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Análise: RWBY: Arrowfell (Multi) é uma trágica decepção em todos os aspectos

O jogo é fruto da parceria de duas empresas muito talentosas, mas infelizmente está muito abaixo do padrão de qualidade destas.



RWBY: Arrowfell (Multi), de certa forma, é um jogo difícil de descrever. Não é simples descrever a qual gênero este pertence, mas é fácil dizer que tipo de jogo ele é: um cash grab. Cash grab (agarrar dinheiro) é um termo utilizado para descrever jogos que possuem qualidade baixa ou medíocre e, ao invés de vender o jogo pelos seus próprios méritos, focam em um aspecto exterior ao jogo. Neste caso, ser a adaptação de uma franquia popular.

Contextualizando, RWBY é uma websérie criada pelo animador e roteirista Monty Oum, para a produtora Rooster Teeth, também responsável pelas outras webséries Red Vs Blue e Death Battle. A série foi lançada em 2013 e continua em produção, atualmente com mais de 100 episódios, um spin-off e uma nona temporada prevista para 2023.

A história se passa no continente de Remnant, no qual a humanidade quase foi extinta devido à guerra contra monstros chamados “Grimm”. Os rumos da batalha mudaram quando os humanos descobriram a substância mágica conhecida como “Dust”, além do uso da “Aura” e “Semblance”, os quais são materializações da alma de cada pessoa, que garantem poderes sobre-humanos. As protagonistas são as estudantes Ruby Rose, Weiss Schnee, Blake Belladonna e Yang Xiao Long, que partem em uma jornada para se tornarem caçadoras, basicamente a força militar e policial deste universo. 
Imagem promocional com as protagonistas da websérie
O principal atrativo da série, porém, é como a personalidade de cada uma das protagonistas representa um arquétipo comum dos animes, combinando com a cor associada à personagem. Isto faz com que dentro do quarteto haja conflitos e parcerias, permitindo que as garotas amadureçam e se tornem mais fortes através do time, no maior estilo “Poder da Amizade”. 

Bem-vindo a Remnant

 Em termos de performance, durante a minha gameplay – e também nos relatos de outros jogadores – não encontrei nenhum problema. Em nenhum momento o jogo “crashou” (travou), apresentou quedas no FPS, ou qualquer tipo de glitch (visual ou relacionado ao gameplay) que atrapalhasse a jogatina. 

No PC, os requisitos mínimos para rodar o jogo são bem abaixo da média desta geração, então, no meu caso, não é possível julgar otimização, mas acredito que mesmo notebooks modestos podem rodá-lo de maneira suave. Em termos de apresentação, o jogo pode ser considerado aceitável. Arrowfell é desenvolvido e publicado pela Wayforward, empresa famosa por trabalhos com animação 2D, como o remake de DuckTales, de 2013. 

 Arrowfell, por outro lado, é totalmente 3D. Por si só não é um problema, mas os visuais do jogo são extremamente simples. Não há muita diversidade nos cenários, mas as texturas utilizadas representam bem o terreno de cada ambiente. No entanto, as fases acabam sendo desinteressantes, pois não há nenhum elemento animado no background; apenas um céu genérico, ou uma parede igualmente sem graça.
Ruby no cenário urbano do jogo
A direção de arte dos personagens é ligeiramente confusa. As criaturas de Grimm são baseadas em animais, como lobos, morcegos e abutres, com carapaças ósseas e outros apêndices monstruosos, que convém muito bem sua natureza, além de serem facilmente distinguíveis e visualmente agradáveis, por conta de a textura usada para pelagem ser bem convincente.

Os problemas surgem com os personagens humanos. Os personagens são relativamente pequenos, mas têm as proporções de algumas partes do corpo, especialmente a cabeça, um pouco exageradas. 
Além disso, a câmera do jogo é muito aberta, o que pode passar a impressão de que os modelos das personagens são mal feitos ou que são pouco detalhados, dificultando perceber as nuances.
As quatro heroínas realizando sua pose de vitória
O design de som é competente, mas não é muito funcional. Os sons de impacto são claros e convincentes e o jogo até possui efeitos sonoros diferentes para quando o personagem interage com objetos metálicos. A maior parte dos inimigos não emite sons quando estão atacando ou prestes a atacar, e as garotas não têm falas, apenas resmungos de dor ou aprovação, o que torna a paisagem sonora do jogo bem monótona. Isso é acentuado ainda mais pela trilha sonora completamente esquecível. A maior parte das músicas não tem vocais, poucos arranjos instrumentais e é extremamente genérica, diferente das faixas da série que são muito inspiradas em vários estilos de rock. 

A única exceção é a música “Ever Strong”, presente tanto na primeira fase quanto nos créditos. A canção foi criada pelo duo Jeff (composição) e Casey Lee Williams (vocal), pai e filha, responsáveis por grande parte das músicas da série. O ritmo é crescente e a letra fala de se tornar mais forte através de laços, realmente capturando a essência de RWBY. Jeff Williams também é creditado em outras músicas do jogo, porém, considerando a enorme diferença de qualidade de “Ever Strong” para o restante da trilha sonora, essa informação parece-me suspeita.
Jeff e Casey em uma convenção

Como lutam as caçadoras

Sobre o gameplay, é preciso comentar a estrutura das missões e o combate. Sem nenhum tipo de exagero, o jogo todo é uma série de fetch quests. No início de cada capítulo será dada ao jogador uma nova missão. Ao completá-la, você ganhará o item que um personagem anterior requisitou ou outro NPC aparecerá pedindo alguma coisa. Repita este processo de quatro a cinco vezes por capítulo, enfrente um chefe e vá para o próximo capítulo, para repeti-lo novamente. Não há nenhum tipo de variedade nas missões: não há fases de escolta, de espionagem ou de puzzle. Apenas “ache meu item e traga de volta para mim”.
Exemplo de um NPC pedindo um item para que você possa progredir 
O level design é igualmente maçante. Todas as fases podem ser resumidas a andar na direção oposta àquela que você veio até algo bloquear a sua passagem, ou você encontrar o objetivo da missão. 
Cada nova fase não apresenta algo realmente novo. Diferentemente de jogos como Donkey Kong Country, no qual cada fase possui uma mecânica única, como os carrinhos das minas ou os barris voadores, tornando o gameplay interessante e distinto, em Arrowfell a única diferença de uma fase para outra é a posição dos inimigos e das plataformas. 

O jogo também desencoraja exploração, pois a maioria das fases possuem áreas que só poderão ser acessadas mais tarde e praticamente nenhum segredo ou bônus escondido.
O sistema de combate exacerba toda essa monotonia. O jogador pode alternar livremente entre as quatro personagens jogáveis, mas fora os momentos que o jogo te obriga a utilizar uma das garotas, há pouco motivo para não usar apenas a sua favorita.

Isto porque as ferramentas oferecidas para o combate são extremamente limitadas, dando quase nenhuma liberdade para o jogador e identidade para as personagens. Cada garota tem três ações: um ataque físico, um projétil e uma habilidade especial que pode ser utilizada em combate, mas que é usada principalmente para travessia. Nenhum dos ataques físicos ou dos projéteis das personagens são exatamente iguais, há variações no alcance, dano e no recovery, e as habilidades incluem dashes invencíveis e jutsu clone das sombras, mas todos promovem o mesmo estilo de jogo. 
Weiss utilizando sua habilidade, que permite criar plataformas de gelo
Em última instância, quem determina como você vai jogar não é seu personagem, mas seu inimigo, pois o que cada garota pode fazer é praticamente o mesmo. Outro problema do jogo é sua progressão. Há duas maneiras de evoluir seu personagem: coletando pontos de proficiência nos cenários e completando os objetivos de certos NPCs.

Aonde nos leva a jornada

Os pontos de proficiência podem ser utilizados para melhorar quatro aspectos de qualquer uma das garotas a qualquer momento, em até quatro níveis, na ordem que o jogador preferir: dano do ataque físico, dano do projétil, defesa e regeneração de energia. O problema deste sistema é que ele não faz nada além de alterar números. Não há uma árvore de talentos; basicamente, o sistema torna seus personagens mais resistentes e os inimigos mais frágeis. Não adiciona nada de interessante ao gameplay e deixar de utilizá-lo não necessariamente torna o jogo mais desafiante, apenas mais lento e maçante, pois os inimigos vão demorar muito mais para morrer.

O segundo sistema de progressão melhora as habilidades e acontece ao completar objetivos passados por certos NPCs. A habilidade de cada garota será melhorada apenas uma vez, mas é um upgrade que tem pouco impacto no combate e é utilizado mais para acessar áreas antes inacessíveis. Sobre a história, esta é tão genérica e desprovida dos elementos principais de RWBY que eu diria que chega a ser dispensável. O jogo é canônico para a série, mas pode ser facilmente ignorado, pois não adiciona nenhum elemento novo a lore e não desenvolve os personagens ou os relacionamentos entre eles. 

Sem dar muitos detalhes (e também para evitar spoilers), aconteceram ataques de criaturas de Grimm em diversos lugares sob condições incomuns, indicando algum tipo de manipulação, e durante o jogo inteiro o time deverá investigar esses ataques. A maneira que a história é contada também não contribui para a experiência. A maior parte da narrativa é contada através de diálogos com NPCs, em uma série bem longa de caixas de texto sem dublagem. 
Exemplo de um dos diálogos com os NPCs
A história é muito linear e previsível e os personagens são extremamente unidimensionais, além de os diálogos terem uma finalidade praticamente tutorial. Em outras palavras, eles poderiam ser facilmente substituídos por mensagens do menu apontando o próximo objetivo, pois as conversas se estendem demais sem que nada de muito significativo seja dito. A maior parte deste texto é preenchido com tentativas de humor, mas as piadas são bem fracas e algumas até se repetem várias vezes, enfatizando o quanto não são engraçadas.

No início e final de cada capítulo são exibidas cutscenes totalmente animadas e dubladas, com um nível de qualidade praticamente idêntico ao da oitava temporada da série. Por si só, estas não são um problema, mas também não são o suficiente para salvar a história, principalmente considerando que o nível do roteiro é o mesmo e estas cenas somadas duram entre 10 a 15 minutos.
Trecho de uma das cutscenes do jogo
Em termos de adaptação, tanto o gameplay quanto a história não passam a sensação de que estamos no mundo de RWBY. Fora os personagens, há pouquíssimos elementos que conectam o jogo à série. 
Para exemplificar o quão avulso o jogo é do resto da série, é possível compreendê-lo sem nenhum conhecimento prévio de RWBY. Inclusive, depois de jogá-lo, você conhecerá alguns personagens que só aparecerão nas temporadas mais recentes, mas praticamente sem nenhum conhecimento de spoilers da narrativa, pois os eventos da série são basicamente ignorados.

Infelizmente, RWBY: Arrowfell é mais um exemplo de jogo licenciado de qualidade questionável. O jogo é relativamente curto (o tempo médio para completá-lo é de seis horas), não é desafiante e não tem nada para manter o jogador realmente interessado. Funções praticamente básicas também estão ausentes, como um botão de esquiva e um mapa interno para cada fase. 

Este é um jogo que eu não vejo muitos motivos pelos quais poderia ser recomendado. Não é impossível se divertir com ele, particularmente foi interessante descobrir maneiras de completar as salas de emboscada rapidamente, mas isto é mais por conta de um desafio pessoal do que pelas mecânicas e level design do jogo serem engajantes.

Até mesmo para fãs da franquia RWBY eu diria que o jogo não vale a pena, pois a história – que poderia ser significativa para este público – é completamente irrelevante. A única parte do jogo que considero legitimamente de boa qualidade é a canção “Ever Strong”, mas não é o suficiente para justificar a compra de um jogo.

Prós

  • Boa performance;
  • Gráficos agradáveis e personagens bem detalhados.
  • Design de som.

Contras

  • Gameplay desinteressante e level design repetitivo;
  • História genérica e desconectada da websérie;
  • Personagens com habilidades muito limitadas e sistema de progressão que não adiciona nenhum ataque novo.
RWBY: Arrowfell — PC/PS4/PS5/XBO/XSX/Switch — Nota: 3.0
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Heloísa D’Assumpção Ballaminut
Análise produzida com cópia digital cedida pela Wayforward

Jornalista e escritor. Me expresso melhor pelo papel e caneta então uso-os para falar dos meus assuntos favoritos. Deposito meus pensamentos no medium.com/@Easreferencias.
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