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Análise: Terra Nil (Multi) — restaurando a natureza em um criativo título de estratégia

Alterne entre os estados de zen e de estresse neste jogo de recuperação ambiental.


Terra Nil se autointitula um construtor de cidades reverso: em vez de construir grandes metrópoles, o objetivo é usar construções diversas para transformar locais devastados em regiões naturais vibrantes. Além desse conceito criativo e singular, o jogo tem várias ideias interessantes que exigem planejamento e tática, como é de praxe do gênero. Essas características, em conjunto com a ambientação bela e tranquila, resultam em uma experiência relaxante, por mais que alguns detalhes acabem gerando estresse.

Recuperando uma Terra sem vida

Em cada um dos estágios de Terra Nil, o objetivo é restaurar a natureza da região. Além de limpar o solo e a água, precisamos também recriar ecossistemas para atrair novamente a fauna. Uma vez alcançado esse propósito, devemos reciclar todas as estruturas e ir embora sem deixar nenhum rastro.

As partidas são estruturadas em três fases. Na primeira delas, precisamos remover a poluição da maior parte do mapa. Para isso, construímos turbinas eólicas para gerar energia e em suas proximidades montamos removedores de toxinas. Em seguida, utilizamos irrigadores para restaurar a flora e a pureza da água. Aqui, o desafio é saber empregar com sabedoria os recursos, pois as usinas eólicas só podem ser instaladas em pontos específicos.


Depois de a região ser purificada, é hora de aumentar a diversidade construindo biomas. Aqui as coisas ficam mais complicadas, pois cada tipo de flora exige ações muito específicas. Para criar um brejo, por exemplo, precisamos construir uma central de hidroponia em um terreno baixo próximo de uma fonte de água; já as praias surgem ao montarmos uma estrutura que coleta areia; e a tundra, por sua vez, só pode ser cultivada em locais altos e de baixa umidade.

Uma vez restaurados os biomas, o próximo passo é atrair animais para diversificar a fauna. Cada espécie de criatura habita diferentes tipos de terreno, e para encontrá-las basta utilizar um sonar nas possíveis áreas — ícones indicam as condições para o surgimento dos bichos. Por fim, é necessário ativar drones para desmontar todas as estruturas, deixando a área completamente livre de intervenção.


O jogo conta com quatro regiões, temperado, tropical, polar e continental, compostas por estruturas, biomas e desafios distintos. Além das construções principais, há várias ferramentas de apoio, como escavadeiras para criar leitos para rios ou lava, semeadores de nuvens capazes de aumentar a umidade da região e escavadeiras para criar ilhas a partir de terra extraída do fundo do oceano. Os mapas são gerados proceduralmente e cada território tem dois tipos de estágios: normal e difícil.

Usando a engenhosidade para transformar ambientes

Terra Nil me cativou com seu conceito inusitado, afinal não é todo dia que você encontra um jogo sobre restaurar a natureza e ir embora sem deixar rastros. Além disso, há um tom meditativo com sua atmosfera relaxante e convidativa. O título é tudo isso e, surpreendentemente, tem uma complexidade impressionante.

Como título de estratégia, Terra Nil é mais denso do que parece. No começo, tudo parece simples, afinal basta criar fontes de energia para fazer estruturas diversas funcionarem, mas rapidamente as coisas se tornam complexas. A questão é que a quantidade de recursos é limitada, então é essencial pensar com cuidado onde e como colocar cada construção para maximizar os efeitos e não ficar travado por não ter mais fundos. Os objetivos adicionais, como a criação de biomas ou a mudança de clima, são ainda mais intrincados, exigindo planejamento cuidadoso dos passos.


No começo, sofri um pouco para avançar. Nas configurações padrão, o jogo só explica levemente o que deve ser feito e só é possível desfazer um único movimento. Por causa disso, foi difícil avançar, pois eu precisava testar e entender as possibilidades de cada construção, cujos efeitos nem sempre são óbvios. O texto em português também não ajuda, pois não é tão claro.

No entanto, com o passar do tempo, entendi as nuances e consegui avançar — nesse momento, Terra Nil se tornou difícil de largar. Particularmente, apreciei muito a liberdade: existem diversas maneiras de alcançar os objetivos. Além disso, as várias ferramentas instigam a criatividade e permitem alterar profundamente a topografia dos locais. Experimentação é essencial para aproveitar o jogo.


É impressionante também a variedade de situações de acordo com a região. Na área polar, por exemplo, criamos rios de lava para purificar o solo e utilizamos usinas termais para conseguir energia; em uma cidade submersa, o desafio é conseguir criar ilhas com a areia do oceano sem comprometer as estruturas tectônicas — exagerar na dose pode resultar em um maremoto capaz de destruir nosso trabalho; já na região tropical, cultivamos corais em incubadoras e utilizamos monotrilhos para levá-los ao mar aberto. Utilizar os vários recursos para atingir os objetivos funciona como puzzles instigantes.

A geração procedural ajuda a trazer diversidade às partidas, por mais que eu tenha sentido falta de mais elementos únicos, como objetivos diferentes. Para tentar compensar, cada região conta com um estágio adicional com complicações únicas — os desafios são avançados, exigindo domínio das mecânicas para serem completados. Torço para que no futuro a desenvolvedora inclua mais diversidade de conteúdo.



Nas dificuldades da recuperação ambiental

Dominar as ferramentas é imprescindível para avançar em Terra Nil, principalmente as sinergias entre as construções. A liberdade é notável, porém é também um dos maiores problemas do título. Caso você não tome cuidado, existe a possibilidade de acabar em um estado impossível de avançar, seja por falta de recursos para construir novos elementos, seja por problemas graves na topografia. Nessas situações, a única solução é recomeçar o estágio, o que é um pouco frustrante.

A progressão durante os estágios também é um pouco estranha. As etapas de recuperar os biomas e de encontrar os animais às vezes exigem configurações muito específicas, mas não há como antecipar o que precisa ser feito, o que dificulta ou impossibilita algumas opções. Isso me chateou um pouco, no entanto, nas partidas seguintes, a progressão foi mais suave por eu já saber melhor o que me esperava.


Por sorte, há opções para customizar a dificuldade das partidas. É possível alterar o preço de estruturas, ativar dicas contextuais ou até mesmo ligar o “modo zen”, que remove completamente o custo de construções. Já aqueles que gostam de mais desafios podem habilitar restrições mais severas.

Perdendo-se na beleza suave da natureza

A atmosfera de Terra Nil oferece uma experiência meditativa e tranquila. Isso se dá pela suavidade da ambientação com seus belos cenários, trilha sonora graciosa e o foco constante em elementos da natureza. O visual se destaca pelos biomas construídos com esmero, com direito a pequenos detalhes, diferentes eventos climáticos e animais. Há também um manual com ilustrações caprichadas das estruturas e da fauna.

Para mim, a melhor característica do jogo é ver o cenário sendo transformado por nossas mãos. Acho impressionante começar com uma terra arrasada e terminar com um cenário exuberante e repleto de vida. Quando dominei as mecânicas, passei a fazer escolhas mais conscientes, que me permitiram montar cenários ainda mais belos. Há ainda uma ferramenta para apreciar e tirar fotos das áreas rejuvenescidas — com o zoom no máximo, podemos observar os animais e a fauna com incrível nível de detalhes.


No entanto, alguns problemas no visual incomodam. Conforme avançamos na recuperação dos estágios, os cenários ganham mais detalhes, como florestas, corais e estruturas maiores. Acontece que esses objetos obscurecem pontos de interesse, o que dificulta posicionar certas construções. Um contorno colorido aparece nos espaços válidos, porém ele é fraco e difícil de ver. Um maior contraste visual entre esses elementos ajudaria na clareza.

Claramente há uma mensagem em Terra Nil sobre as consequências do descuido com a natureza, assim como a importância de restaurá-la. Um ponto digno de nota é que os desenvolvedores também estão preocupados com o mundo real e, por causa disso, parte dos lucros do jogo será doada para a Endangered Wildlife Trust, uma ONG focada em conservar os ecossistemas do leste e do sul da África.



Restauração estonteante

Terra Nil é uma interpretação criativa e peculiar do gênero de construção e estratégia. É interessante utilizar diferentes estruturas para purificar áreas e restaurar a natureza, especialmente por causa dos elementos que lembram puzzles e da necessidade de usar com sabedoria os poucos recursos. Dispositivos de usos variados e regiões com desafios distintos incentivam a experimentação e a criatividade.

A ambientação cativa, investindo em música minimalista, cenários de natureza exuberantes e elementos visuais belamente trabalhados para criar uma atmosfera tranquila e imersiva. Porém, algumas vezes o jogo vai contra essa filosofia com situações imprevisíveis e frustrantes, assim como pequenos problemas de interface. Ao menos é possível ajustar muitas das mecânicas para uma experiência customizada.

Engenhoso e meditativo, Terra Nil é recomendado a quem deseja relaxar no meio da natureza e àqueles em busca de um desafio sem igual.

Prós

  • Conceito de jogo notável e criativo focado na restauração da natureza;
  • Mecânicas interessantes que misturam conceitos de construtores de cidade, puzzles e administração de recursos;
  • Boa variedade de situações entre as diferentes regiões;
  • Os parâmetros flexíveis permitem customizar a dificuldade;
  • Ambientação estonteante com atmosfera suave, visual elaborado e música tranquila.

Contras

  • Presença de situações que impedem completamente o progresso e demandam reiniciar o estágio do zero;
  • Pouca variedade de conteúdo e objetivos a longo prazo;
  • Interface com pequenos problemas de clareza.
Terra Nil — PC/iOS/Android — Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Devolver Digital

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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