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Análise: Souldiers (Multi) é uma aventura retrô bela, porém bastante punitiva

Explore um mundo vasto neste título indie bem-produzido, mas que é conservador demais.


Souldiers faz uma ode às aventuras da era 16-bits ao mesmo tempo em que explora conceitos modernos. Produzido pelo estúdio espanhol Retro Forge, o jogo mescla plataforma 2D, combate brutal inspirado em soulslikes, pitadas de metroidvania e belo visual em pixel art para criar uma jornada elaborada. A ideia principal funciona, mesmo não sendo muito original, e as mecânicas principais são competentes, no entanto problemas notáveis de ritmo e um nível de desafio bastante irregular diminuem o brilho deste título indie.

Soldados presos entre a vida e a morte

O reino de Zarga está em guerra e um batalhão de guerreiros segue para uma batalha decisiva. No entanto, o grupo fica preso em uma caverna enquanto preparava uma emboscada contra a nação inimiga. Durante esse confinamento, aparece uma valquíria que os informa que o tempo deles naquele mundo acabou e que agora a única possibilidade é seguir para Terragaya, um lugar que se encontra entre a vida e a morte.

Chegando lá, o grupo recebe a tarefa de encontrar uma entidade conhecida como Guardião, pois somente ele é capaz de mandar os soldados para o pós-vida. A tarefa não será fácil, pois além dos perigos naturais de Terragaya, há também o surgimento de uma força nefasta que corrompe criaturas. E, para piorar, existe um detalhe importante: os guerreiros nunca morreram de fato, então por que foram levados para esse mundo?


Um ponto curioso é que controlamos um soldado anônimo e não um dos vários comandantes do batalhão. Três classes estão disponíveis, cada qual oferecendo um estilo de jogo único. O patrulheiro é o mais equilibrado do trio, utilizando espada e escudo para enfrentar os inimigos. O arqueiro é bastante ágil e ataca de longe com flechas, sendo capaz também de lançar seu arco como se fosse um bumerangue. Por fim, o conjurador é especializado em desferir feitiços poderosos, porém é extremamente frágil.

Em suma, Souldiers é uma aventura 2D tradicional. No controle do soldado anônimo, exploramos as regiões de Terragaya, que estão infestadas de perigos. Há de tudo um pouco: momentos de plataforma, puzzles de navegação, combates e missões paralelas. Os mapas são elaborados, contando com caminhos alternativos e segredos, muitos deles somente acessíveis após adquirir habilidades específicas, como um salto adicional no ar ou uma bota que permite deslizar por paredes.


Fora os itens que liberam novas técnicas de mobilidade, o herói coleta diferentes orbes elementais. Além de alterarem os ataques, esses poderes disponibilizam novas interações com elementos dos cenários. Com a gema de fogo, por exemplo, é possível queimar cordas e teias de aranha, o que libera novos caminhos. O poder de eletricidade é capaz de ativar dispositivos eletrônicos, como portas e elevadores. Já o orbe da areia cria plataformas flutuantes ao acertar cristais. É possível trocar livremente o elemento de acordo com a situação.

Elementos de RPG estão presentes na jornada. Ao adquirir experiência, os heróis sobem de nível, o que aumenta suas características básicas e provê pontos para liberar diferentes habilidades. Há também diversos acessórios com efeitos variados, inúmeras armas secundárias (como bombas, facas envenenadas e um pequeno canhão), poções e materiais que permitem melhorar os equipamentos.



Desbravando um mundo intrincado

Souldiers se intitula uma aventura que mescla  diferentes gêneros em uma aventura simultaneamente retrô e moderna. Na prática, o jogo é mais conservador do que parece e carece um pouco de identidade. No entanto, a base é razoável o suficiente para oferecer uma boa experiência.

De longe, a característica mais notável do título está na boa variedade de desafios, com uma mistura equilibrada entre sessões de plataforma, puzzles de navegação, exploração e combate. Os trechos mais interessantes são justamente os que utilizam mais de um conceito simultaneamente, como partes em que precisamos fazer saltos complicados ao mesmo tempo em que enfrentamos inimigos e evitamos armadilhas.


O mundo de Terragaya é vasto, labiríntico e repleto de segredos e caminhos, nos incentivando a explorar todos os cantos. Particularmente, gostei de desbravar cada área em busca de equipamentos ou tesouros, especialmente depois de obter alguma habilidade nova. É possível se teletransportar entre os pontos de salvamento, trazendo agilidade à tarefa de revisitar as áreas. Poder ir de um canto a outro rapidamente é essencial, pois a aventura é longa, exigindo mais de 20 horas para ser concluída.

Contudo, Souldiers tem algumas decisões questionáveis. O mapa é extenso e com muitas rotas, mesmo que a aventura seja estruturada de maneira bastante linear, alternando entre breves momentos de exploração livre e trechos em que ficamos presos em calabouços. O problema é que essas áreas fechadas são imensas, normalmente exigindo horas para serem completadas. Essa divisão engessada compromete o ritmo e deixa as coisas bem cansativas. Além disso, faltou um pouco de criatividade: as habilidades e poderes são básicos e batidos, muitos deles funcionando como se fossem chaves.


Já a ambientação surpreende com o visual impecável em pixel art — Terragaya é vibrante, com localidades variadas e belamente construídas. Pela jornada, atravessamos um deserto com pirâmides imponentes, desbravamos uma floresta tomada por ruínas, nos esgueiramos por uma caverna repleta de aranhas gigantes, fazemos compras em uma cidade agitada e muito mais. Efeitos de iluminação cuidadosamente construídos, em conjunto com camadas de elementos em diferentes planos, tornam impressionante o mundo do jogo.

No calor do combate

O outro chamariz de Souldiers é o combate brutal inspirado no subgênero soulslike. Há razoável variedade e customização nos embates, e o desafio acentuado nos força a agir com cuidado. Apreciei a agilidade das batalhas, que exigem reação rápida. Os inimigos são bastante agressivos, o que nos força a observar com cuidado seus movimentos — aparar um ataque na hora certa ou desviar de investidas perigosas é essencial para sobreviver. Os heróis são bem versáteis, contando com várias habilidades ofensivas únicas e movimentos de esquiva. É importante se adaptar constantemente, pois novos tipos de oponentes e perigos são introduzidos a todo momento.


Outro ponto interessante é como cada classe é bem diferente uma da outra. O patrulheiro é bastante tradicional e resistente, sendo capaz de defender e desferir contra-ataques com relativa facilidade. O arqueiro troca a força pela agilidade, conseguindo golpear de longe enquanto escapa de investidas dos inimigos. Já o conjurador é extremamente técnico, pois seus feitiços poderosos o deixam completamente vulnerável.

Contudo, os elementos de RPG são tímidos e de pouco impacto. Cada classe conta com uma árvore de habilidades que, na prática, oferece uma evolução bastante linear e conservadora. Os heróis também aprendem técnicas especiais únicas ao derrotar certos chefes, porém esses golpes pouco contribuem para a variedade estratégica. Mesmo assim, gostei de experimentar cada herói, só achei uma pena não ser possível alternar entre eles em um mesmo arquivo — é necessário recomeçar desde início com cada classe.



Uma jornada de insistência e punição

Desde o início, Souldiers deixa clara a intenção de ser bastante desafiador. Não há nada de errado nisso, mas o problema é que o jogo é difícil pelos motivos errados. Para começar, muitos dos ataques dos inimigos são extremamente rápidos e difíceis de ler, o que não nos dá tempo hábil para reagir a tempo. Para piorar, os movimentos do herói, em comparação com os dos inimigos, são bastante lentos, bastando um único deslize para ser derrotado.

O título tem também vários elementos de dificuldade mal pensados. Pelas regiões de Terragaya, é muito comum ser morto por armadilhas e inimigos que aparecem do nada, às vezes surgindo fora do campo de visão. Há também trechos irritantes em que somos forçados a fazer saltos às cegas, o que em boa parte das vezes resulta em espinhos ou outros perigos. Perdi as contas de quantas vezes morri para esse tipo de elemento e fui forçado a repetir desafios várias vezes e memorizar os perigos para conseguir avançar.
 


Ser derrotado é bastante punitivo: é necessário refazer tudo novamente desde o último checkpoint. Acontece que esses pontos de controle são inconsistentes e muito distantes um do outro. Além disso, algumas vezes a ação se reinicia antes de alguma cena não interativa, que não podem ser puladas — somos forçados a rever as conversas toda vez que morremos, o que é algo frequente.

Por fim, faltou equilíbrio na dificuldade. Na modalidade padrão, o desafio é acentuado, mas há muitos picos mais complicados bem desagradáveis. Além de serem muito fortes, os inimigos contam com ações irritantes, como infligir estado de paralisia (o que significa morte quase certa) ou então se afastar rapidamente após receberem dano (em especial as criaturas voadoras). Fora isso, as classes arqueiro e conjurador são extremamente frágeis a ponto de morrerem com dois golpes consecutivos, o que torna um exercício de paciência utilizá-las.


Por baixo de tantos problemas, há uma aventura divertida e recompensadora que exige um pouco de insistência e paciência. O título conta com um nível de dificuldade mais brando que torna os combates mais palatáveis, porém não resolve os problemas de ritmo e de design. Não só isso, as versões para consoles têm problemas técnicos significativos, como carregamentos demorados e taxa de quadros inconsistente. Torço para que mudanças sejam feitas no futuro para que a experiência se torne mais agradável.

Um mundo para poucos

Souldiers usa conceitos consagrados e uma atmosfera retrô para criar uma aventura agradável e de alto desafio. Seu maior trunfo é o ótimo equilíbrio entre trechos de plataforma, exploração, puzzles de navegação e combates frenéticos, que estão espalhados por um mundo vasto. Há muito conteúdo para desbravar, com direito a três classes bem distintas. Além disso, a ambientação cativa com o belíssimo visual em pixel art e a vibe descompromissada que remete à era 16-bits.

Contudo, o jogo sofre com alguns problemas que atrapalham a experiência. As ideias e mecânicas principais carecem de identidade, o ritmo é irregular e pontuado por calabouços de progressão arrastada, o mundo apresenta perigos injustos e irritantes, e a dificuldade é desequilibrada. Muitas dessas questões negativas são contornáveis com algumas alterações, então a situação pode mudar no futuro.

No fim, Souldiers é competente. Apesar de seus defeitos, há um bom jogo aqui, só é necessário muita paciência e um pouco de insistência para aproveitá-lo.

Prós

  • Boa mistura de ação, plataforma, exploração, puzzle e combate;
  • Três personagens distintos para dominar;
  • Mundo vasto e repleto de conteúdo;
  • Ambientação elaborada com belo visual em pixel art.

Contras

  • Algumas ideias são subdesenvolvidas e não apresentam identidade;
  • Ritmo irregular e com muitos momentos arrastados;
  • Várias escolhas questionáveis de design, como saltos cegos e perigos fatais que aparecem de surpresa;
  • Dificuldade desbalanceada e injusta em alguns momentos.
Souldiers — PC/PS4/PS5/XBO/XSX/Switch — Nota: 7.0
Versão utilizada para análise: PC

Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Dear Villagers


é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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