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Análise: Labyrinth of Galleria: The Moon Society (Multi): labirintos, bonecos e magia

O novo dungeon RPG da Nippon Ichi Software é um excelente exemplar do gênero.

Funcionando como um sucessor espiritual de Labyrinth of Refrain: Coven of Dusk, Labyrinth of Galleria: The Moon Society é um dungeon RPG no estilo tradicional de títulos como os clássicos Wizardry ou Etrian Odyssey.

A segunda tentativa da Nippon Ichi Software de explorar esse gênero traz consigo várias melhorias, corrigindo alguns erros de seu antecessor para oferecer uma experiência mais redonda e que vale a pena conhecer.

A busca pelos Curios d’art

Tudo começa com a jovem Eureka de Soleil chegando a uma mansão no meio do nada. Atraída por um panfleto, a garota acredita que o lugar tem a oportunidade de emprego perfeita para ela. Ao chegar no lugar, porém, Eureka logo descobre que certos detalhes foram omitidos na descrição dessa vaga dos sonhos.

Como subordinada de uma bruxa chamada Madame Marta, Eureka terá que explorar um perigoso labirinto que fica embaixo da mansão. Esse ambiente parece ter sido construído com magia e é conhecido porque nenhum humano consegue voltar a salvo de lá.

Para realizar essa missão arriscada, nossa protagonista forma um contrato com uma alma errante que se encarregará de explorar o lugar junto a um exército de soldados bonecos. Assim, Eureka pode permanecer na superfície e acompanhar de uma distância segura as desventuras dessa criatura a quem apelida de Fantie, trazendo-a de volta para a superfície quando a expedição é bem sucedida ou não.

A missão deles é clara: encontrar os Curios d’art, objetos amaldiçoados muito poderosos que um conde teria guardado por lá. Esses itens perigosíssimos estão escondidos dentro do labirinto junto com outros de menor relevância. Achá-los e recuperá-los não será um trabalho fácil, ainda mais com os monstros grotescos que habitam o lugar.

Desvendando o mistério do labirinto

Assim como Refrain, Labyrinth of Galleria pode ser dividido principalmente entre os momentos de narrativa na superfície e a exploração do labirinto, além de todo o trabalho de construção de equipe e desbloqueio de novas habilidades, que é fundamental para a sobrevivência prolongada. A ideia é alternar entre esses pontos, ativando eventos específicos no subsolo para avançar a narrativa e obter habilidades de exploração.

Na prática, essa necessidade constante de retornar acaba limitando o jogador durante uma boa parte da jogatina. Afinal, a exploração é restrita aos pontos que podem ser alcançados sem aqueles poderes específicos que ainda estão por vir, deixando o progresso mais linear em alguns momentos.

Chega a ser engraçado quantas vezes vemos um determinado obstáculo, mas só depois de determinado tempo e tendo ativado todos os eventos corretos até ali é que é possível ganhar a habilidade para lidar com o problema.

Falo por experiência própria, pois fiquei impossibilitado de avançar por um tempo quando entrei em uma área específica que precisava da capacidade de mergulhar. Mesmo com o problema sendo bem óbvio, tive que voltar à área anterior para explorá-la mais a fundo, e só depois veio o evento necessário para explorar essa dungeon.

Em termos da narrativa em si, as coisas são um pouco mais complexas de avaliar. Por um lado, desvendar o mistério por trás do labirinto, da própria mansão e das pessoas que nela habitam é verdadeiramente instigante. Labyrinth of Galleria frequentemente deixa pistas de que as coisas não são tão simples quanto podem parecer em uma leitura superficial dos eventos, e seus personagens agem de formas excêntricas que não se resumem a apenas trejeitos aleatórios.

Por outro lado, embora o mundo da série seja bastante sombrio e recheado de implicações nefastas, a apresentação da trama é ocasionalmente imatura. Enquanto alguns detalhes mais interessantes são guardados a sete chaves nos “comportamentos estranhos” dos personagens, há falas excessivamente diretas e simplistas que acabam até mesmo soando artificiais, fazendo com que a atuação facilmente desagrade a jogadores preciosistas. Porém, gostaria de destacar que se trata de um avanço significativo em relação a Labyrinth of Refrain, cujo apelo desnecessário a situações desconfortáveis é excessivo.

Hora do mergulho

Em termos de gameplay, Labyrinth of Galleria é um dungeon RPG tradicional com visão em primeira pessoa. A ideia é vasculhar os múltiplos corredores do labirinto, encontrando não apenas itens e inimigos para lutar, mas também novas seções que alteram a “lógica da exploração”. Por exemplo: uma área pode ter grandes poças de veneno, um corpo d’água para explorar ou grandes lanças que bloqueiam o caminho.

A ideia da exploração, então, é mais do que apenas “andar pelo labirinto”: trata-se também de usar uma variedade de recursos à sua disposição para dominá-lo. Primeiramente, há poderes necessários para passar por obstáculos, como a capacidade de quebrar paredes, pular, mergulhar e evitar dano ao encostar em “maldições diversas”.

Para complementar, há alguns poderes opcionais que mudam significativamente a exploração, como criar portais, derrotar inimigos se arremessando para cima deles, notar buracos, fazer anotações e até mesmo colocar armadilhas e atrair os monstros para elas.

Dependendo da habilidade, a ativação pode demandar o gasto da energia chamada Reinforce. Antes de iniciar a exploração, é dado um máximo de 100 pontos que podem ser gastos não apenas para as habilidades, mas também para utilizar formações mais avançadas de equipe e ativar funcionalidades mais avançadas de combate.

Durante a exploração, Fantie encontrará itens, monstros e uma energia especial chamada Mana. Há vários pontos de coleta ao longo dos andares do labirinto e elas funcionam também como uma das recompensas de batalha junto com os pontos de experiência. Além de servir como uma das moedas fora da dungeon, ter muita mana faz com que seja mais fácil conseguir itens nas lutas contra os inimigos, mas também tem o efeito colateral de atrair monstros muito poderosos (reapers) se o limite daquele andar for ultrapassado. Essa é uma forma de explorar risco e recompensa, assim como outros sistemas do jogo a exemplo da possibilidade de acumular experiência para só receber após múltiplas batalhas.

Todos os inimigos aparecem como símbolos que se assemelham a grandes olhos flutuando pelos corredores ou podem ser invocados em um evento especial indicado por um ponto de exclamação vermelho. Cabe a você evitar ser notado por eles utilizando as habilidades, sendo mais vantajoso encostar neles quando ainda não perceberam sua presença.

Também vale destacar que há alguns inimigos mais poderosos que assumem a forma de um olho roxo adornado com chifres no minimapa, o que ajuda a diferenciá-los dos inimigos mais comuns. Além disso, ocasionalmente encontramos versões mais poderosas das criaturas, mesmo no meio dos grupos de “menor ameaça”, sendo importante tomar bastante cuidado com elas.

Os bonecos soldados e o sistema de pactos

Uma vez tendo encostado em qualquer tipo de inimigo, uma batalha começa seguindo o tradicional formato de turnos. Assim como em Labyrinth of Refrain, em Galleria controlamos várias unidades de bonecos que agem como os seus soldados dentro do labirinto. Apesar da equipe ser composta por cinco vagas, o que inicialmente poderíamos entender como “cinco personagens”, o jogo conta com um sistema único de pactos, que permite diversos aliados dentro de uma mesma vaga.

Ao todo, é possível controlar até 15 personagens simultâneos (os chamados “atacantes”) e adicionar outros aliados como suporte para ativar benefícios em batalha. O sistema de pactos abre várias oportunidades estratégicas, sendo interessante encontrar mais opções vasculhando o labirinto.

No início, o jogador terá pactos mais simples com apenas um personagem e depois vai abrir novas opções, como o Gossip Pact, que permite até três aliados no ataque, mas todos precisam ser do gênero feminino ou não binário, ou o Choir Pact, que exige que os quatro personagens (um atacante e três suportes) sejam da classe Theatrical Star.

Diante de tantos personagens em formações avançadas, Labyrinth of Galleria poderia demandar um bom tempo para lidar com as escolhas de habilidades individuais de cada um nas batalhas, mas há um sistema simplificado em que basta selecionar uma mesma ação para toda a equipe de uma vez.

As opções de combate incluem atacar, usar Donum (magias e outras habilidades ativas, muitas das quais são associadas ao pacto), Fortify Coven (equivale a mandar a equipe toda defender) ou escapar. Caso você queira ter o controle mais preciso do que cada aliado fará (para atacar inimigos distintos ou realizar ações diferentes, por exemplo), é necessário gastar um ponto de Reinforce.

Vale destacar que cada personagem é montado pelo próprio jogador, que deve escolher nome, classe, gênero e vários outros atributos. As especificações são bem detalhadas, sendo possível valorizar as características individuais de cada classe: Gothic Coppelia e Aster Crow podem causar danos muito significativos com ataques altos e versões poderosas de suas armas preferidas, por exemplo.

Também é uma opção reduzir as desvantagens de classe, tentando fazer um personagem mais balanceado: Theatrical Stars podem atacar múltiplos inimigos, mas seus golpes físicos costumam ser fracos, um defeito que pode ser minimizado com o que o jogo chama de “Flat Growth” (crescimento plano, ou seja, todos os atributos crescem de forma homogênea).

É importante escolher bons equipamentos para os personagens. Ao longo da exploração, é possível encontrar diversos itens, alguns dos quais ficam selados, mas há também um sistema de síntese que permite usar a mana obtida para fundir equipamentos, aumentando significativamente o seu poder.

O jogo conta com a opção de equipar automaticamente os itens de forma “otimizada”, mas como há uma grande variedade de opções com efeitos diferentes, vale a pena fazer essas escolhas manualmente. Um bom exemplo disso é que alguns equipamentos possuem o Virgin Edge, um bônus em seus parâmetros que só pode ser ativado na primeira vez que equipado, perdendo essa vantagem após ser removido.

A capacidade de criação de personagens (mais especificamente suas builds) é bem detalhada e contribui para toda a força estratégica do sistema de combate. Embora muitas vezes possamos lidar com os inimigos usando apenas ataques simples, é justamente todo o preparo prévio na construção da equipe que faz a diferença entre uma exploração fadada ao fracasso e um sucesso retumbante.

Há vários outros fatores importantes para levar em consideração, como a mecânica de karma e a sorte de seus aliados, fatores que influenciam na chance de receber os temíveis Gore Hits. Para quem jogou Labyrinth of Refrain, esse termo provavelmente até dá um frio na espinha por ser um fator de sorte que impacta bem negativamente a capacidade de exploração. Basicamente, além do dano básico, da possibilidade de ficar paralisado ao receber muitos ataques consecutivos (barra de Stun) e dos efeitos secundários como veneno e afins, o jogo conta com duas camadas para os seus golpes críticos.

Além da questão do grande dano, tanto ataques recebidos quanto causados podem levar à perda de partes do corpo dos personagens. Em Refrain, isso acontecia com uma frequência assustadoramente alta, mas em Galleria, esse efeito é bem menos comum, fazendo com que a experiência não seja tão frustrante.

Um dungeon crawler de alto nível

Além de tudo que falei acima, vale a pena destacar que algumas áreas de Labyrinth of Galleria são muito parecidas entre si visualmente. Mesmo com as mudanças de gameplay, explorando outros desafios e formatos, os corredores dos Transepts em especial são basicamente a mesma área com um filtro de cor diferente. Considerando todo o conceito dos ambientes, é uma pena que a obra não ouse fazer áreas mais variadas e memoráveis.

Por fim, a gameplay possui uma grande quantidade de detalhes, o que pode ser um pouco complexo de entender. Além dos muitos tutoriais desbloqueados ao longo da campanha, há inúmeras dicas espalhadas pelos labirintos, mas ainda assim seria interessante ter algumas informações mais claras e melhor explicadas in-game para os que desejam mergulhar mais fundo nos sistemas.

De forma geral, Labyrinth of Galleria: The Moon Society refina as ideias de seu antecessor, criando uma experiência de dungeon RPG que vale a pena conhecer para qualquer pessoa interessada no gênero.

Há bastante maleabilidade na criação de equipes vastas e plurais, assim como poderes especiais que fundamentalmente mudam a relação do jogador com o labirinto, apesar da sensação ocasional de restrição por só desbloquear ações necessárias com a ativação de eventos de história que parecem mais formulaicos em sua distribuição do que elementos orgânicos do progresso.

Prós

  • Batalhas por turno refinadas com um sistema bem detalhado de formação como elemento estratégico;
  • As combinações detalhadas de build fazem com que haja uma boa diversidade para a criação de personagens;
  • Grande variedade de poderes que fazem a diferença para a exploração;
  • A trama brinca com vários mistérios e personagens excêntricos curiosos.

Contras

  • Gameplay restrita pelo desbloqueio de poderes estar associado a eventos específicos de história;
  • Alguns detalhes mais obscuros da gameplay poderiam ser melhor explicados;
  • A apresentação da trama é ocasionalmente imatura e excessivamente simplista em sua escrita;
  • Algumas áreas têm uma aparência muito genérica e similar.

Labyrinth of Galleria: The Moon Society — PC/PS4/PS5/Switch — Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: PC

Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela NIS America


é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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