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Análise: Foretales (PC/Switch) usa cartas e toques de RPG em uma ótima aventura narrativa

Tente impedir futuros nefastos neste título indie envolvente.


Em Foretales, um vigarista é a única esperança de evitar o fim do mundo. O jogo é uma aventura com toques de RPG que utiliza cartas e outros artifícios em sua narrativa. O seu maior trunfo é a flexibilidade: há mais de uma maneira de alcançar os objetivos e a trama pode tomar diferentes rumos. Além de boas ideias, o título cativa com uma atmosfera vibrante e bem produzida, mas algumas mecânicas atrapalham o ritmo em alguns momentos.

Tentando impedir profecias catastróficas

Volepain é um ladrão que vive de fazer pequenos furtos e golpes. Um dia, ele recebe a tarefa de invadir uma casa e surrupiar uma lira — a proposta é tentadora, pois ela parece ser fácil e a recompensa é boa. Porém, ao colocar as mãos no instrumento, ele descobre que o objeto é enfeitiçado e permite ver o futuro. O problema é que o porvir não é nada animador, pelo contrário: as visões revelam inúmeros eventos desastrosos. Volepain decide agir para mudar o futuro, mas ele precisa ser rápido, pois os cataclismas estão próximos.


Foretales usa essa premissa em uma aventura cuja narrativa e andamento são ditados por cartas em um misto de tabuleiro e RPG. Em cada história, cartas representando localidades e situações estão espalhadas na mesa e podemos interagir com elas utilizando nossos cartões. Em um mercado agitado, por exemplo, podemos obter moedas ao jogar uma carta de furto de carteiras. Já para lidar com uma patrulha de cavaleiros, uma opção é utilizar um cartão que faz Volepain soprar poeira e escapar furtivamente.

Cada personagem tem um baralho próprio com ações distintas. Volepain, por exemplo, é focado em furtividade e furto. O tigre Leo usa seu faro aguçado e carisma para encontrar segredos e aliados. Já o gorila Karst prefere a força bruta e é uma ótima opção para quebrar coisas ou enfrentar oponentes. As cartas de localidade reagem de forma diferente de acordo com nossos movimentos e normalmente há mais de uma opção para resolver as situações. Uma prévia do possível resultado aparece ao arrastar as cartas, o que nos permite fazer jogadas conscientes.


Volepain prefere agir nas sombras, mas às vezes o conflito é inevitável e o grupo precisa enfrentar inimigos em combate. Em cada turno dos embates, os participantes atacam automaticamente o alvo mais próximo e podemos utilizar cartas diversas durante os intervalos. Um ponto interessante é que a violência não é a única opção: podemos subornar os oponentes com dinheiro ou comida, ou então usar nossa fama para convencê-los a ir embora.

A jornada tem progressão aberta e com muitas possibilidades. Normalmente podemos escolher livremente entre um diferente grupo de missões, que funcionam como aventuras individuais. Mas precisamos escolher com cuidado: os eventos catastróficos ficam destacados no quadro de histórias e temos tempo limitado para tentar mudá-los. Com isso, dependendo das nossas decisões, a trama muda de rumo significativamente, e certos eventos são excludentes. O jogo conta com vários finais e para ver todas as possibilidades é necessário terminar a aventura várias vezes.



Mergulhando em um envolvente mundo de cartas

O conceito de utilizar cartas em interações pode parecer limitado, mas Foretales surpreende com sua variedade de situações. Curiosamente, pelo caminho, podemos obter todo tipo de recurso, que são representados como cartões utilizáveis nas ações: um garoto para ajudar a carregar coisas, armas para uso no combate, aliados poderosos, mapas e documentos e até mesmo informações e boatos úteis.

O detalhe que mais me conquistou no jogo foi a flexibilidade, pois existem várias maneiras de resolver os problemas. Em uma missão, por exemplo, eu precisava tirar um aliado da prisão. O caminho mais fácil era enfrentar os guardas em um combate complicado, porém preferi criar uma distração em outro lugar para não precisar lutar. Para convencer uma pessoa de um ataque iminente, precisei me esgueirar por diferentes acampamentos em busca de evidências. Até mesmo ações simples, como obter itens de um vendedor, têm mais de uma opção de abordagem. Os passos vão ficando cada vez mais complexos no decorrer da jornada e lembram puzzles elaborados.


A narrativa é majoritariamente linear, no entanto o jogo incentiva a criatividade e a exploração constantemente. Além dos diferentes resultados para os eventos, cada missão conta também com rotas alternativas e segredos. Alguns desses conteúdos, inclusive, só podem ser acessados com itens ou personagens específicos, então é bem capaz que você só conseguirá vê-los em uma segunda partida. Particularmente, gostei de experimentar as possibilidades das cartas.

Um ponto notável é o peso das nossas escolhas. Dependendo das missões que escolhemos, algumas das visões catastróficas se tornam realidade, alterando profundamente o mundo do jogo e o rumo da história, o que bloqueia ou libera eventos específicos. Além disso, há incentivo para evitar matar inimigos: muitas cartas no cemitério fazem com que personagens mudem de atitude em relação ao protagonista Volepain. Para ver todos os finais e todas as linhas de história, é necessário jogar várias vezes e com muita atenção.


Uma ambientação elaborada torna a experiência envolvente. As cartas são belas, com ilustrações elaboradas e repletas de personalidade. Já a mesa tem alterações sutis de acordo com os cenários: uma folhagem aparece quando estamos em uma floresta, a iluminação é menor no interior de uma caverna, a madeira recebe cortes de faca durante os embates. A narração cuidadosamente dublada e sons que reforçam os temas das cenas complementam a atmosfera, que me lembrou uma partida de RPG de mesa.

Lidando com a falta de lógica e com a repetição

A mescla de conceitos torna Foretales único, mas a experiência não é livre de problemas irritantes. Para começar, às vezes é difícil entender o que precisamos fazer para avançar na trama das missões, mesmo com descrições claras do objetivo. O motivo disso vem do fato de que certos passos exigem o uso de cartas específicas cuja relação não faz tanto sentido. Por exemplo, em determinado trecho eu precisava vasculhar uma tenda em busca de documentos, mas nenhum dos meus cartões parecia oferecer uma ação para isso. No fim, a solução era lançar poeira no recinto — simplesmente não tem lógica.


Outra questão negativa é a navegação pelos cenários. As áreas da missão ficam dispostas na mesa e para avançar para o próximo local é necessário jogar alguma das nossas cartas para desencadear uma interação. Acontece que nem sempre conseguimos planejar com precisão como chegar onde precisamos, o que demanda ficar gastando cartões ou então ficamos rodando em círculos pelos mesmos locais. Com isso, às vezes é um pouco cansativo tentar avançar. Para piorar, muitos dos temas, situações e cartas de locais se repetem pelas missões, o que traz uma sensação de mais do mesmo a longo prazo.

Por fim, há o conflito conceitual do combate. O jogo constantemente nos incentiva a resolver os embates pacificamente, bloqueando opções caso matemos inimigos demais. No início é interessante intimidar e aliciar oponentes, mas a grande quantidade de batalhas torna isso maçante com o passar do tempo. Além disso, é comum conseguir recursos para os confrontos, como armas de único uso ou aliados — se a intenção é evitar o mínimo a matança, por que há tantas armas? Eu entendo a intenção, mas faltou um pouco de equilíbrio nesse aspecto.



Um ótimo conto multifacetado

Foretales combina cartas, elementos de puzzle e pitadas de RPG para criar uma envolvente experiência narrativa. A jornada do larápio Volepain é repleta de situações interessantes cuja solução tem mais de uma possibilidade — experimentação e criatividade são essenciais para conseguir avançar pela trama.

Combates, enigmas e diversidade de eventos tornam a aventura rica, no entanto há alguns problemas: certos objetivos têm resposta obtusa demais, navegar por alguns cenários é cansativo e o reúso de localidades e situações trazem um pouco de repetição. Por sorte, a ambientação com ótima dublagem, visual vibrante e personagens carismáticos conseguem compensar os pontos negativos.

No mais, Foretales é uma aventura única que vale a pena ser conferida.

Prós

  • Mecânicas que combinam de maneira notável cartas, tabuleiro, RPG e puzzle;
  • Muitas possibilidades para resolver os problemas incentivam a experimentação;
  • A trama se altera de acordo com as nossas escolhas, o que modifica sensivelmente o andamento de cada partida;
  • Ambientação envolvente com arte elaborada e ótima dublagem.

Contras

  • Soluções de algumas situações são obtusas demais;
  • Ritmo cansativo em algumas missões;
  • Repetição de cartas e situações traz sensação de mais do mesmo;
  • Combate com ideias inconsistentes.
Foretales — PC/Switch — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Vitor Tibério
Análise produzida com cópia digital cedida pela Dear Villagers

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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