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Análise: Octopath Traveler II (Multi) traz novas aventuras em um JRPG que mescla o clássico e o moderno

O novo episódio da série refina levemente o que deu certo, resultando em uma experiência familiar e conservadora.

Octopath Traveler II
resgata as ideias de JRPGs do passado e as moderniza com inúmeros conceitos interessantes. O jogo cativa com seu elaborado sistema de batalha por turnos e com a progressão aberta das histórias dos heróis. Além disso, é difícil não ficar impressionado com o visual único que mistura 2D e 3D e com a trilha sonora excepcional. A sequência de Octopath Traveler refina as características do original, mas, no fim, acaba sendo similar demais e repete muitos dos seus problemas. O resultado é uma aventura envolvente, apesar de suas falhas.

 
O novo título não é de fato uma continuação: os sistemas e mecânicas estão praticamente intocados, mas a aventura se passa em um mundo diferente e conta com oito protagonistas inéditos. Com isso, não é necessário ter jogado o episódio anterior para poder aproveitar este novo.

Acompanhando oito novos contos

O palco da vez é Solistia, uma região que está passando por mudanças com o surgimento de máquinas a vapor e outros dispositivos. A presença de magia e misticismo ainda é forte, mas há um ar de modernidade muito bem-vindo, resultando em uma fantasia medieval com toques contemporâneos. É neste universo que acompanhamos oito diferentes viajantes com motivações próprias, e a progressão das tramas é bem aberta — podemos fazer os capítulos em qualquer ordem, respeitando algumas limitações.


Um ponto notável em relação a outros JRPGs, que normalmente contam com tramas mirabolantes e épicas, é que as histórias dos personagens de Octopath Traveler são muito pessoais e às vezes nada usuais. Há de tudo um pouco, partindo de premissas simples (como Agnea trabalhando para alcançar o seu sonho de ser uma dançarina famosa), passando pelo inusitado (como a trama de investigação de Temenos) e, claro, apresentando também o tradicional (como Ochette e sua missão de impedir um evento maligno que possivelmente vai destruir sua ilha-natal).

Particularmente, achei os personagens e tramas mais cativantes que as do primeiro título, principalmente por causa do texto mais elaborado e ousado. Além disso, aparecem situações curiosas que saem um pouco do padrão do gênero. Ainda existem muitos clichês pela narrativa, certos temas são um pouco desinteressantes e os enredos carecem de profundidade e desenvolvimento. Mesmo assim, as histórias são repletas de carisma e personalidade, o que as tornam envolventes — basta relevar algumas de suas inconsistências.


A narrativa é estruturada em capítulos para personagem, e esses episódios podem ser feitos em qualquer ordem, o que traz certa liberdade à aventura. No primeiro jogo, cada capítulo tinha uma estrutura fixa de ver cenas em uma cidade, atravessar um calabouço simples e enfrentar um chefe no final. Octopath Traveler II melhora um pouco isso com estruturas mais variadas, como capítulos que não contam com chefes ou tramas que se passam em diferentes localidades. Os recursos narrativos também estão mais variados, como os trechos de investigação de Temenos e as inúmeras missões opcionais de Partitio.

A natureza aberta da progressão traz liberdade à aventura, mas isso acaba criando problemas. O principal deles é uma desconexão entre as tramas: durante os capítulos de cada personagem, é como se os outros heróis não existissem. Além disso, tem algumas inconsistências, afinal cada linha de história tem urgências diferentes, mas certos personagens parecem não se importar em esperar ou fazer coisas inúteis — é difícil achar normal que Hikari, Oswald e Ochette, que têm missões muito sérias, aceitam passar semanas na companhia de Agnea e Partitio, que têm objetivos de pouco impacto.


Há algumas tentativas de remediar essas questões. Durante os capítulos, os personagens protagonizam conversas curtas que exploram levemente suas personalidades. É uma ideia interessante que já estava presente no primeiro título, porém a simplicidade dos diálogos pouco contribui para o desenvolvimento dos heróis. Uma novidade no segundo episódio é a introdução dos Crossed Paths, histórias opcionais focadas em uma dupla de personagens. É uma tentativa notável de resolver o problema, mas não é suficiente: as tramas são extremamente simples e subdesenvolvidas. No entanto, é um passo para o caminho certo e torço que seja melhor explorado em títulos futuros.

Caminhando por um mundo simples, mas envolvente

Em suma, Octopath Traveler II é um JRPG clássico tradicional. Na companhia dos heróis, exploramos Solistia enquanto avançamos nas tramas individuais. A estrutura do mundo é bem usual, com cidades e calabouços interligados por estradas. Além de caminhar, na sequência os heróis também podem adquirir um barco, o que permite visitar ilhas e procurar por conteúdo opcional, como altares com técnicas poderosas, inimigos formidáveis e Jobs secretos.

Os campos e calabouços são extremamente simples e lineares, não apresentando puzzles ou outros mecanismos para instigar a exploração — quando muito, há um caminho alternativo com um baú no final. Curiosamente, não acho isso um ponto negativo, pois isso deixa a progressão mais direta e focada, sem enrolação desnecessária. Essa decisão também reforça a intenção do jogo, que é oferecer uma aventura aberta e com foco em combate e narrativa. Claro, isso deixa a ação de desbravar um pouco sem graça, mas há alguns outros recursos para tentar compensar essas ausências.


Uma mecânica icônica de Octopath Traveler que está de volta no segundo capítulo são as Path Actions. Por meio delas, podemos interagir com as pessoas do mundo de maneiras diversas, como recrutar habitantes, obter itens (comprando, roubando ou recebendo de presente), duelar para aprender novas técnicas ou obter informações. Agora cada herói conta com duas Path Actions, uma disponível durante o dia e outra durante a noite — o horário pode ser trocado instantaneamente com o toque de um botão. Essas habilidades têm uso muito diverso, como resolver situações durante a trama ou executar passos de missões paralelas.

Esse sistema tem um conceito criativo, mas, na prática, é bem limitado. O maior motivo disso é a repetição de habilidades: elas se resumem a fazer uma pessoa seguir o personagem, obter itens, nocautear guardas ou então conseguir informações. Claro, há pequenas variações, como Hikari usando suborno para conseguir informações ou Temenos coagindo alguém a falar por meio da força, mas, no fim, o resultado é o mesmo. Isso já era um ponto negativo no original e é uma pena que pouco tenha sido feito para remediar isso nessa sequência.

Participando de combates estratégicos impressionantes

Assim como as demais inspirações, o combate de Octopath Traveler II é uma mescla de tradicional e moderno. Na essência, o conceito é o clássico por turnos, ou seja, a cada rodada, cada personagem pode executar uma ação. Porém, há vários detalhes que tornam os embates bem empolgantes.

A mecânica mais importante da batalha é o Boost. A cada rodada, cada herói recebe um ponto, que pode ser utilizado para melhorar a eficiência de habilidades ou aumentar o número de vezes que uma ação é executada. É possível consumir até quatro pontos em um único turno. Outro conceito importante é a fraqueza: cada oponente tem pontos de defesa, que são diminuídos quando exploramos suas vulnerabilidades a armas e elementos específicos. Quando toda a defesa é esgotada, a próxima ação do inimigo é interrompida e ele recebe mais dano. Dominar essas duas mecânicas é essencial para sair vitorioso, em especial nos chefes.


Cada personagem tem um Job (profissão) com ataques e técnicas únicas. O mercador pode usar dinheiro para invocar mercenários, a boticária mistura ingredientes para criar efeitos diversos, a caçadora é capaz de capturar monstros e depois chamá-los durante os combates, e assim por diante. É possível utilizar habilidades de outros heróis por meio de Jobs secundários, com direito a sinergias interessantes, o que expande as opções estratégicas.

De novo, Octopath Traveler II introduz os Latent Powers, uma habilidade especial exclusiva de cada herói que pode ser ativada após preencher uma barra. Algumas são simples, como ter acesso a ataques exclusivos (Hikari e Ochette), já outras são bem específicas, como diminuir pontos de defesa com qualquer ataque (Temenos) ou fazer técnicas acertarem todos os inimigos ou aliados (Agnea). Os Latent Powers, quando utilizados na hora certa, são capazes de mudar drasticamente o rumo da batalha


O combate, de longe, é a melhor característica do jogo. É desafiador e variado na mesma medida, com muitos inimigos que exigem estratégias diferentes e experimentação — é raro sair vitorioso de batalhas complicadas sem pensar com cuidado cada movimento. Além disso, o sistema de jobs é robusto e há muito espaço para criar diferentes combinações de personagens. Desta vez, inclusive, após certas condições, é possível equipar um mesmo Job secundário em mais de um personagem, o que deixa as coisas ainda mais flexíveis. Para mim, parte da graça é justamente descobrir combinações interessantes e poderosas.

Os chefes, em especial, são notáveis, pois mexem um pouco nas regras básicas. As fraquezas deles mudam constantemente durante as batalhas, forçando-nos a readaptar as estratégias. Além disso, é essencial usar o Boost com sabedoria para interromper investidas devastadoras ou contornar alguma mecânica única. Com isso, essas batalhas funcionam quase como puzzles.


Na essência, em relação ao primeiro, o combate não teve mudanças significativas fora a introdução dos Latent Powers. Muitos outros problemas também persistem, como a presença de tentativa e erro para identificar as fraquezas dos inimigos, a necessidade de fazer grind para conseguir sobreviver pelas áreas mais avançadas e uma complicação desnecessária para mudar o grupo ativo (é necessário visitar um bar para trocar os membros da equipe). Não que o combate precisasse de muitas mudanças, na minha opinião ele continua excelente, mas um pouco mais de ousadia não faria mal.

Perdendo-se em um universo deslumbrante

De longe, o detalhe que mais chama a atenção em Octopath Traveler II é o seu visual, que utiliza o estilo que ficou conhecido como HD-2D, ou seja, uma mistura de cenários 3D com personagens 2D pixelizados. Pode parecer uma combinação estranha, mas o resultado é impressionante: com a ajuda de efeitos de iluminação, camadas e truques de câmera, temos a sensação de estar explorando uma bela maquete.


Pode não parecer, mas houve um grande salto no visual no segundo episódio. Os personagens e monstros contam com ilustrações e animações mais detalhadas, texturas e cenários estão mais elaborados e há maior variedade de localidades. As cenas não interativas estão mais imersivas por causa do uso de ângulos de câmera mais ousados e dinâmicos. O resultado é simplesmente um mundo estonteante.

O compositor Yasunori Nishiki, responsável pela trilha sonora do primeiro jogo e de Triangle Strategy, retorna com composições impressionantes repletas de violinos, flautas e guitarras. Os temas de batalha pulsam com melodias memoráveis que emanam energia, as faixas dos cenários complementam a ambientação perfeitamente e as músicas-tema de cada herói representam de forma ímpar a personalidade de cada um deles. Destaco também a excelente dublagem, tanto em inglês quanto em japonês: ela dá vida aos personagens e torna as tramas ainda mais envolventes.



Uma aventura nostálgica e singular

Octopath Traveler II combina várias boas ideias em um JRPG notável, apesar de se arriscar pouco. Acompanhar oito viajantes bem distintos é envolvente, pois suas tramas saem do lugar-comum do gênero e os heróis esbanjam carisma. Além disso, o reino de Solistia encanta com seus vastos cenários, mesmo que os mapas e atividades sejam simples demais. O visual continua estonteante e a trilha sonora é repleta de composições impressionantes.

O grande destaque é o combate por turnos altamente estratégico que nos desafia a agir com cuidado para conseguir vencer. As batalhas contra os chefes, em especial, são bem memoráveis e interessantes. O sistema de Jobs nos permite experimentar diferentes abordagens táticas, e as inclusões sutis, como os Latent Powers, abrem ainda mais opções na hora de lidar com os monstros.

Talvez o maior problema aqui seja a falta de ousadia: as novidades e alterações, em relação ao antecessor, são muito discretas. Não só isso, algumas questões negativas recorrentes, como a falta de interação entre os personagens e as tramas truncadas, receberam avanços tímidos — a série evoluiu um pouco, mas ainda não foi suficiente.

No fim, apesar de suas falhas, Octopath Traveler II é uma experiência sem igual que moderniza e flexibiliza os conceitos de JRPGs de outrora.

Prós

  • Elenco de personagens carismático e com tramas diversas;
  • Sistema de batalha robusto e com vastas opções estratégicas;
  • Mundo extenso e repleto de atividades opcionais;
  • Visual elaborado que mistura elementos 3D e 2D;
  • Trilha sonora excepcional.

Contras

  • Tramas desconexas, superficiais e inconsistentes, apesar de tentativas de remediar esses problemas;
  • O sistema de Path Actions é limitado e continua simples demais, a despeito das adições;
  • Calabouços e cenários com mapas desinteressantes;
  • Algumas decisões duvidosas do primeiro seguem intocadas, como elementos de tentativa e erro e dificuldade na hora de reorganizar o grupo.
Octopath Traveler II — PC/PS4/PS5/Switch — Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Vitor Tibério
Análise produzida com cópia digital cedida pela Square Enix

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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