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Análise: Clive ‘N’ Wrench presta divertida homenagem aos clássicos de plataforma 3D

Um jogo agradável cujas limitações técnicas impedem que se destaque.


Toda mídia gosta de celebrar sua história. Temos livros sobre escritores e leitores, filmes que retratam o cinema e, claro, jogos que referenciam o próprio mundo dos videogames. Clive ‘N’ Wrench é um caso construído como uma homenagem à época em que o gênero de plataforma proliferava com suas mascotes se aventurando em mundos tridimensionais ricos em colecionáveis.

Desenvolvido por uma única pessoa, o inglês Rob Wass, Clive ‘N’ Wrench possui raízes em jogos como Spyro e os protagonizados por duplas, como Banjo Kazooie, Jak and Daxter e Ratchet and Clank, passando também por Crash Bandicoot.



Uma dupla viagem no tempo

O amor que revisita uma época que já passou está declarado desde o primeiro mundo: os cômodos de uma casa em tamanho gigante, com quarto, cozinha, sala e banheiro. O nome dessa fase é um trocadilho com o filme Querida, Encolhi as Crianças, mas o que salta aos olhos são os discos de rock jogados pelos cantos, os montes de games nas prateleiras e, sob a TV “de tubo”, o enorme console.

O aparelho chama-se GreyBox 2.0 e condensa toda uma geração: o formato é o do PS2, o nome remete à máquina de estreia da Microsoft no mundo dos games e a cor, roxo, lembra o cubo da Nintendo. Essa é a fase mais povoada de referências, mas, no resto dos mundos, não faltam trocadilhos e easter eggs, tanto escondidos como escancarados.



Esse tipo de humor lembra o estilo da Rareware dos anos 1990, mas acho que deixa a desejar em um ponto: Clive e Wrench são protagonistas silenciosos. Também não ouvimos uma palavra da boca dos vilões; apenas Nancy e alguns NPCs têm falas. Por isso, heróis e vilões parecem genéricos, sem personalidades marcantes e engraçadas como Kazooie e Gruntilda de Banjo-Kazooie (N64), por exemplo.

Os mundos de Clive ‘N’ Wrench são ligados pela trama protagonizada por coelhos: o cientista industrial Dr. Daucus e sua capanga Olga roubam o projeto de máquina do tempo da Profª Nancy. Os vilões disseminam o uso de um elixir tóxico para conquistar cada época em que pisam, criando várias distorções temporais.



Nancy logo usa sua própria máquina do tempo para, junto a seus amigos/colegas de apartamento/família afetiva (o jogo não deixa claro), o coelho Clive e o macaco Wrench, recuperar os fragmentos do espaço-tempo estilhaçado e pôr um fim aos planos de conquista do cientista maligno.

Pois é, nada de novo debaixo do céu, mas pelo menos não é sobre resgatar alguma princesa/namorada/irmã raptada. O enredo serve de desculpa para o que realmente importa: levar a dupla dinâmica e o jogador a mundos de temas variados. Tem uma Londres vitoriana com uma versão light do famoso estripador; uma cidade de mafiosos dos anos 1920 em meio aos pântanos do sul dos Estados Unidos; um cemitério assombrado por um cervo-vampiro; uma cidade portuária da Grécia antiga, com direito a um labirinto de minotauro; uma vila pirata; castelos egípcios, chineses e europeus; e, como não poderia faltar, o mundo da neve.



Maratona de colecionáveis

Os mundos são grandes e divididos em diferentes áreas, o que os torna mais interessantes e dão a sensação de progredir pelas fases. Um destaque é que Clive ‘N’ Wrench é um collect-a-thon assumido, sendo abarrotado de muitos, muitos colecionáveis. Eles estão espalhados em toda parte, incentivando a explorar cada cantinho das fases. São 10.000 relógios de bolsos e 110 Pedras Antigas, que servem para abrir mais mundos e progredir na aventura.

Felizmente, Clive é equipado com um radar de relógios, o que ajuda muito a encontrar aquele único item que você deixou para trás e não sabe onde. A maioria das Pedras paira por aí e não oferece muita dificuldade. Outras são mais trabalhosas e requerem coletar certos colecionáveis, como as cinco chaves que estão em cada mundo ou os itens que NPCs pedem que você encontre, incluindo cinco filhotes de texugo e dez presentes do Papai Noelefante, entre outros.



Eu senti falta de mais variedade de gameplay para além da plataforma de exploração. Há puzzles, chefes e algumas ideias que fogem à fórmula geral do jogo, mas nenhum desses elementos se destaca e alguns chefes até decepcionam, por diferentes motivos. No pior caso, você entra na fase do chefe, anda reto até ele e pronto, uma cena cômica encerra a questão, sem qualquer tipo de enfrentamento. Meu filho, que esperava por esse embate, mencionou mais de uma vez o quanto ficou desapontado.

Até podemos ver o potencial subutilizado de Clive 'N' Wrench em uma fase linear no covil pirata, que é um dos melhores trechos em questão de visual, design de níveis e desafio. As outras poucas fases lineares são menos interessantes, mas mais delas ajudariam a variar um pouco o andamento do jogo.


Felizmente, o jogo acerta em um ponto crucial: a movimentação, que é ágil, precisa e com várias manobras, todas liberadas desde o início, como o clássico pulo duplo, o pulo com sentada no chão, o pulo longo, pulo alto e até a bizarra capacidade de planar longas distâncias girando Wrench pelas mãos como se fosse uma hélice. Depois que me acostumei à pegada, explorei as fases com saltos confiantes e certeiros que mantinham o fluxo do movimento.

Problemas nas lentes da nostalgia

Clive ‘N’ Wrench é mais um título saudosista que se encaixa na frase “se inspira no passado, para o bem e para o mal”. Para mim, um dos problemas está no visual. Inicialmente, o criador Rob Wass idealizou um jogo com aparência de PS, mas, com o tempo e a tecnologia, achou melhor algo que se assemelhasse ao fim da geração do PS2. Conseguiu, mas foi melhor assim?


Transposta para a atualidade, essa estética acaba sendo inconsistente. Se por um lado temos uma contagem de polígonos intencionalmente baixa para os padrões atuais, com alguns objetos mais “quadradões” e serrilhados, por outro temos elementos mais elaborados que me fizeram pensar que o jogo deveria ser programado inteiramente naquele patamar.

O mesmo se repete com algumas texturas mais detalhadas e “realistas” em alta resolução, incongruentes com outras piores bem ao lado. Também os efeitos sonoros, que parecem normais e não chamam a atenção, até que ouvimos os horríveis sons de passos em algumas partes de areia e de pedra.



Algumas sombras e luzes refletidas contribuem para a beleza e profundidade do cenário, enquanto outras parecem apenas simplistas e não realçam a impressão de volume dos locais, como a iluminação de fim de tarde que, em certas áreas, parece apenas um filtro de cor aplicado sobre o mundo inteiro.

Paralelamente, o museu em Londres tem seu charme e o cenário da China antiga é realmente bonito, mas o bayou tem árvores muito feias e água pantanosa quase estática, mal se diferenciando das texturas de mato. O fato de o mundo da Grécia ter água que realmente parece com água reforça a impressão de contraste e inconsistência.



Além disso, há falhas técnicas que, se não atrapalham a jogatina, tampouco contribuem para a experiência em geral. Posso citar a imprecisão da colisão, aquilo que define o que é “tocável” e o que não é. Com isso, Clive parece flutuar sobre certos locais e estátuas, pois a colisão não coincide com a imagem representada. Isso é muito notável com a capacidade do coelho de se segurar em beiradas: as mãos dele jamais tocam essas superfícies, ficando um pouquinho afastadas delas, como se agarrando o ar.

Até as hitboxes sofrem prejuízo e, não raro, eu achei que fui atingido por um inimigo sem ter sido realmente tocado por ele.



Sem medo de ser retrô

Eu poderia ter parado no final da campanha, mas realmente gostei de Clive ‘N’ Wrench; continuei jogando até a marca das 17 horas e estou quase conseguindo o troféu de platina. O jogo me incomodou com seus defeitos, mas também me estimulou a explorar até obter 100% dos milhares de colecionáveis e me divertiu com a nostalgia e o humor que não tem medo de ser bobo. A aventura da dupla deve agradar tanto à geração que amou a era de ouro dos jogos de plataforma 3D quanto à dos seus filhos que gostam de um bom jogo de mascote.

Prós

  • Legendas em português brasileiro.
  • Movimentação ágil e controles precisos.
  • Vários mundos bem construídos com temas clássicos do gênero.
  • A enorme quantidade de colecionáveis incentiva a explorar cada cantinho.
  • Humor nonsense baseado em muitos trocadilhos e referências a jogos e filmes.

Contras

  • Diversos bugs gráficos.
  • Colisão de cenário imprecisa em vários pontos.
  • Qualidade visual inconsistente em algumas cenas, texturas, polígonos e iluminação.
  • Pouca variedade de gameplay para além da exploração e coleta.
  • Batalhas mornas contra chefes.
Clive ‘N’ Wrench – PS4/PS5/PC/XBO/XSX – Nota: 7.0
Versão utilizada para análise: PS5
Análise realizada com cópia digital cedida pela Numskull Games
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli

Admiro videogame como uma mídia de vasto potencial criativo, artístico e humano. Jogo com os filhos pequenos e a esposa; também adoro metroidvanias, souls e jogos que me surpreendam e cativem, uma satisfação que costumo encontrar nos indies.
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