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Análise: Otome * Domain (PC): mergulhando em um jardim proibido

Visual novel da Palette Qualia conta a história de um jovem rapaz que se veste de garota para estudar em uma academia exclusivamente feminina.

Otome * Domain
é uma visual novel desenvolvida pela Paletta Qualia e lançada no Japão em 2016. O jogo conta a história de um rapaz que precisa fingir ser uma menina para estudar em um colégio para garotas. Como já era de se esperar, o resultado disso é um caos estilo comédia romântica, mas, aos poucos, os problemas das garotas com quem convive ganham força e revelam-se dramas mais detalhados, ao mesmo tempo que fica cada vez mais impossível para o protagonista esconder sua verdadeira identidade.

Se tornando uma garota

Otome * Domain conta a história de Minato Asuka, um jovem rapaz que estava sofrendo com o luto de sua avó. Além de toda a questão emocional dessa perda, como ela era a sua última parente viva, o garoto ainda adolescente fica totalmente desnorteado.

É aí que ele recebe o convite de uma ricaça chamada Kazari Saionji. Tendo em vista os anos de serviços prestados da avó de Minato como empregada da família Saionji, Kazari convida o garoto a estudar na escola que ela administra. Ele aceita a oferta, mas logo descobre que o lugar é um colégio feminino e ele terá que se vestir como uma garota para estudar lá.
 
Curiosamente, Minato sempre teve uma aparência mais delicada, então toda essa situação é menos complicada do que se esperaria. Até mesmo em termos de comportamento, ele é mais próximo do ideal de garota rica de valores tradicionais que ele esperaria do colégio. Porém, como um rapaz hétero com os hormônios à flor da pele, esconder a sua real identidade vai se tornar cada vez mais difícil.
Porém, o que acaba sendo um dos pontos mais interessantes de Otome * Domain é que a visão demasiadamente romântica do protagonista desmorona rapidamente. Ele tem uma concepção muito conservadora e idealista de como as garotas se portariam, mas não demora muito para que as suas colegas se mostrem seres humanos com trejeitos, manias e defeitos.

As três flores e seus defeitos

Ao todo, o jogo conta com três rotas associadas às personagens que moram no mesmo dormitório que Minato: a própria Kazari Saionji, Yuzu Kifune e Hinata Ogaki. Cada uma dessas garotas tem traços de personalidade e defeitos que são rapidamente revelados devido à convivência.
Kazari dorme no mesmo quarto que Minato e atua como presidente do colégio. A primeira impressão do protagonista é a de que a garota seria uma líder exemplar, bem treinada para resolver tudo que o colégio precisa. Porém, o rapaz logo descobre que ela tem medo de mostrar seus defeitos, acaba não se expressando muito bem e, ao mesmo tempo, age de formas estranhas como se não tivesse bom senso.
 
Yuzu também é uma garota aparentemente exemplar que emana a sensação de ter sido criada em um berço tradicional. Ela é uma pessoa com quem é fácil conversar e parece ter gostos bem domésticos. Porém, em pouco tempo, é possível perceber que ela é o tipo aventureira e que ela sempre falha de forma espetacular em coisas como cozinhar e arrumar o seu quarto.
Por fim, Hinata age como se fosse um general de um exército de demônios. A personagem é um caso típico de chuunibyou, um comportamento adolescente em que o indivíduo tenta se diferenciar dos outros, usualmente evocando conceitos de fantasia em seu vocabulário e vestimentas. Porém, ela é uma garota muito gentil e a mais normal das três, apesar de sua atitude fazer parecer o contrário.
 
Além das três opções de interesse romântico, a obra ainda conta com duas personagens especialmente relevantes na trama e que possuem ilustrações próprias. A primeira delas é Miyu, uma colega de classe bastante animada e amiga de longa data de Yuzu e que faz parte do jornal da escola. A outra personagem é Nanami Nanami, professora relaxada que é responsável pela turma de Minato e pelo seu dormitório.
Todos os personagens, incluindo o protagonista e secundários que nem contam com ilustrações, possuem voz em japonês durante todas as cenas da história. O trabalho das dubladoras reforçam as personalidades excêntricas e exageradas das personagens, assim como as suas interações. Boa parte da trama é cômica e o timing das piadas é muito bom, mantendo-a divertida.
 
Graças ao áudio e ao visual fofo do jogo, as personagens são bastante expressivas. Isso é válido tanto para os sprites comuns e as cenas especiais que as representam em proporções mais anatomicamente elegantes quanto para as cenas SD (super deformed), nas quais elas ganham um corpinho reduzido e um cabeção para reforçar o humor situacional.
Porém, o que chama mais atenção na história do jogo é a forma como ele trabalha os problemas das personagens. Além de ser “motivo de piada”, a obra consegue mergulhar mais a fundo na psique delas, humanizando-as e mostrando com clareza os pesos que elas carregam. As rotas são construídas de forma a dar destaque a esses elementos, assim como o romance do protagonista com as garotas.
 
Nesse sentido, entra também uma discussão sobre identidade, afinal, mesmo os traços que parecem ser defeitos das personagens precisam ser vistos à luz do contexto. Um bom exemplo disso é a questão do chuunibyou de Hinata, que pode ser até incômodo, mas a obra consegue justificar e dar peso às atitudes da personagem em sua rota.

Perspectivas de gênero e sexualidade também acabam sendo um ponto relevante da trama, mas a obra acaba tendendo a uma visão muito reducionista. As perspectivas que acabam tendo destaque na trama reforçam a heteronormatividade e a cisnormatividade, mas, pelo contexto e temática do jogo, havia espaço para explorar de forma mais clara e profunda o psicológico do protagonista.

Impossível aproveitar sem o patch

Otome * Domain está disponível em duas edições no PC: a all-ages no Steam e a proibida para menores de 18 anos no Johren. Porém, a versão do Steam é um recorte ainda mais reduzido do que essa divisão normalmente significa. A verdade é que ela corta também cenas que seriam totalmente apropriadas para menores de idade, incluindo a resolução das histórias das duas rotas disponíveis (a da Kazari não pode ser acessada).
 
O resultado é que a versão do Steam é tão incompleta que é desaconselhável jogá-la sem o patch de conteúdo adulto. Afinal, ela nem sequer chega a uma conclusão razoável para a trama e corta trechos significativos de desenvolvimento de personagem que nem mesmo estão associados a eventos de natureza sexual.

Também gostaria de destacar que, até o momento, o jogo possui uma quantidade significativa de erros de digitação e tradução em inglês. Apesar de ser possível ajustar mentalmente para o significado certo pelo contexto, isso acaba se tornando um grande incômodo na leitura.

Descobrindo a beleza dos aparentes espinhos

Otome * Domain
é uma visual novel que consegue misturar comédia, romance e drama de forma a fortalecer o carisma de suas personagens. Brincando com expectativas redutoras de gênero, o jogo humaniza as “garotas ricas” que não se comportam como o protagonista gostaria, mas que brilham cada vez mais quando o jogador mergulha em suas histórias.

Prós

  • Discussão interessante sobre identidade e visões redutoras de gênero;
  • Rotas bem construídas em torno dos problemas das personagens;
  • Timing cômico faz com que as interações entre as personagens sejam muito divertidas;
  • Visual fofo com personagens expressivas tanto em seus sprites comuns quanto em forma SD.

Contras

  • Erros de digitação e tradução ocasionais;
  • A versão de Steam é um recorte incompleto e pouco significativo do jogo como um todo, sendo impossível recomendá-la sem o patch de conteúdo adulto;
  • Devido à temática, é questionável como a obra reforça a heteronormatividade e a cisnormatividade.
Otome * Domain — PC — Nota: 8.5
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Shiravune

é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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