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Análise: Forspoken (PC/PS5) é um AAA genérico em vários aspectos, mas com algumas boas inspirações

O novo título da Luminous Productions traz ricas inspirações femininas e com estética do mediterrâneo mas peca por jocosidade e falta de refinamento.


Desenvolvido e publicado pela Square Enix, sob a direção de Takeshi Aramaki e Takefumi Terada (dois importantes desenvolvedores de Final Fantasy XV), Forspoken é uma alta fantasia conectada ao mundo real (portal fantasy — ou isekai, em japonês) com mecânicas de RPG de ação em mundo aberto. O título se trata da aventura de uma jovem que é transportada de Nova York para o fantástico mundo de Athia, no qual ela precisará usar poderes mágicos para lutar contra o domínio tirânico de quatro vilãs e encontrar um jeito de retornar para seu mundo.

Uma história breve, simplória, popularesca e cheia de gracinhas

Escrita por Todd Stashwick e Allison Rymer, a história de Forspoken (com cerca de 10 horas) é quase inteiramente ambientada em um mundo fantástico chamado Athia e governado pelas Tantas, quatro tiranas chamadas Sila (Janina Gavankar), Prav (Pollyanna McIntosh), Olas (Claudia Black) e Cinta (Kendal Rae). Nesse universo, há um poder corrompendo seus habitantes e os induzindo à loucura, incluindo as quatro Tantas.

O jogador segue uma jovem negra de 20 anos chamada Alfre “Frey” Holland (na atuação de Ella Balinska) que vive solitária em um apartamento abandonado em Nova York, onde é constantemente incriminada por pequenos furtos. Ela junta dinheiro para finalmente tentar a vida em outro lugar, mas acaba encontrando um bracelete mágico falante que a leva para o mundo de Athia.


O bracelete conversa constantemente com Frey, comentando sobre suas ações e escolhas, além de servir como guia para introduzi-la àquele universo. Mais importante: ele dá poderes à protagonista, que passa a ser capaz de usar forças elementais além de  correr e praticar parkour com uma perfeição e agilidade incríveis.

Logo ela percebe que há algo muito errado com aquele mundo, há criaturas hostis por todos os lados e humanos transformados em zumbis. Ao chegar na cidade mais próxima, é tratada como uma invasora e lá aprisionada. Contudo, também parece haver algo de muito errado entre os humanos. Alguns deles são de certo modo corrompidos por uma espécie de loucura, e uma das vítimas foi justamente a tirana que governa a cidade, Tanta Sila.


Após conquistar a confiança do povo local, Frey resolve se vingar de Sila pelo mal que causou em seus próprios subordinados. Porém esse é apenas o começo de sua aventura. Sila é conhecida como “Tanta da Força” e possui também outras colegas que reinam naquele mundo e estão acometidas da mesma insanidade. As demais são Prav, a Tanta da Justiça; Olas, a Tanta da Sabedoria; e Cinta, a Tanta o Amor.

Cada uma das Tantas pode ser encontrada em uma diferente região de Athia, subdividida entre os territórios contíguos de Junoon, Visoria, Praenest e Avoalot. Após derrotar cada uma das vilãs, Frey obtém novos poderes que facilitam sua locomoção por esses diferentes locais.


Em exploração de mundo aberto, o jogo oferece também várias missões de fundo, sendo Athia um mundo com vários mistérios para desvendar através de documentos e sidequests, desde o passado das Tantas e formação daquele universo até seu vínculo com o mundo real. O objetivo do jogo é muito simples: trazer a paz àquele mundo, voltar para o real e dar uma perspectiva de vida nova e melhor para Frey.

Certamente, o ponto mais fraco deste jogo está em sua narrativa. Não que ela seja de todo ruim, porém é breve, pouco interessante e repleta de clichês literalmente a todo momento, já que Frey e seu bracelete mágico fazem questão de piadinhas, gracejos e comentários banais sobre tudo que você vê ou faz. As atuações possuem alguns pontos altos, mas seguem de modo geral um estilo jocoso, caricato e popularesco, o que torna difícil levar a história a sério, ao mesmo tempo em que o game não é exatamente uma obra de comédia.


Um agravante é a construção fantástica do mundo ficcional: não se trata de um universo muito bem explicado e construído. Há várias arbitrariedades e conveniências que tornam difícil também levar a sério o enredo. Não há apenas lacunas em explicações sobre a história do mundo e sua conexão com o real, mas também as sidequests não são bem escritas, algumas simplesmente fazem aparecer hordas de inimigos para matar em um tempo determinado, como se Athia fosse um “parque de diversões” regido por missões e pontuações, e não um projeto ficcional organicamente construído.

Os problemas da escrita não estão apenas no cenário, mas também na trama principal. Vários eventos ocorrem muito rapidamente, algumas cenas que poderiam ter mais peso emocional acabam não o tendo por serem tão abruptas, e pelos personagens secundários tenderem a ser subdesenvolvidos. A jornada de Frey também é curta e simples demais, linear e bastante previsível, além de ter vilãs sem profundidade, o que é uma pena, pois o conceito de virtudes corrompidas tinha um bom potencial a ser explorado.

Uma gameplay ágil e engajante, mas pouco refinada

Sob os cuidados de Masashi Takizawa (designer dos sistemas de RPG de Final Fantasy XV), o universo e os sistemas de Forspoken foram projetados para criar uma experiência de mundo aberto com cidades detalhadas, bastante agilidade e praticidade para explorar as áreas inabitadas, uma variedade de sidequests e belas paisagens para bater fotos com o smartphone da Frey (o que também faz parte de uma missão secundária).

As quatro regiões de Athia possuem um tamanho razoável, cada qual com um bioma distinto, porém elas não são muito variadas e interessantes internamente. O estilo de design é um tanto homogêneo, com vários inimigos espalhados e uma série de monumentos, baús, templos abandonados e pontos de sidequest que geram várias experiências curtas, fragmentadas, genéricas e mal contextualizadas naquele mundo ficcional.


Todavia, esse design de mundo cumpre a função de dar recursos para Frey aperfeiçoar suas habilidades e equipamentos. A protagonista pode descansar em casinhas abandonadas espalhadas por essas regiões, onde pode obter itens, informações, dormir, se reencontrar com gatinhos mágicos e, através de uma mesa de trabalho praticar crafting de itens ou refinar seus equipamentos atuais.

O gerenciamento é bastante simples. A personagem pode equipar apenas uma capa e um colar. As capas e colares possuem atributos diferentes de defesa e outros, podendo ser munidos com artefatos mágicos, adicionando a eles benefícios como maior resistência a veneno ou maior dano de ataque mágico. A parte mais peculiar da customização está nas unhas da protagonista, é possível pintá-las com dois estilos  (um para cada mão), o que melhora suas estatísticas para o combate de forma semelhante aos equipamentos.


O design de batalha foi dirigido por Takayuki Kanbayashi (um dos líderes de game design de Final Fantasy XV) e acompanha a agilidade da proposta para a exploração do mundo. O parkour também pode ser usado para esquiva durante as batalhas e as magias podem ser conjuradas com grande praticidade. Há três magias para serem equipadas simultaneamente uma de suporte, que demora algum tempo para ser carregada, uma de ataque contínuo e uma mais poderosa que pode ser conjurada quando o triângulo no canto inferior direito for  preenchido.

Há uma variedade de magias até que razoável, considerando que se ganha novas árvores de habilidades a cada Tanta derrotada e você pode aperfeiçoar e desbloquear poderes investindo pontos de mana que podem ser adquiridos durante a exploração. O problema é que viajar pelo mundo coletando esses pontos de magia e fazendo sidequests desinteressantes não é algo muito prazeroso e que na prática as batalhas não são difíceis, desde que você guarde seus consumíveis de cura para os chefes, tenha paciência com o dano e fique sempre se esquivando (a esquiva é infalível).

Como um todo, a experiência de jogo é algo simples e genérico tanto em combate quanto em level design, infelizmente com alguns conceitos interessantes subdesenvolvidos, como acerca das unhas da protagonista. Contudo, a gameplay consegue ter um ritmo ágil engajante que possui uma ótima sinergia com o seu design visual.

Audiovisual bem inspirado, mas com pontos medianos ou baixos em alguns aspectos técnicos e em trilha sonora

Sob a direção de Yuki Matsuzawa, a arte de Forspoken foi construída usando a Luminous Engine, motor que dá nome ao estúdio Luminous Productions e que foi usado em Final Fantasy XV, com mesmo diretor de arte. Essa engine parece promissora para jogos realísticos da Square Enix, mas continua problemática para os PCs. Embora tenha suporte para DLSS, a otimização está muito ruim e não se justifica no que o jogo entrega em termos de detalhismo gráfico e aproveitamento de ray tracing. Felizmente, há atualizações a caminho que devem melhorar a performance, pelo menos um pouco.

Infelizmente, o design de interface é genérico, não havendo nenhuma interação muito rica com a IA de NPCs ou de inimigos, e as paisagens poderiam ser melhores, considerando a textura do chão, renderização de árvores e outras estruturas a longo alcance, entre outros elementos. Além disso, há um excesso de aspecto mágico nas cores do mundo, principalmente nos céus.


Falta sutileza e polimento nesse jogo, mas não significa que seja de todo ruim. O design visual de Forspoken se destaca por sua arquitetura bem-feita, com inspirações renascentistas misturadas com conceitos estéticos do oriente médio.

Inspirações mediterrâneas e mitológicas também podem ser percebidas  nos figurinos dos personagens, além de haver uma boa representação feminina no elenco, o que é um grande destaque no mercado atual de RPGs, sobretudo no Japão. Confira um pouco da atuação da protagonista no trecho de vídeo abaixo.
A trilha sonora original (OST) foi composta por Bear McCreary (compositor de God of War Ragnarök) e Garry Schyman (compositor da série BioShock). Esses músicos possuem ótimos trabalhos imersivos em seus currículos, mas também vários outros medianos, e infelizmente Forspoken se juntou a esse segundo grupo de suas OSTs.

O tema principal e algumas outras peças possuem voz e batida pop que geram um contraste interessante com base orquestral, dando alguma personalidade ao game. Mas de modo geral, o que ouvimos é um estilo orquestral mais típico de RPG de ação ocidental com ênfase dramática, já que o jogador encontra-se quase sempre em meio a batalhas.

Sinto que a identidade musical de Forspoken poderia às vezes ter maior sintonia étnica, em consonância com as inspirações arquitetônicas e de figurino. Contudo, o saldo é mais positivo, pois consegue cumprir bem sua função como música de fundo e capturar o clima belicoso e tenso do mundo corrompido de Athia.

Uma rápida estadia em um mundo não tão interessante

Apesar dos pontos baixíssimos de sua narrativa e da mediocridade de vários aspectos de gameplay, ambientação e otimização, Forspoken traz alguns conceitos únicos para figurino e arquitetura, bem como um elenco feminino diverso e fresco para o mercado de videogames, com combate dinâmico e fluido que ocorre de forma prática e suculenta. O título é recomendado, com algumas ressalvas, para quem está atrás de uma experiência de RPG de ação mais casual e com algumas inspirações artísticas diferenciadas e femininas.

Prós

  • Algumas boas inspirações para figurino e arquitetura;
  • Gráfico bonito em alguns aspectos, com especial cuidado a efeitos especiais e  modelagem de personagem;
  • Elenco feminino diverso e com algumas boas atuações;
  • Exploração e combate bastante ágeis, dinâmicos e suculentos;
  • Customização e gameplay com um design prático e acessível.

Contras

  • Narrativa curta, desinteressante e com uma escrita fraca;
  • Muitas atuações jocosas e caricatas que prejudicam a seriedade da trama;
  • Level design pouco inspirado, desinteressante e pouco orgânico;
  • Combate muito simples e repetitivo;
  • Customização muito limitada;
  • Má otimização para PC.
Forspoken — PC/PS5 — Nota: 7.0
Versão usada para análise: PC
Revisão: Juliana Piombo dos Santos
Análise produzida com cópia cedida pela Square Enix

Doutorando em Filosofia que passa seu tempo livre com piano, livros, PC e portáteis. No Twitter, também é conhecido como Vivi. Interessa-se especialmente por narrativas de ficção científica, realismo mágico e alta fantasia política, e aprecia mecânicas de puzzle, stealth, estratégia e RPG. Seu histórico de análises pode ser conferido no OpenCritic e suas reflexões sobre RPG e game design encontram-se na SUPERJUMP (textos em inglês), bem como no Podcast do Vivi e em seu canal no YouTube.
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