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Análise: Astronite (Multi) é um metroidvania 1 bit despretensioso com altos e baixos

Desenvolvido por uma pessoa só, esta obra curiosa tem momentos interessantes quando o backtracking não atrapalha.

Astronite
foi criado por um desenvolvedor solo do estúdio espanhol Dume Game e publicado pela editora conterrânea JanduSoft. Sendo um jogo simples, ele pode ser facilmente descrito pelo título desta análise: trata-se de um metroidvania 1-bit depretensioso, com altos e baixos. Precisamos destrinchar essa frase.

Metroidvania...

Assim como o pai do gênero, Super Metroid (SNES), Astronite é uma viagem às profundezas de um planeta infestado por invasores. A diferença é que Neplea é o lar natal do seu povo, que foi expulso por uma Entidade descoberta no núcleo do planeta. A Entidade desconhecida formou um exército que agora ocupa todo o lugar e causou a ruína dos exploradores enviados para descobrir uma maneira de retomar a terra.



Você é Astronite, o próximo agente designado para a missão, mas sua nave cai na superfície de Neplea. Sem ter como sair ou se comunicar com sua base, sobreviva, destrua os inimigos e reivindique o planeta de volta para seu povo. A história é simples, então não espere surpresas. Por outro lado, há um bom ritmo de diálogos que dão a sensação de que a trama está sendo tecida.

As conversas são coloquiais e usam gírias e ironia para fazer humor, como quando Astronite diz “isso soa familiar" quando ouve a explicação de que seus shpirtis (pontos de experiência) perdidos poderão ser recuperados no lugar em que morreu, em referência à série Dark Souls. Tudo está traduzido no nosso bom e velho português brasileiro.



Como é comum nos metroidvanias, aqui também temos um grande mapa interconectado no qual se avança à medida que o protagonista adquire novas habilidades e equipamentos. Embora o jogo tenha vários trechos de plataforma interessantes, o design do mundo, no plano geral, deixou a desejar.

O motivo maior é o backtracking trabalhoso durante a primeira metade da campanha. O começo é linear, mas sem um caminho intuitivo, o que permite que você enverede por becos até então sem saída, que nada acrescentam como descoberta e quebram o ritmo da exploração.
 
Sempre que eu obtive uma nova capacidade, tive que testar as várias lacunas no mapa para ver quais delas eu era agora capaz de superar. Essas travessias chegaram a ser incômodas, deixando a sensação de perda de tempo desnecessária.



Um exemplo de falhas no planejamento da progressão está em um local que precisa de certa habilidade para atravessar. Quando você finalmente adquire tal opção e retorna para descobrir o que estava para além daquela sala, ao invés de ter qualquer tipo de recompensa, conhecimento ou curiosidade, encontra apenas outra barreira que só será acessível bem mais adiante, pois depende do desenrolar da história.

Na segunda metade, com mais habilidades e já havendo explorado a estrutura básica, a jornada fica mais aberta e tem mais opções de progressão, inclusive permitindo buscar certos objetivos na ordem desejada. Essa foi a parte mais interessante e divertida, deixando a impressão de que o mundo de Astronite foi construído para funcionar sob essa dinâmica e que as limitações do início servem apenas de entraves e não para a satisfação da curva de empoderamento do jogador.

...1-bit...

Provavelmente, o que primeiro chama a atenção em Astronite é seu visual 1 bit. Arte de pixel retrô em preto e branco? Essa escolha certamente deve dividir o público e afastar de imediato os que não gostam. Os demais, porém, estejam seguros que a arte do jogo tem seu mérito e funciona bem.

Essa estética é chamada assim porque 1 bit corresponde a um único dígito binário, que só pode variar entre dois valores mutuamente excludentes: 0 ou 1. Ao transpor essa ideia para a arte visual, a premissa é que o jogo em sua totalidade comporte apenas duas cores.

Nessa linha, eu já havia jogado o excelente Return of the Obra Dinn (Multi), o ótimo Minit (Multi) e o bom Gato Roboto (Multi). Astronite faz um trabalho competente em conseguir criar cenários distintos em preto e branco, planos de fundo e partículas flutuantes para adicionar profundidade, além de animações bem-feitas que dão mais vida ao conjunto.



O importante é criar formas através de um contraste que colabore para que tudo seja perfeitamente compreensível; apenas em algumas ocasiões fiquei confuso por haver muitas coisas ao mesmo tempo na tela e acabei não percebendo o projétil lançado por um inimigo. Nas opções, é possível aplicar dois filtros, que preferi não usar.

Seguindo a lógica minimalista, o design de som é intencionalmente simples. Eu valorizo muito a música em videogames e, infelizmente, Astronite não se sai bem nessa parte. A maior parte da campanha não tem trilha musical; só pude percebê-la nos chefes e por vezes eu aumentei bastante o volume para averiguar se havia algo tocando.

O problema é que eu nem mesmo sei dizer o que acho das músicas que realmente estão no jogo porque não consegui discerni-las. O menu de configurações possui um único medidor de volume geral, impedindo a regulagem entre volume de música e de efeitos sonoros, de forma que estes sempre se sobressaem e escondem as melodias, o que é uma pena, considerando as músicas enérgicas dos trailers, que você pode conferir ao final da análise.

...despretensioso...

Astronite não é longo, mas tem uma duração apropriada para sua proposta. Precisei de 10 horas para completar 100% do mapa e das melhorias. Ao zerar, contabilizei 98% dos troféus. Tenho conhecimento de uma única ponta solta que não desvendei (pode haver mais, é claro).



A questão é que os equipamentos e melhorias são tímidos. Você começa com tudo o que precisa: a arma, a propulsão (um dash) e a mochila a jato, que é o melhor diferencial da gameplay e deixa o personagem mais gostoso de controlar.

Ainda no começo, o vilão toma as suas coisas e o força a se preparar do zero, mas o efeito disso é que você não terá surpresas em seus achados, vai apenas recuperar aquelas três habilidades e obter cinco melhorias para cada uma, que influem apenas em distância, tempo de recarga e cadência de tiro. Fora isso, há apenas pontos de vida extra. Astronite sequer precisa de um menu para gerenciar o personagem, tudo é representado na própria tela de jogo.



Algumas das melhorias podem ser compradas, mas a maioria também não contribui muito para variar a gameplay e tem pouca relevância. Duas das mais baratas, por exemplo, mostram o nome e a barra de vida dos inimigos. Como a maioria deles morre em dois a três ataques, deixei para comprar essas por último.

O combate também é simples, pois existem apenas dois tipos de ataque: tiro normal e carregado, somente em quatro direções. Mesmo assim, a jogabilidade é satisfatória e, com a evolução na campanha, bastante divertida, especialmente ao enfrentar os chefões. Ainda assim, uma pequena variedade de três ou quatro armas seria suficiente para tornar a peleja mais dinâmica.



O cerne da dificuldade está na impossibilidade de se curar enquanto se aventura. Para recuperar os pontos de vida, é necessário passar pela máquina de salvamento, o que também restaura todos os inimigos já derrotados.

...com altos e baixos

Como ponto mais alto eu destaco os chefes, que são desafiadores e requerem que o jogador aprenda a coreografia para se mover conforme a dança. Morri várias vezes nessas lutas, mas sempre de forma justa, o que me fazia retornar com a motivação de que, se me concentrasse melhor, sem afobação, na próxima vez eu conseguiria derrotar os enormes oponentes.

É preciso também dizer que outro ponto forte de Astronite está nos puzzles equilibrados e também nos minigames que remetem a clássicos, como Pac-Man. De sobremesa, há uma arena de batalha contra ondas de inimigos que me consumiu várias tentativas empolgantes até aprender tudo bem certinho e finalmente sair vitorioso.

Astronite tem várias pequenas faltas que não o estragam, mas diminuem a experiência do que o jogo poderia oferecer. Não é uma boa porta de entrada para conhecer o gênero, mas pode agradar o suficiente aos que já estão habituados e querem mais uma aventura retrô para explorar num fim de semana.
 
No fim, este é o tipo de jogo com alguns bons acertos e falhas toleráveis, mostrando potencial para melhorias em uma futura sequência ou novo título do desenvolvedor.

Prós

  • Totalmente em português brasileiro;
  • A estética 1 bit é bem executada;
  • Chefes desafiadores;
  • A combinação de dash e mochila a jato dão bom controle do personagem; 
  • Os puzzles e mini-games sempre valem a pena.

Contras

  • Os momentos de backtracking podem ser cansativos e um pouco frustrantes;
  • Pouca variedade de equipamentos e melhorias de personagem;
  • Música inexpressiva.
Astronite — PS4/PS5/PC/XBO/XBX/Switch — Nota: 7.0
Versão utilizada para análise: PS5

Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela JanduSoft

Admiro videogame como uma mídia de vasto potencial criativo, artístico e humano. Jogo com os filhos pequenos e a esposa; também adoro metroidvanias, souls e jogos que me surpreendam e cativem, uma satisfação que costumo encontrar nos indies.
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