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Análise: Dungeon Drafters (PC) usa cartas e feitiços em um profundo e punitivo RPG tático

O título de estreia do estúdio brasileiro Manalith Studios impressiona pela complexidade, mas é um pouco exigente demais.


Em Dungeon Drafters, viajantes de todo o mundo exploram calabouços perigosos com a ajuda de cartas mágicas. Essa premissa é utilizada em uma aventura de construção de baralhos e estratégia cujo maior trunfo é a diversidade: há uma infinidade de poderes e feitiços que nos permitem montar diferentes combos e táticas. Produzido pelo estúdio brasileiro Manalith Studios, o título esbanja personalidade com seu visual inspirado na era 16 bits. Porém, não se deixe enganar pelo universo colorido: é necessário dedicação, pois há muitos detalhes para dominar e a curva de dificuldade não é nada suave.

Evitando a expansão do caos

No Mundo dos 4 Cantos, seres divinos condensaram a energia dos elementos da natureza em cartas mágicas. Um dia, surgiu uma criatura maligna conhecida como Forânea, que tinha como objetivo trazer a destruição. Depois de uma luta ferrenha, as divindades se sacrificaram para prender a agente do caos, o que deu início a uma era de prosperidade.

No entanto, depois de muitos anos, a paz de 4 Cantos está em risco novamente. Um jovem encontrou a torre na qual Forânea está aprisionada e, em busca de poder, enfraqueceu o selo de proteção. Com isso, o caos começou a se espalhar na forma de cartas mágicas corrompidas. Temerosas com o futuro, as nações convocaram viajantes de todo o mundo, que partem para a torre a fim de impedir o retorno de Forânea.


Na pele de um aventureiro, exploramos calabouços em busca de feitiços e relíquias para conseguir sobreviver aos perigos da torre. Nos andares das masmorras, enfrentamos monstros e outras criaturas por meio de combates táticos por turnos em cenários divididos em grade, como um tabuleiro de xadrez. A cada rodada podemos executar algumas ações, como mover, utilizar uma carta ou atacar — é importante pensar cada movimento com cuidado, pois os pontos de ação são limitados.

O grande diferencial de Dungeon Drafters está nas cartas, que nos permitem ativar habilidades ou lançar feitiços. A diversidade de opções é grande, em uma mistura de ações ofensivas, defensivas, de locomoção e de suporte. Há de tudo um pouco: uma bola de fogo deixa os inimigos queimando por alguns turnos, uma magia transmuta obstáculos em um slime aliado, uma investida deixa um rastro de eletricidade, e muito mais. Conforme avançamos, coletamos novas cartas e artefatos para customizar nosso personagem, o que expande as opções táticas.


Entre as excursões, passamos pela Vila dos Aventureiros. O local conta com várias atividades, como missões oferecidas pelos habitantes, lojas com artigos diversos e até mesmo um minigame de pescaria. É lá também que podemos nos preparar para as próximas tentativas abrindo novos boosters de cartas e alterando o baralho.

Usando cartas mágicas em batalhas táticas intrincadas

Dungeon Drafters me impressionou com sua mistura bem pensada entre RPG tático, construção de baralhos e roguelike de exploração de calabouços. Sim, essa sopa de letrinhas de gêneros é cada dia mais comum e é difícil se destacar, mas o jogo do estúdio brasileiro Manalith tem umas ideias bem bacanas, além de esbanjar carisma com seu visual colorido inspirado na era 16 bits.

De longe, a melhor característica de Dungeon Drafters é a versatilidade na hora de montar as estratégias: a grande variedade de feitiços e habilidades oferece uma gama imensa de possibilidades. Muitas das cartas têm efeitos secundários e sinergias, e me diverti muito tentando montar combos poderosos. É possível montar um personagem especializado em ataques físicos e combos, destruir inimigos de longe com feitiços diversos, infligir estados negativos com armadilhas, usar habilidades para se movimentar enquanto golpeamos, e mais. O personagem escolhido no início do jogo determina o baralho inicial, contudo podemos customizar livremente o conjunto de cartas no decorrer da jornada.


O posicionamento é um elemento importante que adiciona uma camada estratégica aos embates. As habilidades dos inimigos e aliados têm alcances e padrões diferentes, então sempre precisamos pensar com cuidado onde devemos ficar. Inclusive, podemos utilizar isso a nosso favor, fazendo inimigos se atacarem ou induzindo-os a cair em armadilhas. Muitos feitiços nos permitem mudar combatentes de lugar, fazendo com que dominar o posicionamento seja essencial para se dar bem nas batalhas.

Os calabouços nos instigam a experimentar com inimigos e desafios únicos dependendo da região. No Coliseu das Dunas, o desafio é conseguir acertar inimigos furtivos que não podem ser alvo de certos feitiços; na Biblioteca Glacial, é difícil navegar por causa do piso congelado escorregadio; já a Cidade de Magma tem armadilhas explosivas perigosas. Além de combates, os estágios contam também com outros tipos de salas, como locais de descanso e embates com puzzles. Os mapas são gerados proceduralmente, fazendo com que cada tentativa seja diferente.


Arenas de tamanho reduzido e inimigos agressivos fazem com que a aventura seja bem difícil, bastando momentos de desatenção para ser derrotado. Perdi a conta das vezes que fui destruído pelos inimigos, mas bastaram alguns ajustes no meu baralho para eu conseguir avançar. Como é de costume em roguelikes, é irritante perder os itens obtidos e o progresso do calabouço, mas mapas pequenos e variedade de desafios amenizam essa sensação.

Em uma jornada interessante, mas desgastante

Dungeon Drafters destaca a “morte punitiva” como uma de suas principais características. Dificuldade acentuada é algo comum nesse gênero, mas aqui uma série de decisões e problemas deixa a experiência mais frustrante e estagnada do que deveria ser o ideal.

Para começar, o jogo conta com inúmeros termos nada intuitivos. A maioria das cartas tem habilidades secundárias ou condições de uso, mas muitas vezes é difícil entender com clareza informações como dano ou efeitos adicionais. Isso se dá por causa do texto explicativo confuso ou das nomenclaturas obtusas (como “reengajamento” ou “sortilégio”). Por causa disso, é comum usar uma carta esperando um resultado, mas obtendo outro, o que atrapalha o andamento das partidas. Os termos contam com um texto explicativo, mas nem sempre eles são suficientes.


Outro problema diz respeito à interface. Em RPGs táticos com elementos de posicionamento, é importante ter uma boa ideia das ações dos inimigos para podermos reagir de acordo. Dungeon Drafters até conta com opções para checar os alcances de ataques, porém o recurso é difícil de compreender: em vez de usar simplesmente uma área de perigo vermelha, a interface conta com ícones nada intuitivos para indicar os movimentos. Com isso, é comum ser atingido por não conseguir entender direito o que o monstro fará em seguida. Depois de um tempo eu decorei os ataques e pude reagir melhor, mas não deixa de ser irritante essa falta de clareza.

Já a dificuldade é um pouco desbalanceada. É clara a intenção do jogo em ser difícil, mas acho que aqui é um pouco demais pelos motivos errados. Nas minhas partidas, foi muito comum encontrar inimigos extremamente poderosos ou com mecânicas punitivas, exigindo estratégias muito específicas para serem vencidos. Além disso, a sorte tem forte influência: uma mão ruim pode arruinar facilmente uma excursão. Em uma tentativa, por exemplo, fiquei sem opções por ter recebido um conjunto de cartas cuja condição de uso era impossível de ser atendida naquele momento, o que limitou severamente as minhas ações.


Mesmo com muito cuidado, basta um deslize para morrer e perder todo o progresso. A intenção é ajustar o baralho e tentar novamente, mas isso é custoso e paradoxal: as cartas e itens mais poderosos estão nos andares inferiores, porém você dificilmente terá habilidades fortes o suficiente para sobreviver até chegar lá. Isso não seria tanto um problema se os calabouços tivessem diferentes níveis de dificuldade, mas a maioria oferece níveis de desafio parecidos. Por causa disso, é necessário fazer muito grind para conseguir juntar cartas para montar um baralho razoável.

No fim, a soma dessas questões torna a experiência de Dungeon Drafters um pouco maçante. No meu tempo no jogo, a sensação que eu tive era de que estava progredindo muito lentamente por causa da dificuldade dos calabouços e do esforço excessivo para fortalecer meu personagem. As ideias e mecânicas são boas, porém, para conseguir avançar, é necessário muita insistência e dedicação. Torço para que o jogo passe por um rebalanceamento no futuro ou ofereça opções de desafio mais suave.



Um carteado estratégico notável

Dungeon Drafters mescla boas ideias em um notável roguelike de construção de baralhos. O combate tático é seu maior destaque por causa das inúmeras possibilidades, combos e sinergias proporcionadas pelas cartas mágicas. Além disso, cada calabouço tem ritmo distinto com seus diferentes inimigos e armadilhas, o que traz variedade às partidas. Um visual colorido e agradável complementa a atmosfera inspirada na era 16 bits.

O desafio é acentuado, sendo constante a derrota. Isso faz parte do ciclo de jogo, pois a intenção é aprender com os erros, fazer ajustes e tentar novamente. Porém, alguns pontos problemáticos atrapalham a experiência, como termos e interface pouco intuitivos, pouco espaço para erros e um ritmo geral um pouco maçante. Com insistência é possível superar esses problemas, mas não deixa de ser irritante.

No fim, vale a pena encarar os criativos desafios táticos de Dungeon Drafters. Só é necessário estar disposto a se dedicar para conseguir avançar.

Prós

  • Vasta quantidade e variedade de cartas permitem montar inúmeras estratégias;
  • Combate tático ágil e com muitos elementos interessantes;
  • Muito conteúdo para explorar;
  • Ambientação colorida e charmosa.

Contras

  • Interface pouco clara, o que dificulta a tomada de decisões;
  • As mecânicas usam muitos termos com descrições pouco intuitivas;
  • Dificuldade punitiva e desbalanceada;
  • Progressão lenta e com necessidade de grind.
Dungeon Drafters — PC — Nota: 8.0
Revisão: Ives Boitano
Análise produzida com cópia digital cedida pela DANGEN Entertainment

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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