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Análise: The Symbiant (PC) é um BL com ótimos personagens, mas com muito para melhorar

O título traz um belo casal e alguns assuntos interessantes de ficção científica, mas peca pela falta de refinamento audiovisual e narrativo.


Desenvolvido e publicado pelo estúdio independente HeartCoreDev, sob a direção de Irlana e Fable et Grimoire, The Symbiant é uma visual novel de romance entre garotos — ou Boys Love (BL) — com ambientação de ficção científica. O título aborda o conceito biológico de “simbiose”, uma relação duradoura entre dois seres vivos de espécies distintas, associando-o ao sistema imunológico e ao prazer sexual. Ao mesmo tempo, explora a compatibilidade ou não de um relacionamento simbiótico desse tipo com um relacionamento monogâmico tradicional.

Uma narrativa interativa simplista, mas com alguns bons conceitos e personagens

Escrita por Irlana, a história de The Symbiant se passa no ano de 5066, quase inteiramente dentro de uma nave espacial que transporta cargas entre planetas. A nave possui apenas dois tripulantes: um terraquéo chamado Danyae (protagonista) e sua melhor amiga, Juniper, uma alienígena humanoide lésbica de pele verde, originária de Tulrorth, a segunda maior lua de Ognutera. Com exceção da Terra, os outros locais mencionados no jogo são todos fictícios.

O ritmo da narrativa é bastante linear, e a história em si é um tanto curta (aproximadamente 6 horas). A única forma de interação é via opções de diálogo. Há algumas cenas que são reveladas de acordo com escolhas específicas de diálogos, mas são casos raros e pouco relevantes para o desfecho da trama. À parte esses casos, os outros momentos de escolhas de diálogo não alteram em nada o enredo ou então são cumulativas, o que significa que você pode escolher todas as opções na ordem que quiser.


O jogador segue Danyae, que conhece um delicado e charmoso alienígena humanoide de pele azul da subespécie Odariano e que se chama Brahve. Como passageiro da nave, ele traz consigo uma carga misteriosa que precisa ser entregue em alguns dias. Durante esse período de viagem, praticamente toda a história se desenrola dentro da nave, com ênfase na misteriosa encomenda e em torno do relacionamento entre o humano e o Odariano, os quais começam a se dar muito bem juntos e desde cedo sentem-se atraídos um pelo outro.

Em pouco tempo, logo fica claro que a encomenda não é exatamente “algo”, mas “alguém”; ou talvez um pouco dos dois? Trata-se de Oatith, uma criatura da espécie Derata, própria do planeta Uolum, que se comunica de uma forma peculiar; Brahve consegue entendê-lo, mas não Danyae. A criatura é imóvel, mas possui desejos sexuais que só podem ser satisfeitos por outras espécies. Sua forma assemelha-se a uma cápsula cuja parte superior abre-se em uma boca com vários tentáculos avermelhados. Só por essa descrição talvez já se possa supor como são satisfeitos seus desejos…


Por outro lado, Brahve é apresentado como um pesquisador dentro de uma área que chamaríamos hoje de exobiologia. Ele fala de coisas interessantes sobre o universo e diferentes espécies, mas também me fez sentir falta de que as referências espaciais fossem melhor aproveitadas no enredo.

A relação entre Brahve e Oatith é de benefício mútuo. A subespécie em que se enquadra o belo alienígena azulado possui a desvantagem de ter um sistema imunológico muito fraco, e a criatura que o acompanha fortifica-o temporariamente ao passo que ele mantenha práticas sexuais periódicas com ela.


Contudo, discipliná-la não é algo tão simples e Brahve costuma ter problemas para conciliar essa relação simbiótica com um relacionamento amoroso. Nesse contexto, Danyae a princípio estranha a relação entre Brahve e seu Derata, mas será ele capaz de lidar com isso e ficar junto de Brahve? Basicamente esta é a premissa do roteiro, e adianto que a resolução é bem previsível.

Quanto a Juniper, acaba sendo utilizada como um personagem secundário de apoio para o relacionamento entre os dois. Ela possui uma personalidade carismática e objetivos específicos, mas é uma pena que não tenha sido muito desenvolvida em seu papel. Sua principal função acaba sendo a de ser uma boa conselheira para seu amigo Danyae.


Acredito que o potencial maior desse enredo está na ideia de simbiose. Contudo, acaba que o conceito não é tão explorado quanto poderia. A forma física de Oatith e seu comportamento exclusivamente dedicado ao sexo fazem com que seja difícil levá-lo a sério. Além disso, o problema colocado em torno do Derata é resolvido muito rapidamente na história e as implicações a longo prazo da dependência dessa criatura e seu impacto no relacionamento acaba não sendo desenvolvido.

Outros pontos que prejudicam a experiência são alguns clichês e o tanto de conveniência para que o relacionamento se desenrole em poucos dias. Por outro lado, acho que há boas interpretações dos personagens. Durante o sexo, as atuações nem sempre são convincentes, mas de resto o voice acting mostra naturalidade na fala e transparece bem a personalidade de cada um dos três personagens. Juniper, por exemplo, é bem mais expressiva que os dois garotos, geralmente sérios e inseguros.

As legendas, traduzidas para o português por Anna Franco e Ivanir Ignacchitti, também costumam fazer jus a esses personagens. Em geral, o tom do texto é leve, mas não chega a ser informal. São todos personagens educados e por vezes um pouco retraídos. Entre eles, Juniper é um pouco mais extrovertida e aberta, enquanto Brahve é o mais tímido e formal.

Um audiovisual bastante simples, mas com belos personagens

Com arte de fundo de Rasel, The Symbiant traz um visual bastante estático, simples e limitado, não muito mais que o básico para que a trama funcione. Temos alguns poucos cenários fora da nave que podem ser vistos no começo e no final da história, os quais são ambientados em planetas diferentes, mas a partir dos quais não dá para dizer muito sobre esses lugares.

Seria interessante ter maior variedade de cenários fora da nave que refletissem diferenças sociais e ecológicas dos planetas dos personagens da trama. Essas diferenças são comentadas em diálogos, mas são pouco ou nada ilustradas. O mesmo se pode dizer sobre eventos do passado de modo geral.


Claramente a história foca-se nos acontecimentos no interior da nave, e o mesmo se reflete em termos de cenários. Há meia dúzia de imagens de corredor, dois quartos, academia e alguns outros poucos setores da nave. De modo geral, trata-se de um design muito contemporâneo e pouco especial. O fato de a trama se passar em uma nave e mais de três mil anos no futuro não parece ter sido levado a sério o suficiente para se pensar na aparência interna da nave ou mesmo no figurino dos personagens.

O design de personagens é assinado por 700HASH, e aqui está o ponto forte do audiovisual. Embora a exposição visual dos personagens seja totalmente estática e pudesse ter maior variedade, o desenho em si está bem-feito, os três personagens possuem feições carismáticas e é perceptível a dedicação para que os dois protagonistas estejam sempre limpos, arrumados e atraentes.


Também é interessante notar como o humano possui uma aparência mais realística e como os dois rapazes possuem traços que passam ambiguidade quanto às suas preferências como ativo ou passivo na relação; mesmo no caso de Brahve, o qual é um pouco mais delicado. Nesse aspecto, é algo menos caricato do que o que se costuma ver em VN BL japonesa.

Por outro lado, também há pontos fracos do ponto de vista representacional, como o fato de Brahve e Juniper serem alienígenas excessivamente humanoides, com peculiaridades biológicas bem pouco aparentes, principalmente no caso de Brahve.


Por fim, temos a música de fundo do jogo, sob os cuidados de Bright Bone, composta com sintetizadores e quase invariavelmente em um estilo lo-fi pop, com ritmo bem marcado por suas batidas, mas com melodias pouco destacadas e uma harmonia monótona e não muito intensa para acompanhar bem a leitura. Embora a escolha do estilo seja apropriada, eu senti falta de uma variedade maior de peças e de um maior refinamento do estilo. Muitas vezes soa um tanto genérico.

Há também trechos exclusivamente com efeitos sonoros. Esses momentos mais silenciosos costumam ser mais imersivos e funcionam especialmente para o sexo ou para ocasiões de suspense. O design de som poderia ser mais rico em variedade, em maior sintonia com as ações dos personagens, mas a qualidade em si me pareceu razoável. Muitas das cenas que mais gostei funcionaram muito bem só com efeitos e vozes.

Romance e ficção científica simplórios, mas ainda com uma experiência agradável

Apesar da simplicidade em todos os aspectos dessa visual novel e de a narrativa não ser tão interessante ou bem escrita quanto poderia, dado o potencial de seu mundo e o conceito de simbiose em um relacionamento, The Symbiant ainda termina sendo uma experiência agradável. Acima de tudo, sua trama possui bons personagens e um belo casal. Com algumas ressalvas, este título é recomendado para fãs de BL que estejam interessados em um pano de fundo de ficção científica e em um estilo de atuação ocidental.

Prós

  • Personagens carismáticos, bem desenhados e geralmente com atuações razoáveis;
  • Diálogos com um ritmo fluido, direto e claro;
  • Protagonistas atraentes que formam um belo casal;
  • Uma premissa interessante para se pensar monogamia somada a um caso de simbiose envolvendo relações sexuais;
  • Estilo de música e design de som adequados para a proposta.

Contras

  • Apesar de conceitos exobiológicos interessantes, esses não são bem aprofundados e nem bem desenvolvidos no enredo;
  • Ilustrações de cenário limitadas e pouco variadas que poderiam ser mais atentas e criativas em relação à temática de ficção científica e às referências do mundo do jogo;
  • Design dos personagens é pouco criativo e pouco atento às peculiaridades de exobiologia e figurino em ficção científica futurista;
  • Trilha sonora tem pouca personalidade e poderia ter maior variedade;
  • Embora com personagens bem desenhados, poderia haver maior variação em posições e mais cenas;
  • Soluções rápidas demais para o argumento da trama, fazendo uso de artificialidades e clichês;
  • História muito curta para o que se propõe e com um desenvolvimento muito rápido do casal.
The Symbiant — PC — Nota: 6.0
Revisão: Ives Boitano
Análise produzida com cópia digital cedida pela HeartCoreDev

Doutorando em Filosofia que passa seu tempo livre com piano, livros, PC e portáteis. No Twitter, também é conhecido como Vivi. Interessa-se especialmente por narrativas de ficção científica, realismo mágico e alta fantasia política, e aprecia mecânicas de puzzle, stealth, estratégia e RPG. Seu histórico de análises pode ser conferido no OpenCritic e suas reflexões sobre RPG e game design encontram-se na SUPERJUMP (textos em inglês), bem como no Podcast do Vivi e em seu canal no YouTube.
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