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Análise: One Piece Odyssey (Multi) é um RPG baseado em turnos feito com carinho

O jogo permite mergulhar no belo mundo de Eiichiro Oda e viver uma aventura instigante.

Desenvolvido pela ILCA (Pokémon Brilliant Diamond/Shining Pearl) e publicado pela Bandai Namco, One Piece Odyssey é o mais novo jogo baseado na série de mangá e anime de Eiichiro Oda. O RPG baseado em turnos leva a tripulação do Chapéu de Palha a uma nova ilha que esconde legados misteriosos, incluindo um intrigante sistema de reconstituição de memórias.

A misteriosa Ilha Waford

Tudo começa quando o Bando do Chapéu de Palha estava navegando pelo Novo Mundo e acaba encontrando uma ilha desconhecida com uma espécie de pilar de luz no meio. Ao se aproximar, o navio deles, o Thousand Sunny, é arremessado ao ar por uma corrente de gancho (também conhecida como Knock Up Stream, no vocabulário da franquia) que força a equipe a entrar na ilha e causa grandes danos à embarcação.
Impossibilitados de escapar e separados pela intensidade das forças da natureza na região, os piratas acabam sendo forçados a investigar o local. Porém, com pouco tempo de exploração, eles logo se veem diante de uma grave crise: uma garota que mora no lugar usou uma estranha habilidade para tirar os seus poderes e colocá-los em cubos.

Para voltar à sua força habitual, a equipe terá que procurar por esses objetos, que estão espalhados pela ilha, e derrotar grandes inimigos conhecidos como colossos. Além disso, a absorção desses cubos exige que os piratas explorem um mundo paralelo chamado Memoria, que reconstrói áreas visitadas por eles no passado de acordo com suas lembranças (que não são 100% fidedignas).
Por conta disso, a tripulação terá que reviver eventos de quatro arcos marcantes da série: Alabasta, Water Seven, Marineford e Dressrosa. Apesar de ser possível encarar isso de forma cínica como uma forma de aproveitar a nostalgia desses arcos, é realmente interessante ver o cuidado que a obra tem na representação desses eventos. Em especial, algo que me agradou bastante foi ver como a equipe, já mais madura, demonstra seus conhecimentos mais avançados ao explorar essas regiões já conhecidas. Isso é especialmente válido para os três primeiros arcos e quem é fã da série definitivamente já sabe o peso que ver Luffy reviver os eventos de Marineford tem.

A equipe da ILCA entrega um grande carinho pelo mundo de Eiichiro Oda, que faz com que a jornada seja algo marcante para qualquer fã de One Piece. Esse esforço é visto em detalhes singelos, como as pequenas interações entre os personagens e a grande expressividade deles, e também em aspectos macro, como o senso de exploração e aventura e a capacidade de extrapolar o material base para pensar nos cenários alternativos de forma crível.

Poderes para explorar as dungeons

Em termos da gameplay, One Piece Odyssey é um bom representante dos RPGs baseados em turnos. A visão do jogo é focada principalmente em dois aspectos fundamentais para o gênero: exploração e combate.
 
Embora não seja um mundo aberto, a Ilha Waford e as áreas do passado reconstituídas em Memoria são mapas vastos e cheio de cantos para encontrar itens. Um jogador que gosta de vasculhar tudo terá várias recompensas ao longo do caminho, sendo possível fazer missões secundárias e coletar itens que importam para a gameplay e, ocasionalmente, entender mais a fundo detalhes da criação de mundo.

Para tornar essa experiência de exploração mais memorável e mecanicamente diversificada, One Piece Odyssey faz com que cada personagem tenha habilidades de campo especiais. Com exceção de Brook, que acaba ficando de lado durante quase toda a jornada, todos eles podem interagir de forma significativa com algum elemento das áreas. 
Dentre eles, o mais conveniente é a tradicional habilidade de Luffy para esticar os braços, o que permite ao rapaz acertar objetos distantes seja para coletá-los, ativar algum mecanismo em uma dungeon ou para se arremessar em direção a eles. Porém, de tempos em tempos, pode ser necessário usar Chopper para passar por buracos estreitos, Zoro para quebrar portas, Sanji para coletar materiais para cozinhar, Nami para pegar dinheiro, Usopp para quebrar ninhos com seu estilingue. As habilidades de Robin (coletar documentos) e Franky (construir pontes) são liberadas bem tarde no jogo, o que faz com que elas sejam usadas bem menos, mas a última é parte central da exploração em Dressrosa.

Em geral, as dungeons do jogo são longas e bem elaboradas, com mecanismos que funcionam como puzzles de baixa dificuldade. Apesar desses elementos para ter em mente durante a exploração, One Piece Odyssey opta por manter a progressão da história principal como algo bem simples e confortável, então nunca há nenhum desafio muito convoluto.

Camadas de estratégia

Enquanto vasculha cada região, o jogador terá que enfrentar vários combates, muitos dos quais são ativados ao encostar em um inimigo que está andando pelos mapas. É possível aumentar a chance de crítico ao atingir as costas do oponente, mas os inimigos também podem ter essa vantagem se acertarem o personagem por trás. Para evitar esse problema, o jogador pode evitar o raio de visão dos oponentes, mas, se for detectado, será perseguido em uma curta distância. Essa limitação normalmente facilita para o jogador que quer apenas avançar na campanha.
 
As batalhas seguem o formato de turnos tradicional, com o jogador podendo controlar até quatro aliados. A ordem não é apresentada de uma forma tradicional, sendo o jogador capaz de escolher qualquer um dos personagens para atacar e trocá-los livremente pelos membros na reserva sem nenhum custo.
Um dos primeiros elementos que chamam a atenção no sistema de combate é o conceito de territórios. No canto superior esquerdo da tela, há uma representação das áreas do campo de batalha. Tanto aliados quanto inimigos são distribuídos inicialmente por esse mapa com certo grau de aleatoriedade e a ideia básica é de que ataques de curta distância (os mais comuns) só podem ser realizados dentro desses pequenos bolsões. Ou seja, tanto inimigos quanto aliados tenderão a focar seus ataques naquele escopo reduzido e é fundamental usar isso ao seu favor de forma estratégica. Por exemplo, caso o inimigo tenha ataques em área, pode ser mais interessante ter apenas um personagem naquela zona e manter os outros aliados atacando a distância ou lidando com outros lacaios.
 
Entender o conceito de territórios também é importante, porque os personagens são classificados em três tipos (Força, Técnica e Habilidade), que funcionam como um triângulo de poder (ex: pedra, papel e tesoura ou o sistema de armas tradicional da série Fire Emblem). Justamente por isso, pode ser interessante manter um aliado fora da área de alcance de um inimigo e se aproveitar do sistema livre de trocas que permite mudar todos os aliados de lugar.
Em algumas ocasiões, o jogador precisa enfrentar um desafio especial que é chamado de “Cena Dramática” e pode ocorrer tanto em batalhas aleatórias quanto nos grandes chefões. A ideia é bem simples: o jogador recebe a missão opcional de derrotar um inimigo ou grupo específico, com algumas possíveis restrições (derrotar em um turno, evitar que um aliado morra, derrotar usando um personagem específico, etc). Realizar essa façanha rende uma quantidade assustadora de experiência (no mínimo, dobra o valor que será obtido), o que faz com que valha a pena o esforço do jogador.
 
Outro elemento de destaque são as habilidades especiais em conjunto. Caso o jogador explore as áreas mais a fundo após terminar a história principal de cada região, poderá encontrar cubos especiais que levam a fragmentos distorcidos de memória. Dentro dessas lembranças, o jogador pode realizar missões e sua conclusão leva à obtenção de golpes poderosos em que os aliados que participaram daquela quest atacam juntos ao custo de apenas um turno de quem invocou o golpe. Para utilizá-los, é necessário ter todos os personagens disponíveis na equipe e gastar uma energia especial do combate, chamada de carga de amizade.
De forma geral, o combate de One Piece Odyssey é muito bem pensado com mecânicas e habilidades desbloqueáveis que fazem o sistema de turnos ser muito prazeroso de dominar. Alguns jogadores mais experientes talvez achem o jogo um tanto fácil, pois ele tenta oferecer um equilíbrio em que mesmo quem está fazendo apenas o mínimo para avançar terá condições de lidar com os oponentes. Porém, o combate está longe de ser enfadonho ou tão trivial que não haja consequências em não entender as suas mecânicas.

Pequenos equívocos

No todo, One Piece Odyssey é, inegavelmente, um bom JRPG. É um jogo facilmente recomendável tanto para quem já é fã da franquia quanto para quem gosta do gênero, porque o título entende os valores que são pilares em One Piece e também em RPGs japoneses. Porém, há alguns pequenos defeitos que o impedem de ser algo ainda mais grandioso e podem incomodar alguns jogadores.
O primeiro deles é que o jogo tem um foco narrativo que, por vezes, é mal colocado. Em alguns momentos, a trama acaba soando como desculpas para enrolação, forçando o jogador a dar uma volta ou fazer um backtracking tedioso. Isso acaba sendo ressaltado pelo fato de que, por exemplo, o jogador não pode usar a mecânica de viagem rápida em alguns momentos, mesmo que o seu objetivo seja algo que não deveria ser urgente o suficiente para tal restrição.

A sensação de estar preso em função da história em alguns momentos acaba enfraquecendo o mesmo senso de exploração que é tão precioso para o jogo, como comentado anteriormente. Da mesma forma, o design de algumas áreas é um tanto linear, o que faz com que, mesmo com a aparente grandeza dos locais, eles acabem passando uma sensação de limitação.
 
Ainda em relação à trama, a tradução para o português, embora boa, conta com problemas nítidos e facilmente detectáveis. A maior parte deles compreende detalhes de contexto banais que provavelmente não foram repassados à equipe e levaram a erros grotescos. É uma grande pena, pois a competência de quem traduziu é notável nos momentos em que o texto funciona e é um jogo em que a qualidade da leitura tem um peso muito significativo.
 
A interface também acaba parecendo que poderia ser melhor em alguns momentos. Além das questões de tradução, que também afetam menus e um pouco da terminologia do jogo (como o uso de "Luffy's ATQ" no lugar de "ATQ do Luffy"), é engraçado ver coisas como “o triângulo de vantagem de tipos aparece e some da tela durante a escolha“ (em vez de ficar direto) ou não ter algum indicativo para os momentos em que a viagem rápida está liberada.
Também seria interessante algumas indicações contextuais mais claras. Em uma dungeon, é necessário alterar o nível da água e congelá-la, mas o jogador não tem nenhum elemento visual além dos próprios corpos d'água para ver isso. Como às vezes os mecanismos ficam em salas diferentes nas quais não temos água, o jogador pode acabar esquecendo o estado atual da água e tendo que esperar abrir a outra sala para conferir. Outras escolhas questionáveis incluem o fato de que só podemos salvar interagindo com totens específicos (e há momentos nos quais é necessário esperar um diálogo para poder sequer fazer isso) e não há um log para reler as conversas durante a história.
 
Nenhum desses pequenos defeitos tira o brilho da experiência como um todo, mas é possível ver que o jogo poderia ter sido muito melhor. Afinal, todos esses mínimos detalhes contribuem para enfraquecer a experiência, especialmente a falta de um cuidado maior em garantir a qualidade dos textos em português.

Uma odisseia feita com muito carinho

One Piece Odyssey
é um RPG de turno curioso e cujo carinho pela obra original de Eiichiro Oda é perceptível em cada pequeno detalhe. Além disso, ele explora mecânicas bem interessantes para fazer tanto o combate quanto a exploração serem experiências agradáveis e dignas dos melhores exemplares do gênero. Porém, é importante ter em mente que há vários pequenos defeitos que podem ser incômodos e a tradução em português, em particular, merecia um tratamento melhor de garantia de qualidade.

Prós

  • Sistema de combate baseado em territórios e triângulo de forças valoriza o domínio estratégico do jogador;
  • Com exceção de Brook, todos os personagens possuem habilidades interessantes que ajudam a valorizar a exploração;
  • A história consegue combinar elementos já conhecidos da trama com um desenvolvimento original interessante para os fãs de One Piece;
  • Pequenas interações e personagens expressivos construídos com muito carinho em 3D.

Contras

  • Tradução para o português repleta de erros grotescos e facilmente detectáveis pelo contexto;
  • Alguns momentos do jogo acabam sendo muito restritivos e com objetivos que parecem apenas enrolação;
  • Alguns pequenos detalhes de qualidade de vida poderiam ser melhorados.
One Piece Odyssey - PC/PS4/PS5/XSX - Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Bandai Namco Games

é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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