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Análise: Arcana of Paradise —The Tower— (PC/Switch) é uma peculiar e dinâmica jornada de cartas

Este título empolga com suas mecânicas ágeis, porém peca ao ser repetitivo.


Arcana of Paradise —The Tower— aposta em conceitos únicos para trazer novos ares ao gênero roguelike de construção de baralhos. Sua característica mais distinta está no combate em tempo real, que exige destreza e pensamento rápido na hora de usar as cartas. Fora isso, o jogo apresenta muitas ideias bacanas, com vários elementos de puzzle e uma atmosfera de fantasia agradável. No entanto, a pequena variedade de conteúdo e o subdesenvolvimento dos sistemas impedem que o título alcance todo o seu potencial.

Em busca do paraíso perdido

Um grupo de crianças vive de maneira simples no topo de uma torre em ruínas. Elas próprias não sabem como foram parar ali e suas memórias desapareceram misteriosamente. Desenhos nas ruínas indicam que um lugar conhecido como Paraíso se encontra na base da construção, mas descer não é uma opção: os andares inferiores são povoados por criaturas agressivas.

A esperança aparece quando, um dia, uma voz divina surge das alturas. O ser celestial orienta as crianças a buscar o Paraíso e, para isso, desperta nelas a força para lutar. Agora transformadas em guerreiros e feiticeiros, os pequeninos decidem desbravar os perigos das ruínas. A trama é vaga e basicamente não tem desenvolvimento, mas é suficiente para instigar a jornada.


O cerne de Arcana of Paradise está em incursões pelo interior da torre, em uma aventura de construção de baralhos. Em cada expedição, escolhemos duas crianças e atravessamos diversos andares, que apresentam combates e eventos. As situações são resolvidas ao utilizar cartas: para iluminar uma sala, precisamos usar um cartão de tocha ou de fogo; já para curar uma pessoa ferida, é necessário jogar uma carta de ervas medicinais. Pelo caminho, modificamos nosso baralho com novas opções.

O combate utiliza os conceitos básicos do gênero em conjunto com elementos de tempo real. Cada um dos cartões ativa uma ação, como atacar com uma espada, utilizar um escudo para defender ou conjurar feitiços. O interessante é que tudo acontece em tempo real, influenciando fortemente o andamento dos confrontos. Para evitar danos, por exemplo, precisamos ativar uma carta de defesa na hora certa; já combos podem ser executados ao desferir ataques em sequência.


Usar as ações sem custo algum pode parecer banal, mas vários detalhes deixam as coisas mais complicadas. Certas habilidades alteram a orientação das cartas, mudando os seus efeitos: uma espada com cabo para cima não faz nada, já uma erva curativa se torna venenosa quando suas raízes estão voltadas para o topo. Além disso, muitos inimigos têm vulnerabilidades específicas, então atacar de qualquer jeito raramente é efetivo.

As ruínas têm muitos perigos e obstáculos que, em um primeiro momento, são intransponíveis. Por causa disso, de tempos em tempos, precisamos voltar para o refúgio no topo da torre. Neste local podemos conhecer melhor o grupo de crianças por meio de conversas. Além disso, precisamos cuidar delas: cada pequenino consome uma unidade de pão por dia, e eles podem perecer se não comerem. Um detalhe importante é que o alimento também é utilizado para fazer oferendas aos deuses, o que libera alguns recursos úteis. Então, para conseguir prosseguir, precisamos equilibrar o uso de pão, que é obtido nas expedições.






Cartas e destreza para superar desafios

Arcana of Paradise me surpreendeu com sua interpretação interessante do gênero de construção de baralhos. Incluir elementos de tempo real foi uma decisão muito acertada, pois traz um dinamismo único aos combates e eventos. Apreciei, em especial, a criatividade: defender no último segundo é capaz de anular os ataques dos inimigos, usar cartas de feitiço em sequência aumenta o efeito dos encantamentos, usar uma habilidade que inverte cartões deixa os inimigos confusos, e assim por diante.

Outro ponto notável está na constante presença de elementos de puzzles. Na maior parte das vezes, é essencial observar o ambiente e os oponentes para conseguir sair vitorioso. Os feitiços de um mago, por exemplo, são interrompidos caso utilizemos algum ataque de elemento contrário; uma freira maníaca conversa durante o embate, dando dicas das cartas que funcionam contra ela; um andarilho é facilmente derrotado quando utilizamos uma tocha após ele se banhar em álcool.


Boa parte da diversão está justamente em entender como resolver cada enigma. Às vezes não temos a carta correta para a situação em questão, já em outras oportunidades o jeito é apelar para tentativa e erro, mas raramente isso é frustrante. Os melhores momentos, inclusive, foram aqueles em que arrisquei uma opção diferente e tive como resultado algo inusitado ou único. E pensamento rápido é essencial: caso não haja cartões úteis no momento, podemos puxar uma nova mão de cartas, mas isso pode custar segundos valiosos.

Complementando a experiência, temos uma ambientação charmosa. O visual tem traços simples, com belas ilustrações claramente inspiradas em livros infantis. Já a trilha sonora conta com ótimas faixas com vocais que remetem a planos celestiais, além de composições que alternam entre a leveza de brincadeiras de criança e a seriedade de localidades misteriosas. O texto está em português, mas a adaptação conta com alguns pequenos erros.



Preso em uma torre sem fim

Uma das principais características de roguelikes é a grande variedade de situações entre as partidas. Infelizmente, Arcana of Paradise falha justamente neste aspecto.

O título tem quantidade reduzida de inimigos, o que deixa as excursões muito similares entre si. A diversidade é tão pequena que é extremamente comum enfrentar um mesmo chefe três ou quatro vezes dentro de uma mesma partida. Para piorar, não há variação alguma entre as várias versões dos inimigos, bastando utilizar a mesma estratégia sempre. A quantidade de eventos também é pequena e eles também se repetem com frequência.


Outro problema diz respeito às opções estratégicas, que são muito limitadas. Há três classes disponíveis: espadachins focados em golpes físicos, feiticeiros com magias que demoram algum tempo para carregar e monges que atacam com selos cujo poder aumenta conforme fazemos sequências. A intenção é misturar os membros das duplas, mas, na prática, faz pouca diferença, pois, pelo caminho, encontramos cartas com uso extremamente similar, às vezes apresentando uma diferença mínima de atributos. Além disso, não há basicamente nenhuma sinergia entre as classes, o que afeta o aspecto de experimentação do jogo.

Por fim, faltou mais possibilidades na hora de resolver os desafios que aparecem pelo caminho. Ao encontrar uma sala escura, por exemplo, a única opção viável é iluminá-la com fogo; já certos inimigos só podem ser enfrentados com uma única estratégia. Algumas poucas situações admitem mais de uma solução, porém elas são raras.


A soma de todos esses pontos negativos acaba comprometendo Arcana of Paradise. O jogo está repleto de ideias inventivas, mas as limitações dos conteúdos tornam as partidas muito similares e repetitivas, deixando a experiência cansativa logo após algumas horas. Isso não seria tão problemático se a aventura como um todo fosse enxuta, mas é necessário terminar inúmeras excursões para conseguir ver o final. Conteúdo desbloqueável tenta amenizar esses problemas, mas o ritmo de liberação é tão lento que o impacto é reduzido.

Uma interpretação notável e imperfeita   

Arcana of Paradise —The Tower— aposta no dinamismo para oferecer um roguelike deckbuilding sem igual. Os combates em tempo real são frenéticos e interessantes, exigindo estratégia e destreza para serem vencidos. Além disso, as inúmeras situações espalhadas pela aventura têm curiosos elementos de puzzle, nos forçando a pensar com cuidado para conseguir avançar.

As mecânicas são inventivas, porém o título escorrega no conteúdo, que é reduzido: inimigos e eventos se repetem com frequência, e as possibilidades estratégicas são limitadas. Por causa disso, as partidas se tornam repetitivas rapidamente, atrapalhando a experiência a médio prazo.  

Apesar dos problemas, vale a pena explorar os mistérios de Arcana of Paradise, mesmo que de forma breve.

Prós

  • Elementos em tempo real trazem agilidade aos combates e eventos;
  • Boa criatividade nos desafios, que apresentam características de puzzle;
  • Ambientação agradável com visual charmoso e trilha sonora agradável.

Contras

  • Variedade reduzida de conteúdo;
  • Muitas situações similares entre as partidas;
  • Possibilidades estratégicas limitadas.
Arcana of Paradise —The Tower— — PC/Switch — Nota: 7.0
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Heloísa D'Assumpção Ballaminut
Análise produzida com cópia digital cedida pela SHUEISHA GAMES

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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