamente único e crítico em seu gênero

Ganhe amor, não ganhe experiência; não seja o herói nem o vilão, mas um humano real, e entre nesta ficção para libertá-la da própria ficcionalidade.


Desenvolvido e publicado pela Onion Games, Moon: Remix RPG Adventure é um RPG experimental com foco em exploração e em elementos de puzzle-adventure que conta a história de um garoto que é absorvido para dentro de um jogo de RPG e se vê compelido a salvar as criaturas daquele mundo do destino implacável de serem derrotadas por um herói da história. O título foi originalmente lançado para PlayStation, em 1997, exclusivamente no Japão, e chegou ao Ocidente somente em um port para Switch de 2020, o qual em dezembro de 2021 também se juntou ao catálogo do PC e do PS4.

Uma aventura estranha e sensível sobre você e o gênero dos RPGs

Tudo começa com um garoto jogando um típico RPG em seu videogame. Na tela da TV, seguimos o prólogo do jogo acompanhando um herói convocado por um rei para a missão de salvar seu mundo. Trata-se de um destemido guerreiro com armadura que carrega uma espada gigante e explora o mundo com um navio voador e se torna progressivamente mais forte, derrotando desde frágeis criaturas, como slimes, até um poderoso dragão ao final.

As referências desde o início a JRPGs como Dragon Quest e Final Fantasy são muito claras não por acaso: Moon é um jogo sobre nós, que como aquele garoto com o controle em mãos, joga RPGs em estilo tradicional. Inicialmente, a intenção é mostrar por meio de uma breve caricatura o que se pode entender por um “RPG tradicional”: um RPG baseado em evoluir um personagem em batalhas, massacrando populações inteiras de criaturas que são consideradas indesejáveis, sobretudo ao olhar dos humanos (ou outras raças que protagonizam a trama, geralmente humanóides).


O garoto gamer ganha um nome dado pelo próprio jogador, o qual a partir de então se tornará seu avatar. Passado o prólogo, o menino à noite de alguma forma entra no mundo ficcional do RPG que ele jogava. A partir de então, o design do game muda completamente, substituindo o protagonismo do herói pelo protagonismo do próprio jogador, enquanto alguém invisível e mudo capaz de compreender tanto aos humanos quanto às demais criaturas e intervir na jornada do herói, o qual agora é visto como um antagonista.

Embora invisível e silencioso, de um modo que sequer os pássaros conseguem percebê-lo, o jovem pode tocar e mover objetos, então é acolhido por uma humilde senhora que vive ao lado de um vilarejo (a cidade inicial do RPG) pelo fato de crer que ele seja seu falecido neto. A senhora oferece-lhe então as roupas que teriam sido daquele personagem e a partir de então você poderá ser identificado por outros seres naquele mundo ficcional.


Sua jornada, de cerca de 20 horas de jogo, será um aprendizado sobre o amor, e quanto mais amor ganhar, mais energia receberá para passar mais tempo naquele mundo sem precisar dormir, ainda que sempre será necessário ir para a cama para salvar o jogo, ganhar level (com base no amor ganho) e recuperar suas energias. Enquanto que o sono e o sonho são a ponte que conecta o mundo real ao mundo ficcional, o nível de amor que o jogador cria com o mundo do jogo é o que o faz conseguir ficar mais tempo conectado a ele.

Para receber amor, você precisa ajudar tanto aos humanos quanto às criaturas que estão morrendo para o herói. Os humanos podem lhe dar amor à medida que você faz favores para eles, como encontrar um objeto perdido, por exemplo, e as criaturas dão seu amor a você sempre que você consegue resgatá-las do herói. Você precisa recuperar a alma de cada criatura morta e então enviá-las para a lua, para ficarem em um lugar seguro.


Evitando spoilers, limito-me a comentar que a trama termina com uma sacada metaficcional interessante que relaciona a realidade à ficção, e distingue também ficção de algo simplesmente falso. Fazendo uma crítica ainda muito atual ao design tradicional de RPG, Moon traz uma reflexão sobre como os seres ficcionais precisam de alguma forma se libertar do destino cruel ao qual os desenvolvedores frequentemente os submetem, ao passo que o jogador, enquanto ser humano, precisa aprender com a ficção a compreender o que lhe é estranho e evoluir com o amor ao próximo. Um final alternativo quase foi implementado nesta versão, mas infelizmente ficamos apenas com o final canônico mesmo.

Minhas únicas críticas ao roteiro têm a ver com a falta de aproveitamento dos personagens e o pouco desenvolvimento da trama durante o meio da história. Penso que os pontos altos da narrativa estão no começo e no fim, além de em algumas brincadeiras interessantes pontuais aqui e acolá, mas os personagens do mundo poderiam ter sido mais bem aproveitados no decorrer da aventura tanto para explorar o potencial do mundo quanto para criar elos mais profundos entre eles e também com o jogador.

Um RPG, mas também um anti-RPG

A história do game é por si só reflexiva e sensível, mas o que torna Moon particularmente subversivo e único é seu gameplay, cujo design foi projetado por Taro Kudo, Yoshiro Kimura e Kenichi Nishi. Esses três são desenvolvedores muito inventivos e ousados, então só poderia ter saído algo muito original desse projeto, e é impressionante como até hoje permanece uma obra muito única em suas carreiras e também na indústria dos RPGs, e décadas mais tarde inspirou jogos notáveis como Undertale.

Uma das características dos trabalhos de Taro Kudo (como se vê por suas contribuições nos RPGs de Mario) é sua insistência em inserir elementos de outros gêneros em RPG, especialmente pequenos puzzles de aventura, e em Moon isso é tão abundante que por vezes o jogador vai até questionar se o que ele está jogando é ainda um RPG. Para sermos dignos do amor dos humanos e das criaturas desse mundo, teremos que explorar o mundo e cumprir tarefas muito variadas.


Alguns exemplos de tarefas envolvem encontrar algo, pescar, esperar sentado, descobrir segredos e senhas, dar conselhos, seguir NPCs, ou mesmo participar de diversos tipos de minigames que envolvem habilidades de memória visual e/ou sonora, ritmo, coordenação e tempo de reação.

Para ficar em um caso apenas, ainda mais ou menos no início o jogo nós podemos acessar uma área em que, para conseguir a alma de uma criatura, precisamos memorizar as caretas de uma criatura tribal, bem como seus grunhidos e performance, e logo em seguida indicar qual foi a cara, pose ou som que ele produziu. Confira abaixo esse exemplo em um trecho de vídeo:


Contudo, o que há de brilhante no level design deste game não está propriamente em sua diversidade de gameplay, mas sim em como ela é distribuída e trabalhada no mapa do jogo. Previamente, Yoshiro Kimura já havia mostrado sua habilidade em fazer um design de área orgânico e dinâmico em RPG para Romancing SaGa 2 e 3, os quais eram JRPGs muito ambiciosos no Super Nintendo em conceitos de mundo aberto e não linearidade. Em comparação, Moon oferece um mundo muito menor, mas uma transição fluida de dia-noite com um impacto dinâmico na rotina de vários NPCs espalhados pelos cenários do game.

De forma análoga a The Legend of Zelda: Majora's Mask (N64), em Moon cada NPC possui uma rotina específica. O rei do castelo, por exemplo, dá comida aos pássaros pela manhã, depois você pode ter uma audiência com ele em seu trono, se quiser, e mais tarde ele vai para seu escritório escrever e desenhar, e depois se põe a dormir. O mesmo vale para lojas cujos vendedores dormirão à noite.


Além do ciclo dia-noite, também o tempo como um todo passa à medida que você coleta seus corações, então algumas coisas podem mudar em alguns locais. A senhora que adotou você, por exemplo, em determinado momento fica acamada e pede para que você cuide do cachorro dela em sua ausência. Outro exemplo é uma casa em que você encontra quadrinhos que estão sendo desenhados por uma garota e um bordado que é feito por sua mãe. Para encontrá-los prontos você precisará retornar a essa casa muito tempo depois.

Desse modo, você precisa levar em consideração o fator tempo durante sua exploração. Visitando e revisitando os lugares em diferentes períodos e observar a rotina das criaturas e NPCs, além dos objetos com os quais você pode interagir. Além disso, você também precisa ficar de olho no tempo para quando chegar a hora de dormir.


Ao gastar toda sua energia, você verá a tela de Game Over e terá de retornar para seu último save. Mas não se preocupe, isso é incômodo apenas no começo do jogo; à medida que você avança em level de amor você poderá ficar acordado por bastante tempo, além de que eventualmente surgem atalhos para chegar aos pontos em que você pode descansar.

Meus únicos problemas com o gameplay têm a ver com falta de qualidade de vida e organização. Nem sempre os desafios são interessantes ou divertidos, e por vezes você pode ficar perdido por falta de clareza do design ou por requerer uma percepção bastante específica do contexto. Por fim, sinto que os diversos puzzles do game poderiam ter sido melhor orquestrados, às vezes parecem muito arbitrários, com pouca conexão entre si ou pouco aproveitados do ponto de vista narrativo.

Um amálgama de referências de RPG com uma psicodelia confusa e sensível

Assim como em narrativa e em gameplay, também em audiovisual não faltam peculiaridades para examinarmos. O protagonista, desenhado por Kazuyuki Kurashima (que trabalhara em Live A Live), é especialmente único, carismático e icônico; penso que só não chega a ser famoso pelo fato de Moon ter demorado a sair no Ocidente e pelas escolhas excêntricas e um pouco simples de design que o cercam por todos os lados.

Os cenários, projetados por Akira Ueda, são pré-renderizados e sem rotação de câmera, como era comum no PlayStation, porém com uma ambientação bastante simples e frequentemente bem restritos. Com raras exceções, os locais carecem de uma direção de arte que encante de alguma forma. Por outro lado, é interessante como muitos lugares são singelos e comuns, parecendo que o jogador, mesmo estando em uma ficção, ainda esteja no mundo real.


Em contrapartida, há um contraste claramente proposital em relação às criaturas, extremamente exóticas e abstratas, às vezes é até mesmo difícil definir os seres que você encontra, parece terem saído de A Mansão Foster para Amigos Imaginários (um clássico desenho do Cartoon Network). O aspecto bizarro desses seres aliado ao fato do protagonista estar na fronteira entre a ficção e o sonho muitas vezes dá ao jogador uma interessante experiência psicodélica.

Por outro lado, acho que esse aspecto visual maluco não é tão aproveitado em termos de narrativa ou gameplay, e às vezes soa apenas bizarro. Muito embora possa-se interpretar que o desafio da empatia do jogador esteja até mesmo aí. Vale salientar que esse estilo visual mais… imaginativo, digamos, senão “maluco”, é comum em outros jogos de Kenichi Nishi, como Chibi-Robo!: Plug into Adventure! (GC) e Captain★Rainbow (Wii). Caso esteja familiarizado, essa escolha em Moon pode não ser um problema para você.


Não apenas o visual, mas também o voice acting faz o jogador se sentir na fronteira entre o ficcional e o real. Os personagens não falam exatamente o que está nas caixas de diálogo, mas balbuciam ou pronunciam frases que apenas têm a ver com o tom do que é falado, frases essas que frequentemente combinam diferentes idiomas, como japonês e francês.

Contudo, a música e os sons do jogo não são extravagantes, até pelo contrário, são bastante modestas e econômicas. Somente há música em pontos realmente importantes para o clima de JRPG, como na cidade principal e no castelo, ou em locais propícios para momentos sensíveis, como na casa da senhora (onde toca Clair de Lune, de Debussy), nos momentos de sonho e ao final do jogo.

Na maior parte dos cenários o jogador apenas ouvirá seus próprios passos e alguns efeitos sonoros. Esse perspicaz design de som de Masanori Adachi aliado ao fato de não existir encontros aleatórios dá uma sensação de vazio durante a aventura bastante estranha ao que se espera de um JRPG. Ademais, parece uma escolha apropriada para que o jogador se atente aos sons do ambiente, os quais podem ser cruciais para puzzles e minigames. Confira abaixo um pouco do estilo de direção de som do game:

Uma experiência única, crítica e atual sobre o design dos RPGs

Apesar de sua simplicidade em vários âmbitos e de soar um pouco confuso ou excessivamente maluco, Moon: Remix RPG Adventure é talvez um dos jogos mais únicos e interessantes já feitos com gameplay e narrativa que não só envelheceram bem como continuam exibindo uma crítica de design muito atual e pertinente. Embora já tenha 15 anos desde seu lançamento, este ainda é um dos RPGs mais modernos que se pode encontrar e uma recomendação obrigatória para fãs desse gênero para que aprendam e desaprendam o significado de um RPG.

Prós

  • Mecânicas simples, intuitivas e adequadas para a proposta de um “anti-RPG”;
  • Uma experiência bastante única, inventiva e coerente;
  • Um level design bem projetado com ciclo dia-noite, rotinas de NPCs e quests que permitem evoluir por amor em vez de por experiência;
  • Design narrativo sensível e subversivo com uma crítica ainda bastante atual para o padrão dos jogos de RPG;
  • Protagonista bastante carismático e icônico para seu papel na trama;
  • Direção de som minimalista e criativa para a proposta.

Contras

  • O design das criaturas às vezes é excessivamente bizarro, prejudicando a coerência da ficção e do ecossistema do mundo;
  • A direção de arte é simples e poucas vezes é particularmente interessante;
  • Alguns puzzles e minigames são pouco claros, e muitas vezes são um tanto arbitrários e pouco aproveitados para o argumento da narrativa;
  • Raros são os personagens que são minimamente desenvolvidos durante a aventura e a trama é pouco elaborada durante boa parte do jogo.
Moon: Remix RPG Adventure — PC/Switch/PS4 — Nota: 9.0
Versão utilizada para análise: PC 
Análise produzida com cópia digital adquirida pelo próprio redator

Doutorando em Filosofia que passa seu tempo livre com piano, livros, PC e portáteis. No Twitter, também é conhecido como Vivi. Interessa-se especialmente por narrativas de ficção científica, realismo mágico e alta fantasia política, e aprecia mecânicas de puzzle, stealth, estratégia e RPG. Seu histórico de análises pode ser conferido no OpenCritic e suas reflexões sobre RPG e game design encontram-se na SUPERJUMP (textos em inglês), bem como no Podcast do Vivi e em seu canal no YouTube.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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