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Análise: Company of Heroes 3 (PC) traz melhorias e novas histórias da Segunda Guerra Mundial

Embora com melhorias não tão significativas e alguns problemas nas campanhas, esta é atualmente a melhor entrada na série.


Desenvolvido pela Relic Entertainment, dirigido e produzido por David Littman, e publicado pela Sega, Company of Heroes 3 é a terceira entrada na série Company of Heroes, principal referência na indústria de videogames em estratégia em tempo real (RTS) ambientada em guerras modernas. Com melhorias em mecânicas e em visual, o game segue a tendência de seus antecessores de ficção histórica na Segunda Guerra Mundial, porém alternando sua fórmula de RTS com uma gameplay em grande escala de estratégia por turnos (TBS) com um enfoque temático em campanhas militares menos lembradas, particularmente as expedições militares da Aliança contra as tropas do Eixo na península itálica e no norte da África.

A Campanha do Norte da África (1940-1943) e a Invasão da Itália em 1943

Escrita por Philip Harris, a trama de Company of Heroes 3 é uma ficção histórica contada por falas durante o jogo, algumas pequenas cinemáticas e ilustrações com personagens que fazem parte da força dos Aliados e narram suas histórias em expedições militares do final da Segunda Guerra Mundial na Itália e no norte da África. No primeiro caso, acompanhamos principalmente os soldados britânicos, os quais contam também com a ajuda dos Estados Unidos e dos Partisans italianos, apoiadores de um novo governo pró-Aliados após a queda do ditador fascista Benito Mussolini em 1943.

A invasão da Itália pelos Aliados começou em 10 de julho de 1943, com a Operação Husky, um desembarque anfíbio na Sicília liderado pelas forças americanas e britânicas. Em seguida, em setembro daquele ano, os Aliados lançaram a Operação Avalanche, um desembarque na região de Salerno, na costa ocidental da Itália. A partir daí, as forças Aliadas avançam pelo território italiano, lutando contra as tropas alemãs que ocuparam massivamente o país peninsular.


Nessa investida, senti falta de mais referências à União Soviética no jogo. Embora ela não tenha enviado tropas nesta invasão, ela foi crucial para forçar o deslocamento das tropas alemãs para a Frente Oriental, além disso, contribuiu com suprimentos e operações de inteligência e espionagem. Em vez disso, deram maior presença aos indianos, os quais historicamente não tiveram uma participação significativa na Itália.

Por outro lado, a Índia era colônia britânica durante a Segunda Guerra Mundial, e sua artilharia foi decisiva em outras frentes, ao lado do Exército Britânico, incluindo a Campanha do Norte da África (1940-1943), onde as tropas indianas lutaram ao lado das tropas britânicas contra as forças alemãs e italianas. Esse é o palco da segunda campanha do jogo, e cronologicamente antecede a Campanha da Itália, em um momento em que os italianos ainda faziam parte do Eixo.


O interessante dessa segunda abordagem histórica é que ela propicia uma experiência mais defensiva e de contra-ataque, enquanto que a campanha na Itália é mais ofensiva. Tudo começa com as forças do Eixo (lideradas pela Alemanha) invadindo o norte da África em 1941. Inicialmente foi uma operação frustrada pelos britânicos na Batalha de Gazala, mas as linhas britânicas são rompidas em Tobruk, capturando a cidade no ano seguinte. A resposta dos britânicos foi a Operação Crusader, que cercou as forças do Eixo em Tobruk, levando-os a se renderem.

Essa operação marcou uma virada nos confrontos do mediterrâneo. Na sequência, as forças dos Aliados começaram a avançar em direção a Túnis, na Tunísia. Em novembro de 1942 os Aliados desembarcaram também no Marrocos e na Argélia para lutar contra armadas italianas no que ficou conhecido como Operação Tocha. Mesmo com os italianos recebendo apoio das forças alemãs, os Aliados resistiram e, em maio de 1943, as forças do Eixo se renderam, o que marca o fim da Campanha do Norte da África.


Essas operações e outras acontecem durante o decorrer do jogo, mas é bom salientar que boa parte das missões também são ficcionais e os detalhes de como se deram algumas das batalhas não está preciso no game. Isso não é assim por incompetência, mas sim porque as missões foram projetadas também pensando na diversidade de level design e na variedade de escolhas possíveis do jogador.

Diferente das tramas anteriores da série, o enredo de Company of Heroes 3 não apenas possui dois ramos complementares, mas também a jornada em cada um deles se dá de modo não linear. O jogador pode escolher por seguir as sugestões de um general ou de outro para prosseguir em suas missões, gerencia recursos para ampliar suas tropas e as controla em um mapa, como em War (o clássico jogo de tabuleiro de guerra), engajando-se em operações ofensivas e defensivas, incluindo conflitos opcionais que podem ser automatizados e “pulados”, se o jogador preferir.


Acredito que as duas campanhas de Company of Heroes 3 são as mais interessantes da série até agora, explorando histórias menos típicas em um formato lúdico e não linear. Por outro lado, senti falta de uma maior representação da população civil e do lado sombrio e traumático da guerra, além de um maior aprofundamento histórico no papel da Itália pró-Eixo durante as expedições na África e depois na sua conversão para o bloco pró-Aliados.

Os italianos aparecem como apoio durante a campanha na Itália, mas há pouco peso narrativo, salvo algumas sidequests pouco relevantes. Os inimigos aparecem simplesmente como alvos durante as campanhas e não há uma maior reflexão sobre isso. A Itália, por ser um país que mudou de eixo durante essas duas campanhas após a queda do regime fascista, era a oportunidade perfeita para tornar a experiência narrativa da guerra algo mais verossímil, mas infelizmente isso não foi muito desenvolvido.

Uma reiteração do sistema sólido de RTS da série somado a um sistema simplificado de TBS

Com game design sob os cuidados de Andrew Denault, Matt Phillip e Sacha Narine, Company of Heroes 3 opta por conservar muito da experiência de gameplay de seus antecessores no que se refere às batalhas de estratégia em tempo real (RTS). Isso não é necessariamente ruim, porque os sistemas da série são aprimorados a cada título e continuam bem divertidos, de modo que a falta de inovação talvez deva-se à falta de concorrência no mercado em RTS de combate moderno.

O jogador controla dois diferentes tipos gerais de unidades: soldados e veículos. Os soldados geralmente são agrupados em equipes especializadas, como grupos de três soldados que usam morteiro ou esquadrões de infantaria com sete atiradores, os quais são os mais versáteis nos combates: úteis a média distância tanto contra soldados quanto contra veículos leves, podendo usar granadas, explosivo adesivo e bazucas. Agora é mais fácil de gerenciar essas várias ações das unidades graça a um sistema de Pausa Tática.


Alguns soldados particularmente importantes são os snipers, os quais podem ser mantidos em locais seguros dentro de casas ou camuflados na floresta. A longo alcance, são unidades extremamente úteis contra soldados inimigos. Os trios de engenheiros também são unidades importantes, podem usar lança-chamas, consertar estruturas e veículos, instalar explosivos, fazer barricadas, cortar arames, entre outras funções. Antes na série, eles também podiam servir para construir barracas na base, agora não mais.

Os soldados são os únicos que podem capturar pontos estratégicos no mapa, alguns dos quais apenas servem para marcar território, enquanto outros são fontes de recursos (munição/suprimentos e combustível). Esses recursos são usados para expandir sua tropa, bem como para aprimorar o equipamento de suas equipes e construir barracas, pontos de observação, entre outras construções. Uma novidade é que agora você pode pedir reforços automaticamente dessas barracas.


Por outro lado, os veículos são muito úteis tanto para se movimentar mais rapidamente no mapa quanto porque tendem a ser poderosos e ao mesmo tempo com alta defesa, particularmente os veículos pesados. Contudo, eles não capturam pontos do mapa, consomem muito recurso e são frágeis contra artilharia de modo geral. O jogador pode ainda ocasionalmente contar com apoio aéreo para envio de suprimentos, reforço ou mesmo para bombardear alguma área.

Company of Heroes 2 aumentou a complexidade da ambientação da série, e esses elementos foram mantidos no terceiro jogo da franquia, com alguns aprimoramentos aqui e ali. O level design leva em conta coisas como tipo de terreno, obstáculos, minas, construções destrutivas, fumaça, variação climática, ciclo dia-noite, verticalidade do cenário e a possibilidade de incendiar vegetação e queimar unidades. Tudo isso enriquece, de forma transparente e justa, as possibilidades táticas em modo multiplayer.


Fora dos campos de batalha, Company of Heroes 3 introduz um sistema de estratégia por turnos (TBS) ao estilo do clássico de tabuleiro War, o qual é implementado para as campanhas. Diferente da dinâmica em tempo real em combate, aqui você tem uma experiência lenta por turnos e que pode se tornar um pouco entediante, pois as unidades que você movimenta às vezes demoram para chegar nos pontos de conflito, a narrativa não é muito estimulante e não há muito o que você possa gerenciar.

Por outro lado, essa escolha torna a experiência da história lúdica: você se sente como alguém tomando decisões na guerra, aceitando sugestões ou não de seus generais, utilizando recursos e movimentando unidades. Nesse caso, além dos veículos terrestres, também é possível mover aviões (de combate ou de observação) e navios de bombardeio, mas os soldados continuam fundamentais para capturar pontos do mapa, inclusive portos, os quais aumentam o indicador de população máxima que pode haver em seu exército.

O maior salto em audiovisual na série até agora

Company of Heroes 3 aprimorou consideravelmente o visual da série, dando o maior salto gráfico até agora. Esse aprimoramento, usando a quinta edição do motor Essence Engine, não foi apenas técnico, mas também com um bom time de artistas (como Tristan Brett e Patrick Lopetrone) para repensar escolhas dentro do estilo realista; é notável por exemplo como os personagens estão menos cartunescos e o cenário está mais colorido e iluminado. Claro, como há escolhas estilísticas envolvidas, pode não agradar a todos os jogadores.

Água, texturas e fogo também tiveram melhorias significativas. Esses e outros detalhes são especialmente notáveis na visão em primeira pessoa (True Sight), que surgiu pela primeira vez no Company of Heroes 2. Contudo, notei vários pequenos bugs visuais, como algumas barracas piscando (veja no GIF abaixo), e em um caso o jogo chegou a fechar sozinho; parece ser um problema específico que deve ser resolvido em breve, assim como outros probleminhas, alguns dos quais foram resolvidos durante o período em que estive com o game.


Ademais, o jogo novamente tem voice acting constante e tradução para vários idiomas (inclusive português brasileiro), além de boas animações sob os cuidados de Christine Hubbard, conhecido por seus trabalhos não só para essa série, mas também para Gears of War 4 e Gears 5. Acredito que as animações principais da campanha em cinemática poderiam ter sido mais longas e elaboradas. As cutscenes são geralmente curtas e em cenários limitados, mas contribuem positivamente para uma maior imersão na guerra, assim como o fato da movimentação dos soldados estarem mais fluidas in-game.

A trilha sonora original (OST) foi composta por Tilman Sillescu e Benny Oschmann e se mantém em estilo orquestral romântico, cinematográfico e voltado para a imersão dramática nos campos de batalha, com uma tendência um pouco maior para tom menor. Fora das batalhas, nos momentos de TBS, a música tende a ser mais sutil. De modo geral, embora as peças sejam voltadas para a imersão, às vezes há melodias salientes, especialmente em instrumentos metálicos de sopro, como é o caso do tema principal do jogo.


Destaca-se também a percussão em estilo de marcha militar e cordas para a base da música, tendendo um pouco mais para o grave. Como complemento, uma parte importante da experiência está na direção de som. Tudo tem bastante crocância na experiência sonora dessa série; essa é uma forte razão para eu sentir vontade de sempre voltar a ela.

Alguns exemplos são o tilintar dos sons de tiro contra um tanque, as falas enérgicas dos soldados e o som abafado e aterrador do disparo de canhões contra uma construção que se despedaça a cada novo impacto. É uma experiência única, pois diferente de jogos de FPS de guerra, aqui você pode ter uma percepção audiovisual exterior (de cima). Confira um pouco da sintonia audiovisual in-game no trecho de vídeo abaixo.

Um ótimo RTS, mas com pouca inovação e com campanhas que poderiam ser mais polidas

Embora suas inovações de gameplay não sejam tão significativas, sendo a principal delas (as mecânicas de TBS) limitadas e um tanto monótonas, e venha acompanhada de uma ficção histórica que poderia ter sido melhor escrita e conduzida, Company of Heroes 3 traz algumas claras melhorias visuais e de qualidade de vida para a excelente fórmula de RTS da série. Ademais, este título traz a mais interessante, flexível e maior experiência de campanha, mesmo com seus problemas. Esta é a melhor entrada da série para fãs de RTS que ainda não experimentaram Company of Heroes; por outro lado, os fãs da série podem sentir falta de maiores novidades nos campos de batalha.

Prós

  • Campanha com uma boa ambientação mediterrânica e uma quantidade considerável de missões dispostas de modo flexível e não linear em formato de mapa-tabuleiro; 
  • Novo sistema de estratégia por turnos em grande escala para as campanhas cria uma interessante experiência de contraste com o sistema de estratégia em tempo real, dando uma expectativa mais livre, ampla e de longo prazo para o engajamento nas batalhas;
  • Há um bom audiovisual imersivo e algumas melhorias visuais significativas em termos de animação, modelagem de personagens e texturas, além de uma paleta de cores mais ampla e uma melhor iluminação;
  • Algumas melhorias pontuais na gameplay em batalha, principalmente aspectos de qualidade de vida.

Contras

  • A história poderia ter sido melhor conduzida, enquanto ficção histórica, poderia ser mais sensível ao drama da população civil durante a guerra, bem como refletir mais sobre a conversão geopolítica da Itália antes e depois de 1943 e conectar melhor os eventos das duas campanhas com o panorama geral da Segunda Guerra;
  • Embora promissor, o novo sistema de estratégia por turnos é um tanto limitado e monótono, seria conveniente que fosse aprimorado;
  • Poderia ter cutscenes maiores e mais elaboradas para as campanhas, com uma maior imersão histórica e geográfica do final da Segunda Guerra no mediterrâneo;
  • As novidades de gameplay nas batalhas não são muito consideráveis, poderia haver mais customização, diferentes veículos, novos subsistemas, entre outros elementos;
  • Alguns bugs, geralmente probleminhas técnicos visuais (podem ser consertados em atualizações).
Company of Heroes 3 — PC — Nota: 8.5
Revisão: Vitor Tibério
Análise produzida com cópia digital cedida pela Sega

Doutorando em Filosofia que passa seu tempo livre com piano, livros, PC e portáteis. No Twitter, também é conhecido como Vivi. Interessa-se especialmente por narrativas de ficção científica, realismo mágico e alta fantasia política, e aprecia mecânicas de puzzle, stealth, estratégia e RPG. Seu histórico de análises pode ser conferido no OpenCritic e suas reflexões sobre RPG e game design encontram-se na SUPERJUMP (textos em inglês), bem como no Podcast do Vivi e em seu canal no YouTube.
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