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Análise: Soul Hackers 2 (Multi): futuro, humanidade e conflito

Sequência de Shin Megami Tensei: Devil Summoner: Soul Hackers expande o universo de seu antecessor em prol de novos horizontes.

O anúncio de Soul Hackers 2 foi um tanto inesperado, tendo em vista que o original foi feito em 1997 e até o seu port para 3DS já tem cerca de 10 anos. Além da questão do timing, Soul Hackers fazia parte de um contexto bem específico, sendo o segundo jogo de uma subsérie de Shin Megami Tensei chamada Devil Summoner. Sendo assim, nunca houve uma percepção de que Soul Hackers precisaria de uma sequência ou poderia se tornar a sua própria série.

Porém, a Atlus decidiu investir em retornar a esse universo na expectativa de dar-lhe uma segunda oportunidade. Mais do que isso, a ideia era aproveitar a imagem mental que o nome evoca nos jogadores: um contexto futurista em que a cibernética e os avanços tecnológicos profundamente afetam a todos.

Apesar de esse ponto ser algo abordado frequentemente na franquia, havia a necessidade de atualizar o universo para refletir as mudanças tecnológicas desses 25 anos. Enquanto o original trabalhava dentro de uma perspectiva retrofuturista, Soul Hackers 2 procura pensar no que nós vemos como futuro hoje, enquanto mergulha na discussão tecnológica e de vários elementos do seu universo, alguns dos quais já presentes no seu antecessor.

Humanos, máquinas e o apocalipse

Soul Hackers 2 conta a história de Ringo, um terminal humanoide individualizado construído a partir de Aion, uma espécie de ser senciente nascido do mar de dados gerados pelos seres humanos. O início do jogo mostra a “garota” ganhando consciência de si e das suas instruções: impedir o fim do mundo calculado por Aion. Para isso, Ringo e sua “irmã” Figue (que foi criada da mesma forma) recebem missões para tentar entrar em contato com pessoas que seriam figuras-chave para impedir a calamidade iminente.

Porém, infelizmente, a missão não é nada trivial e o resultado inicial é uma falha. Para poder reverter a situação e ter uma forma de impedir o “apocalipse”, Ringo terá que usar uma técnica complexa chamada Soul Hack. Adentrando na alma de uma pessoa, ela é capaz de reestruturá-la e até reverter a sua morte. Graças a isso, Ringo e três invocadores profissionais de demônios acabam tendo suas vidas conectadas e lutando juntos em prol de um mesmo objetivo.

Chama a atenção em especial as escolhas feitas para reforçar as nuances do universo em que o jogo está inserido. Primeiramente, os personagens da equipe principal formam um grupo heterogêneo. Enquanto Ringo é uma agente de Aion que ainda está aprendendo sobre a humanidade, os outros três personagens estão habituados a viver no submundo envolvido com a invocação de demônios e, mais do que isso, possuem lados muito diferentes nas disputas diárias de poder.

Em Soul Hackers 2, temos duas forças principais: de um lado, a Shadow Society tenta conquistar poderes sobrenaturais dos Covenants para invocar uma criatura chamada The Great One, capaz de destruir e reconstruir o mundo; de outro, a Yatagarasu, que se esforça para impedir essa ambição. Os dois grupos também possuem outras agendas, com a Yatagarasu tendo uma forte relação com o clã Kuzunoha e a disputa pelos Covenants sendo apenas uma parte do atrito entre eles.

Dos aliados de Ringo, Arrow, que sempre almejou ser um “herói”, está aliado à Yatagarasu, enquanto Milady é uma assassina que estava preparada para dar a vida para a Phantom Society ou mais especificamente para o seu amado Iron Mask. Por fim, mas não menos importante, Saizo é um agente independente que já trabalhou para ambos os lados em várias missões. Com todos eles presentes, é fácil ver como a noção de lado certo e errado é muito relativa na teia complexa de relações da trama.

Além disso, vale destacar que há vários questionamentos relacionados à forma como usamos as tecnologias, a vida dos invocadores de demônio, o submundo da criminalidade e até mesmo o que significa ser humano. Em particular, para quem já jogou o título anterior, é bastante curioso ver o cuidado da obra em abordar elementos que por vezes eram apenas detalhes menores do mundo do jogo. Essas discussões são especialmente bem trabalhadas nos diálogos e quests opcionais.

O Sabbath

Em termos de gameplay, Soul Hackers 2 é um RPG tradicional baseado em turnos. O jogador deve explorar dungeons 3D e entra em batalha ao encostar em um símbolo de inimigo. É possível também empurrá-los com a espada, deixando-os nocauteados no chão, o que pode resultar em um ataque extra antes de os turnos começarem.

Como tradicional da série Shin Megami Tensei, o combate gira em torno da exploração das fraquezas dos inimigos. Porém, em vez de usar o sistema Press Turn, que tem sido o padrão da franquia há alguns anos, Soul Hackers 2 traz o Sabbath. A ideia dele é a de um ataque carregado ao final do turno que ganha mais força quanto mais o jogador explora as fraquezas dos inimigos e outras vantagens específicas desbloqueadas ao longo do jogo.

Em vez de usar os demônios como aliados diretos em combate como no Soul Hackers original, as criaturas funcionam como uma espécie de equipamento para Ringo, Arrow, Milady e Saizo. Todos os personagens podem alterar demônios, que afetam tanto a afinidade com os elementos quanto a quais técnicas eles terão acesso. Com a evolução deles, é possível até mesmo liberar poderes especiais no Sabbath para recuperar vida, ganhar dinheiro, proteger todos os aliados de ataques físicos, entre outros. Além de ganhar experiência em batalha, os demônios podem ser fundidos para gerar criaturas mais poderosas, desde que estejam abaixo do nível da Ringo.

Outro elemento curioso do jogo é que os demônios servem para uma função especial chamada Demon Recon, que faz com que eles se espalhem pelas dungeons. Ao encontrar-se com um deles, é possível obter itens, curar um pouco do HP e/ou do MP e até mesmo recrutar mais aliados. No caso do último, temos o tradicional sistema de negociação da franquia, mas simplificado de tal forma que as criaturas fazem suas exigências de modo claro desde o início. Se por um lado as negociações acabam perdendo um pouco do carisma usual, por outro a personalidade dos demônios continua presente justamente nos diálogos do Demon Recon com os aliados.

Além dos demônios, o jogador deve melhorar o seu COMP ao longo do jogo comprando upgrades variados. O sistema demanda materiais que podem ser obtidos através do Demon Recon e das batalhas, o que significa que é necessário um tanto de grinding para essa evolução. Além disso, os upgrades são um tanto restritos, alinhados a uma noção de afinidades individuais preestabelecidas, como o fato de que Milady é boa com técnicas de fogo.

Outro elemento importante é a exploração de uma dungeon extra chamada Soul Matrix. Conforme a história avança, o jogador terá a possibilidade de ir mais fundo nessa área que conta com setores para Arrow, Milady e Saizo. Cabe ao jogador coletar Soul Points ao longo de suas escolhas no jogo e depois usá-los para abrir portais dentro desses setores, liberando novas técnicas, a maioria delas habilidades passivas. Infelizmente o design da Soul Matrix é bem repetitivo, dando a sensação de que a expansividade da área se trata mais de uma reciclagem ao longo de seus múltiplos andares.

Por fim, gostaria de destacar os aspectos audiovisuais do jogo, que considero uma parte positiva da obra. A trilha sonora foi composta, arranjada e performada pelo estúdio MONACA e consegue trabalhar muito bem a ambientação futurista em seu uso de elementos eletrônicos, música ambiente e ocasionalmente vocais distorcidos. Já o estilo visual é vibrante, seguindo uma dinâmica de pop futurista que dá bastante cor aos personagens, demônios e ambientes, e faz com que eles saltem aos olhos.

O mar primordial de uma franquia instigante

Soul Hackers 2 é uma entrada que consegue mostrar com primazia o potencial que uma série Soul Hackers pode ter dentro do universo de Shin Megami Tensei. É um instigante novo início e um retorno honesto a um mundo clássico que merece ser mais explorado.

Prós

  • Universo futurista bem desenvolvido com personagens que refletem bem as nuances morais da sua ambientação;
  • O Sabbath é um método interessante de valorizar o conhecimento das fraquezas dos inimigos;
  • O sistema de Demon Recon adiciona elementos curiosos para a exploração das áreas;
  • Quests e diálogos opcionais ajudam a desenvolver mais o contexto de forma significativa;
  • Bons questionamentos sobre tecnologia, humanidade e o que existe para além da força da lei;
  • Trilha sonora que se encaixa bem à noção de futuro da obra;
  • Estilo artístico vibrante com personagens e demônios que saltam aos olhos.

Contras

  • A Soul Matrix tem um design repetitivo e cansativo.

Soul Hackers 2 — PC/PS4/PS5/XBO/XSX — Nota: 9.5
Versão utilizada para análise: PC

Revisão: Ives Boitano
Análise produzida com cópia digital cedida pela SEGA


é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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