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Análise: SEASON: A Letter to the Future (Multi) é uma deslumbrante e contemplativa viagem de bicicleta

Registre a história de um mundo prestes a mudar nesta aventura calma e encantadora.


Qual é a sensação de testemunhar o surgimento de uma nova época? SEASON: A Letter to the Future explora essa premissa em uma serena e agridoce viagem de bicicleta. Na companhia de uma garota curiosa, precisamos registrar o presente por meio de fotos, gravações e anotações, ao mesmo tempo em que descobrimos o que acontecerá com o mundo. A simplicidade das mecânicas deixa claro que o foco está nas sensações de explorar os belos cenários, montar um diário e mergulhar na atmosfera melancólica e contemplativa. Alguns aspectos deixam a desejar, porém, no final, a jornada vale a pena.

Contemplando o surgimento de uma época

A vida em Caro, uma vila no alto das montanhas, é tranquila e confortável. As preocupações surgem quando um rapaz tem um sonho estranho, que na verdade se revela ser uma profecia: o fim da época corrente está próximo. Neste universo, a mudança de era é um evento muito significativo capaz de alterar profundamente a sociedade, porém não se sabe exatamente o que pode acontecer. Diante disso, é decidido que uma pessoa precisa deixar a vila e documentar o mundo atual para que ele seja lembrado no futuro.

A escolhida para essa tarefa é Estelle, uma garota reservada, mas também curiosa. De posse de um pingente especial capaz de protegê-la de mazelas da mente que assolam este mundo, ela sai em uma viagem para registrar para as gerações futuras tudo o que julgar notável. Usando uma bicicleta como meio de transporte, Estelle chega ao Vale Tiang, cujo destino está selado: uma velha barragem nas proximidades será demolida, o que resultará no alagamento do local. Antes disso, a garota decide explorar a região, que é conhecida por ser culturalmente rica.


O objetivo principal de Estelle é documentar histórias, locais e pessoas. Para isso, ela coleta objetos diversos, tira fotos instantâneas com uma Polaroid e registra diferentes sons com um gravador. Todos esses itens são compilados em um diário, que conta com duas páginas para cada localidade importante visitada. Um detalhe interessante é que podemos customizar livremente os registros com fotos, trechos de áudio, citações e ilustrações, de maneira similar a um scrapbook.

O vale é extenso, sendo assim, para atravessá-lo, a melhor maneira é usar a bicicleta. Há vários pontos de interesse para visitar, além de algumas poucas pessoas para conversar — a maioria dos habitantes já deixou o local. A liberdade é uma constante: podemos explorar as localidades em qualquer ordem e o preenchimento do diário é opcional. No entanto, para fazer a trama avançar, precisamos completar alguns eventos específicos.



Registrando a beleza e a melancolia com fotos e gravações

As melhores viagens que já fiz foram aquelas espontâneas sem roteiros ou programações específicas, pois consegui simplesmente aproveitar o momento. Para mim, SEASON ofereceu uma experiência similar com sua progressão aberta e atividades focadas em sensações.

Independência e autonomia regem a jornada de Estelle. A tarefa da garota é compilar o que acha notável, mas nós, jogadores, temos liberdade para escolher o que registrar. Com isso, criamos um diário de viagem pessoal com nosso olhar por meio de fotos, sons e citações. Particularmente, apreciei a mecânica de customizar as páginas do diário com diferentes itens: mesmo não tendo recompensa alguma, me envolvi na atividade de organizar os itens tentando criar combinações visualmente ricas.


Em alguns momentos, aparecem páginas no diário que exigem itens específicos, como panfletos, fotos ou memórias adquiridas ao interagir com certos objetos. Essas folhas funcionam como pequenos puzzles que ajudam a contextualizar detalhes do mundo, demandando registros bem específicos. A maioria desses desafios é bem simples de resolver, porém a solução de alguns deles não é suficientemente clara, o que gera um pouco de frustração. Felizmente essas páginas podem ser ignoradas ao custo de não conhecer alguns aspectos do mundo.

Andar de bicicleta pode parecer trivial, mas os belíssimos cenários de SEASON tornam essa atividade bem envolvente. O Vale Tiang está repleto de localidades deslumbrantes, como construções rurais, ruínas, templos e altares antigos, colinas repletas de verde e mais. Há uma vastidão que, em conjunto com a câmera mais afastada, cria cenas visualmente estonteantes. Apreciei pedalar ao acaso observando os cenários, e os gatilhos adaptáveis e a vibração diferenciada do controle DualSense do PS5, que também funciona na versão para PC, tornam essa experiência ainda mais imersiva.


Em suma, SEASON: A Letter to the Future se resume a tirar fotos, gravar sons, mexer em coisas e andar de bicicleta. Todas as atividades são relaxantes e opcionais, o que, talvez, pode trazer uma sensação de ser algo sem propósito. Para mim, foi tudo muito imersivo: eu estava realmente curioso em descobrir a história do local e de seus habitantes, e me diverti customizando o diário. No entanto, para alguns, a ausência de obrigações e de mecânicas elaboradas pode resultar em uma jornada enfadonha. Sendo assim, para aproveitar a viagem, é essencial entender a proposta descompromissada e estar disposto a mergulhar nesse tipo de experiência.

Mergulhando nas sutilezas de um mundo agridoce

Fora do passeio, SEASON intriga com sua ambientação intrincada. A construção do universo é majoritariamente indireta: aprendemos sobre esse mundo junto de Estelle por meio de placas, cartas, documentos e localidades. Curiosamente, as coisas são mais complexas do que parecem, afinal o lugar já foi assolado por uma grande guerra e agora misteriosas doenças que afetam a mente e as lembranças exigem cuidados especiais. Me surpreendi com a mistura exótica — este mundo lembra o nosso, mas com forte presença de rituais, misticismo e de estranheza. Passado, memórias e mudanças são alguns dos temas, que são explorados de forma suave e sutil.


A viagem é também muito melancólica e introspectiva. A protagonista está sozinha na maior parte do tempo e há um tom constante de transformação no ar com a chegada de uma nova época. A solidão pode parecer algo negativo, mas muitos aspectos deixam a experiência intimista, como os inúmeros comentários feitos por Estelle das coisas que aparecem pelo caminho (acompanhados de ótima dublagem), a customização do diário e as marcas que deixamos no mundo — fiquei com a sensação de estar ali naquele lugar.

As interações com os poucos personagens são bastante significativas. Cada um deles passa por algum dilema mundano, mas sensível, como luto, os desafios de ser forçado a mudar e arrependimentos sobre a vida. O tom das conversas é sereno e agridoce, e gostei de conhecer indivíduos tão pitorescos. Estelle também tem questões para resolver, inclusive com alguns dilemas pelo caminho — cabe a nós avaliar se determinados assuntos são pessoais demais para incluir ou não no registro para o futuro.

A construção indireta de mundo nos instiga a observar com cuidado todos os cantos, porém é também um dos maiores problemas de SEASON. Muitas vezes achei as coisas vagas ou obscuras demais e acredito que um pouco de clareza não seria ruim. Outro ponto negativo é o escopo da trama: a história termina abruptamente quando a aventura parece estar começando de fato, sem desenvolver satisfatoriamente muitas das questões levantadas durante a jornada.



Uma viagem de sensações

SEASON: A Letter to the Future é uma suave e meditativa viagem por um mundo em mudança. A bordo de uma bicicleta, somos convidados a registrar histórias e locais por meio de fotos, gravações de áudio e anotações, que ficam compilados em um diário customizável. Além disso, pedalar a esmo é uma atividade prazerosa, principalmente por causa das belíssimas localidades e da progressão aberta.

Memórias, melancolia e mudanças são alguns dos temas explorados no decorrer da trama, que é suave e agridoce. Muita da construção do mundo é feita de forma indireta, o que nos incentiva a explorar para conhecê-lo melhor, porém um fim abrupto e elementos subdesenvolvidos atrapalham um pouco a experiência. No fim, vale a pena se perder no imersivo universo de SEASON.

Prós

  • Ritmo suave e contemplativo, em especial ao andar de bicicleta;
  • Fotografar, gravar sons e customizar o diário são atividades relaxantes;
  • Cenários belíssimos e repleto de localidades deslumbrantes;
  • Temas interessantes e contados de maneiras instigantes.

Contras

  • Mecânicas de jogo subutilizadas e um pouco descartáveis;
  • Alguns dos poucos puzzles são desnecessariamente obtusos;
  • Trama com alguns pontos subdesenvolvidos e de conclusão abrupta.
SEASON: A Letter to the Future — PC/PS4/PS5 — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Heloísa D'Assumpção Ballaminut
Análise produzida com cópia digital cedida pelo Scavengers Studio

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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