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Análise: Disgaea 6 Complete (Multi): a automatização é o futuro do Netherworld

Edição mais recente de Disgaea alia toda a complexidade da franquia com opções fantásticas de qualidade de vida.

A franquia de RPGs estratégicos Disgaea é famosa por seu grinding, ou seja, por valorizar o esforço do jogador em aumentar os níveis de força de seus personagens. Esse aspecto permeia a experiência de todos os seus jogos de forma significativa, sendo o tipo de obra em que é possível gastar centenas de horas para chegar ao time ideal e ter o gostinho de recompensa de ver seus personagens em níveis insanos de força.

Lançado originalmente no Switch, Disgaea 6 trouxe um elemento que muda profundamente a forma dessa experiência: a automatização. Agora, o novo jogo da franquia chega ao PC, PS4 e PS5 em Disgaea 6 Complete, que evita as amarras de performance da versão original e adiciona os DLCs previamente lançados.

Um reles zumbi contra o Deus da Destruição

Disgaea 6 conta a história de um zumbi chamado Zed, que parte em uma jornada para derrotar a maior calamidade já vista: o mais forte Deus da Destruição de todos os tempos. Porém, obviamente essa é uma disputa muito além do que um reles morto-vivo que figura entre as criaturas mais fracas do submundo conseguiria lidar.

A jornada de Zed consiste então em buscar uma forma de ficar forte o suficiente para superar esse obstáculo aparentemente intransponível. Para ter essa oportunidade, ele aceita fazer parte de um ritual específico: a Super Reencarnação. Além de retornar sempre que morre na luta contra essa máquina de matança, Zed fica mais forte e explora mundos diferentes graças a esse sistema.

A ideia é que a Super Reencarnação sempre levará Zed para um lugar no qual ele pode obter forças necessárias para a disputa. No caminho, ele irá ganhar novos aliados, formando um grupo esquisito de indivíduos cujos ideais até se chocam. Apesar disso, os personagens de Disgaea 6 são muito caricatos e genéricos, e a história é o grande ponto fraco da obra, não sendo muito instigante, especialmente na sua primeira metade. Apenas Zed se destaca entre os personagens principais, tendo uma jornada sólida de crescimento pessoal e aprendizado e uma personalidade um pouco mais desenvolvida.

Levando a estratégia para o próximo nível

Disgaea é uma série de RPGs táticos em que o jogador movimenta a sua equipe por mapas compostos por grids quadriculados. O combate alterna entre turnos do jogador, nos quais é possível mover todos os personagens aliados para fazer ataques especiais e combos, e os turnos do inimigo, em que todos os oponentes são movimentados também. Com isso, em vez de uma ação mais pontual, o jogador tem a oportunidade de fazer a estratégia geral para aproveitar ao máximo a sequência de ataques e os posicionamentos da equipe.

Além da movimentação pelo grid e dos ataques básicos, tipos diferentes de personagens podem usar magias e golpes especiais variados. Ao serem colocados nas proximidades, os aliados podem auxiliar nos golpes, aumentando o dano causado nos inimigos.

Outra possibilidade de ação muito importante é a capacidade de lift e throw, ou seja, de segurar outros personagens e atirá-los para outro ponto do mapa. Com essa tática, é possível cruzar o mapa mais rapidamente ou jogar um inimigo para a área de efeito de aliados ou dos chamados Geo Panels, blocos que podem ter efeitos positivos e negativos (como dano ou redução de status).

Em termos do level design, as áreas possuem tanto elementos horizontais como verticais que precisam ser levados em consideração. Nem sempre é possível alcançar os inimigos, seja pela presença de buracos ou áreas muito elevadas, o que exige um bom uso de técnicas como lift e throw ou ataques a distância. Há também outras táticas, sendo possível abusar dos Geo Panels de várias formas. Um bom exemplo é um mapa em que os inimigos que estão em blocos específicos são clonados, uma ótima forma de abusar do sistema para ganhar experiência e nível.

Dominar essas possibilidades estratégicas e ver os seus personagens ficando cada vez mais fortes são os elementos centrais de Disgaea. O esforço em explorar os seus sistemas é bem recompensado por ver os personagens ficando mais fortes, sendo uma série conhecida por valorizar o grinding. Nesse sentido, Disgaea 6 traz uma verdadeira revolução para a série: a automatização.

Com o auto-battle, os personagens lutam por conta própria, simplificando o processo de enfrentar infinitas criaturas nas áreas, especialmente com a funcionalidade de acelerar a velocidade (em 2X, com a possibilidade de desbloquear até 32X). Até mesmo fazer o mesmo mapa várias vezes é simples graças a uma função de auto-repeat, simplificando profundamente o processo de grinding. Basta deixar o jogo rodando e ver os personagens alcançando níveis estratosféricos de força.

Apesar de que a possibilidade de combate automático simples já seria suficiente para oferecer mais qualidade de vida ao processo, Disgaea 6 vai um passo além com o que é chamado de Demonic Intelligence. O jogador pode customizar as ações e prioridades dos personagens de forma detalhada em um menu que funciona como uma programação em blocos. Nele, é possível definir quais ações serão tomadas de acordo com condições até mesmo bastante específicas como “estar com HP abaixo de determinada porcentagem” ou “estar a X blocos de um inimigo”.

Infelizmente, não é possível alternar entre IAs durante as batalhas, fazendo com que o jogador tenha que ter uma espécie de solução mágica que cobre todas as possibilidades de um mapa. Ao encontrar uma área que foge do usual, como algo dificultando o acesso dos personagens aos inimigos, por exemplo, em vez de poder simplesmente ajustar a programação, é necessário tomar as rédeas para si novamente. Como itens e outros benefícios podem ser obtidos ao final de acordo com as ações utilizadas nos mapas, em alguns casos é melhor ter esse controle manual.

Vale destacar que para simplesmente avançar são poucos os mapas da história principal que demandam algo mais complexo do que a opção mais básica de ataque automático caso o jogador esteja no nível apropriado. Vários deles inclusive são bem diretos ao ponto, focando-se no combate contra chefes sem muitos elementos extras a se levar em consideração. Áreas de maior complexidade estão tipicamente presentes em alguns pontos do tradicional Item World, uma espécie de dungeon gerada aleatoriamente dentro dos itens, e que serve como forma de fortalecê-los, e no pós-game.

Guerreiros de forças astronômicas

Para fortalecer os personagens, apenas fazer as batalhas básicas e obter equipamentos melhores não é o suficiente. Disgaea 6 conta com várias outras funcionalidades que é importante levar em consideração. Primeiramente, temos as classes, que incluem opções como arqueiro, mago, artista marcial, robô, monstros variados como o mascote Prinny, etc. Cada uma delas tem vantagens específicas e é possível desbloquear versões mais poderosas de cada uma aumentando a afinidade dos personagens com essa classe.

Os personagens principais não são fechados em uma classe específica, mas para aqueles que são criados pelo jogador, a escolha faz muita diferença. Pertencer a uma classe implica em níveis diferentes de proficiência em armas, assim como uma evolução dos parâmetros de força, como ataque, inteligência e agilidade adequada à escolha.

Uma forma de mudar de classe é por meio da grande mecânica do jogo, a Super Reencarnação, que permite ao personagem começar novamente do nível 1, mas em uma versão mais forte. A cada vez que o jogador usa essa mecânica, ele pode usar pontos de karma para aumentar os parâmetros, ampliar a movimentação e a capacidade de pulo e arremesso ou obter bônus para o dano causado independente dos golpes estarem atrelados a ataque, inteligência ou outro atributo.

Outro elemento fundamental é a loja de habilidades, que permite usar pontos de mana obtidos nas batalhas para melhorar golpes de combate e obter novos poderes chamados Evilities. No primeiro caso, é possível fazer com que ataques especiais fiquem mais fortes ou aumentar a área de efeito de certas magias. Já no segundo é possível obter vantagens passivas bem curiosas como imunidade a doenças, afinidade elemental ou bônus de mana e experiência.

Conforme realiza diversas conquistas, como chegar em determinado nível, derrotar certa quantidade de inimigos ou aumentar a afinidade com as armas, o personagem desbloqueia D-merits. Essas conquistas rendem recompensas variadas, liberando mais opções nas lojas de habilidades, aumentando o ganho de experiência com o uso das armas e até mesmo ampliando o karma.

Além de todos esses elementos que permitem ampliar consideravelmente os poderes dos personagens, algo que chama a atenção em Disgaea 6 é a sua opção por poderes estratosféricos desde cedo. Enquanto outros jogos usualmente tentam manter números pequenos, com um nível 100 sendo algo que demora a ser alcançado, em Disgaea 6, até mesmo o nível 9999 é apenas uma faísca em meio a um universo de possibilidades.

Isso é especialmente notável no fato de que em poucos minutos de jogo já é possível ver golpes cujo dano está nas casas dos milhares. Disgaea 6 abraça o excesso tradicional da série e o coloca na cara do jogador desde o início e, apesar disso parecer, a princípio, algo que poderia minar a sensação de recompensa do jogo, o efeito é o oposto: mesmo um pouquinho de treinamento já é o suficiente para que o jogador note a diferença e entenda se esse tipo de experiência é feita para ele ou não. Assim como a automatização, essa é uma escolha que faz de Disgaea 6 uma entrada perfeita tanto para jogadores iniciantes, que conseguirão ver rapidamente o que a série tem a oferecer, quanto para veteranos, já que o jogo não perdeu a sua complexidade e qualidade estratégica em troca desses ganhos de qualidade de vida.

Além de tudo o que mencionei, o Netherworld tem várias outras mecânicas para levar em consideração, sendo muito importante vasculhar tudo. Um bom exemplo disso são as quests que dão dinheiro, itens e liberam novas classes caso o jogador conclua tarefas específicas. Os cheats permitem modular totalmente a experiência, alterando os ganhos de experiência, mana e outros fatores em uma espécie de balança: por exemplo, receber mais experiência em troca de menos mana.

É possível também mandar aliados que o jogador não usa para missões especiais, rendendo itens e dinheiro no processo. Além de tudo, não seria Disgaea sem a presença da Dark Assembly, que permite ao jogador comprar ou bater em parlamentares para passar leis favoráveis ao seu grupo, como mais verba ou experiência ganha nos mapas. A experiência como um todo é exatamente o que se espera da série com muitas possibilidades de customização e recompensas pelo grinding. 

Talvez a única coisa realmente inesperada é o fato de que Disgaea 6 foi o primeiro jogo da franquia totalmente em 3D, já que antes os personagens eram baseados em sprites 2D. Porém, a NIS fez um excelente trabalho em adaptar o estilo de Takehito Harada para uma versão 3D chibi charmosa e expressiva. Durante os diálogos ainda são utilizadas as lindas ilustrações 2D no formato tradicional da série. A trilha sonora também possui algumas versões novas de motifs musicais já utilizados nas obras anteriores. Em especial, chama a atenção o uso de vozes em algumas trilhas, dando uma nova camada à experiência sonora já conhecida.

A experiência no PC

Em comparação com a versão de Switch, Disgaea 6 Complete no PC não conta com modos de performance, gráfico e “equilíbrio” que eram usados para que o jogo pudesse rodar um pouco melhor no híbrido da Nintendo. No lugar, o jogo conta com opções mais detalhadas, permitindo jogá-lo em múltiplas resoluções nos modos “janela”, “sem bordas” ou “tela cheia”.

Ajustes detalhados incluem limite de frame rate (sendo possível desbloqueá-lo), anti-aliasing, qualidade de sombras e textura, assim como super sampling para melhorar a qualidade de imagens semi-transparentes. O vsync também pode ser desativado e a resolução do 3D pode ser renderizada em até duas vezes o valor normal.

O uso de teclado, mouse e controles também é facilmente ajustado no menu de configurações, assim como o volume de efeitos sonoros, músicas e vozes. Além disso, há várias outras opções, incluindo a possibilidade de cortar animações variadas para acelerar ainda mais o gameplay.

O futuro está entre nós

Disgaea 6 Complete traz uma evolução fundamental para a série de RPGs estratégicos. Com a possibilidade de automatizar o combate, nunca foi tão fácil mergulhar de cabeça e aproveitar a sensação de recompensa da série. Tanto para quem nunca jogou nenhuma das obras anteriores quanto para veteranos que estão um pouco sem tempo para o grinding mas querem explorar um RPG estratégico riquíssimo em opções, não há dúvidas de que esta é uma nova entrada ideal para a franquia Disgaea.

Prós

  • Sistemas de automatização e aceleração da velocidade tornam a experiência do grinding em algo mais rápido e fácil do que nos antecessores;
  • Gameplay rico em opções estratégicas e customização da build de personagens;
  • Mapas divertidos de explorar graças ao bom emprego de elementos verticais e dos Geo-Panels, especialmente os opcionais do Item World e do pós-game;
  • O uso de números altos desde o início ajuda a motivar o jogador com a sensação de um progresso nítido.

Contras

  • História e personagens muito genéricos e caricatos;
  • É impossível alternar entre IAs dentro dos mapas de batalha.
Disgaea 6 Complete — PC/PS4/PS5 — Nota: 9.0
Versão utilizada para análise: PC

Revisão: Thais Santos
Análise produzida com cópia digital cedida pela NIS America


é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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