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Análise: Temtem (Multi) é um RPG de coleta de monstros divertido, mas que carece de originalidade

Título desenvolvido pela Crema possui qualidades, mas sua adesão quase completa à fórmula de uma certa franquia impede uma exibição mais consistente.

Anunciado com pompas em uma campanha para lá de bem-sucedida na plataforma de financiamento Kickstarter em 2018, Temtem (Multi) é um RPG multiplayer em que o principal foco do jogador é capturar e treinar monstrinhos diversos enquanto se viaja por um território repleto de mistérios e maravilhas.


Se a descrição acima soa familiar, é intencional — desde o início, o game desenvolvido pela Crema se mostrou altamente influenciado pela série Pokémon, da Nintendo. Porém, será que, após um início promissor via Acesso Antecipado, a longa espera pelo lançamento oficial valeu a pena? Confira a seguir em nossa análise!

Temtemos que pegar

A história de Temtem se passa no Arquipélago Flutuante, uma localidade fictícia composta por seis ilhas distintas onde praticamente todas as crianças sonham tornar-se domadoras e iniciar uma aventura épica em busca dos melhores monstros e batalhas.

No papel de um novo treinador com visual e gênero personalizáveis, você está finalmente iniciando a sua jornada. Esse importante acontecimento, conhecido como a véspera dos aprendizes, é celebrado por todos quando ocorre, com a vizinhança reunindo-se para dar bons votos aos novatos.

Como parte das celebrações, você recebe a sua Tempédia (um moderno e intuitivo dispositivo capaz de mostrar todos os Temtem que você já visualizou e guardar informações detalhadas sobre eles) e escolhe o seu primeiro monstrinho, concedido pelo jovem e entusiasmado professor Konstantinos.

A partir daí, você está pronto para desbravar o mundo, criando a sua própria história de domador em um servidor compartilhado com diversos outros jogadores simultaneamente. Como veremos a seguir, esta é uma proposta tão familiar quanto ambiciosa, mas que, infelizmente, não está imune aos tropeços em sua execução.

Um competidor digno?

Recentemente, Lucía Prieto, uma das desenvolvedoras de Temtem, comentou sobre as comparações com Pokémon, dizendo que estas são naturais entre obras do mesmo gênero, mas enfatizando que produções diferentes devem ser julgadas pelos seus próprios méritos. 

Concordo com a colocação de Prieto, embora eu deva reforçar aqui que Temtem acaba trazendo para si comparações inevitáveis ao mergulhar de cabeça na fórmula clássica da série da Game Freak. Sendo sincero, da história ao level design, passando pelas animações dos golpes, praticamente tudo em Temtem transpira a inspiração em Pokémon, e isso se traduz tanto em pontos positivos quanto negativos durante a experiência com o título.

De um lado, por exemplo, temos aqui uma receita testada e aprovada, que, já avisando de antemão, tem o potencial de satisfazer sim os fãs do gênero. Do outro, é difícil não notar a ausência de originalidade em diversos aspectos cruciais. E, sem inventividade, torna-se difícil mascarar alguns problemas que acabam prejudicando a experiência…

MMO... ou não?

Tantas são as similaridades que, se você já jogou algum Pokémon na vida, não terá dificuldades para se adaptar à jogabilidade de Temtem. Basicamente, assim como na franquia da Nintendo, aqui você andará de rota em rota, batalhando com outros domadores enquanto captura e treina Temtem para enfrentar os oito Dojo Masters espalhados pelas ilhas do jogo.

As batalhas em si são a melhor parte do título, ocorrendo no formato 2x2 por turnos. Com dois monstros de cada lado ao mesmo tempo, há um grande foco em aproveitar a sinergia entre os seus companheiros: diversos golpes são mais fortes quando usados juntos ou quando há uma combinação favorável entre os seus comandados.

Junte isso com habilidades especiais chamadas de perfis, 12 tipos diferentes com suas próprias resistências e fraquezas, e a dificuldade relativamente elevada da IA, e você provavelmente se verá tendo que pensar e planejar as suas ações para prosseguir na história. Para mim, o recado de que Temtem não era exatamente um passeio no parque veio logo na minha primeira batalha com o rival Max, em que perdi graças a um OHKO aplicado sem dó nem piedade. 

A dificuldade mais elevada é um dos grandes trunfos de Temtem. É só uma pena que ela venha acompanhada de uma grande necessidade de grind, que suspeito ter a ver com a abordagem MMO (multijogador massivo online) do jogo. Em absolutamente toda área do mapa, incluindo casas e lojas, você verá outros jogadores realizando ações individuais em suas jornadas.

Mas, ao contrário do que as movimentadas capturas de tela podem sugerir inicialmente, as interações JxJ disponíveis não são tão fluidas — é preciso acessar primeiramente um submenu dedicado para enviar uma solicitação de amizade ou convites para batalha e troca (e estes podem nunca ser respondidos). Além disso, embora seja possível jogar a campanha de forma cooperativa com um amigo, caso você não esteja interessado em torneios ou coisas do tipo, a única outra atividade co-op disponível até então está restrita ao endgame.

Assim, a impressão que fica é de que, poluição visual à parte, Temtem é um jogo single player com uma maquiagem multiplayer. No que percebo como uma crise de identidade severa, para celebrar o lançamento foi incluído no jogo um passe de batalha pago com itens cosméticos, mas não foi feita qualquer menção a um mapa de atualizações futuras ou eventos sazonais, comuns nos “jogos como serviço” atuais.

E, uma vez que a proposta de um multijogador massivo não é cumprida, é difícil relevar as decepções, como a história que não empolga, os diálogos e NPCs genéricos, missões que normalmente se resumem a falar com personagens em pontos distintos do mapa e o preço consideravelmente alto de itens de cura e repelentes, que precisam ser usados a cada dois combates em média, quebrando regularmente o ritmo da aventura. Com os valores de produção de Temtem e o tempo passado em Acesso Antecipado (em que é possível obter o feedback da comunidade em primeira mão), confesso que eu esperava mais do jogo. O que é apresentado não é o suficiente para ele se distinguir positivamente de suas maiores referências.

Beleza considerável

Já no que tange à parte técnica, Temtem não decepciona. Seus visuais vibrantes e cartunescos trazem leveza e diversidade à apresentação da obra, e o capricho nas animações, como quando um Temtem é derrotado, certamente impressiona. O mesmo pode se dizer da trilha sonora, orquestrada e assinada pelo espanhol Damian Sanchez, que também trabalhou em Immortal Redneck (Multi) e Demon Slayer II (Mobile). 

Jogando no PC, não tive problemas com desempenho, bugs ou crashes. Apesar do caráter sempre online do jogo, também não experimentei instâncias de lag ou erros de conexão, o que é sempre um ponto positivo. E fiquei positivamente surpreso com a possibilidade de ajustar alguns elementos gráficos, como a qualidade das texturas, e de escolher a taxa de quadros do game manualmente (além de 30 e 60, há opções para 72, 120, 144 e ilimitado).

Outro ponto que definitivamente merece elogios é a implementação de recursos como cross-play e cross-progression. Graças ao primeiro, é possível jogar junto de domadores de diversas plataformas; já com a progressão cruzada, você pode começar uma partida no Steam e continuar no Switch, por exemplo.

Vem que tem!

Temtem é um RPG divertido, mas que definitivamente sofre com a ausência de originalidade. Sem muitas ideias próprias, fica difícil não pensar no conceito de oportunidade perdida, especialmente quando se leva em conta as ambições multiplayer dos criadores e a fórmula consideravelmente estável. Ainda assim, trata-se de uma aventura recomendada aos fãs do gênero — basta que as expectativas sejam adequadamente dosadas, pois não há absolutamente nada de revolucionário aqui.

Prós

  • Batalhas divertidas;
  • Leque vasto de opções estratégicas para os 164 monstrinhos;
  • Direção de arte agradável;
  • Cross-play e cross-progression são recursos muito bem-vindos;
  • Versão de PC se destaca pela otimização;
  • Suporte a português brasileiro.

Contras

  • Personagens genéricos não empolgam;
  • Requer grind considerável;
  • Opção nuzlocke citada no Kickstarter não está presente no lançamento;
  • Ausência de um mapa de atualizações põe em xeque o caráter MMO da obra;
  • Battle pass e loja de itens pagos levantam a questão de se o jogo não deveria abraçar o modelo free-to-play.
Temtem — PC/PS5/XSX/Switch — Nota: 7.5
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Ives Boitano
Análise produzida com cópia digital cedida pela Humble Games

é bacharel em Produção Cultural pela UFF e estudante de Comunicação Social pela FSMA. Na infância, ganhou um Super Nintendo dos pais e, desde então, nunca mais deixou o mundo dos games. Ainda sonha em ser um Mestre Pokémon.
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