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Análise: Far Cry 6 (Multi) te leva ao inferno em uma ilha paradisíaca

Mesmo sem trazer uma inovação de peso, a série ganha mais um antagonista memorável em uma narrativa envolvente em forma de aventura de guerra.

As franquias da Ubisoft já possuem uma identidade bastante marcada na indústria dos games. Logo, já sabíamos o que poderíamos esperar em Far Cry 6 e de fato a fórmula das outras entradas da série foi replicada com precisão, tanto em acertos quanto em erros. Isoladamente, o título consegue trazer uma experiência bastante satisfatória, aliada à narrativa envolvente desenvolvida em torno de seus personagens.

A guerra contra o leão de Yara

Yara é uma ilha no meio do Caribe que parou no tempo após uma revolução ocorrida em 1967. Essa batalha colocou o país em um pesado bloqueio comercial e após a morte de Santos Espinoza, líder revolucionário, ocorreram eleições que colocaram no poder o filho do presidente anterior ao golpe. 

Essa pessoa é Antón Castillo, que prometeu trazer Yara de volta à glória pela venda do Viviro. Trata-se de uma variação do tabaco cultivado na ilha, modificado com toxinas e que, indicam estudos, pode colaborar no combate a doenças como o câncer. A ideia parece uma solução milagrosa para a crise financeira que assola o país, mas existe um pequeno detalhe: Castillo utiliza suas forças militares para persuadir e escravizar aqueles que não concordam com a sua visão de um futuro melhor, denominando-os como “falsos yarenses”. As pessoas capturadas são forçadas a trabalhar nas plantações de Viviro, que é letal para quem tem contato direto antes da modificação em laboratório.

Toda a repressão das forças de Castillo deu luz a um grupo guerrilheiro que busca a libertação dos escravizados e resistência à ditadura imposta pelo “El Presidente”. Assim surge o grupo Libertad, comandado por Clara Garcia. É aí que entramos no papel de Dani Rojas (que pode ser tanto homem quanto mulher), uma pessoa que só queria fugir de todo o caos, mas se vê obrigada a se juntar à guerrilha após a morte de seus dois amigos. Junto à Libertad, Dani terá que derrubar as forças de Antón Castillo, bem como seus sub-tenentes, que controlam as diferentes regiões de Yara, cada um com seu propósito específico.

O enredo pode parecer comum para qualquer filme de ação, sem contar os clichês e inspirações em narrativas conhecidas da própria história mundial, o que o torna bastante previsível em diversos momentos. Porém, o que chama atenção aqui são as atuações dos atores, que conseguem nos prender muito bem.

O nome de Giancarlo Esposito, famoso por seus papéis em Breaking Bad, The Mandalorian, The Get Down, The Boys e inúmeras outras produções de peso, conseguiu atrair uma atenção enorme para o jogo, já que ele dá vida a Antón Castillo. A série Far Cry já é conhecida por ter vilões icônicos, como Vaas Montenegro, Pagan Min e Joseph Seed, e é com muito louvor que Esposito cria um antagonista que é impossível odiar. Ver as cenas de Castillo, principalmente acompanhado de seu filho Diego, são de encher os olhos.

Vale citar que o mérito também se estende ao resto do elenco. Para nos auxiliar durante a jornada, nos deparamos com diversas pessoas, que contam com nossos serviços, seja como ajuda ou troca de favor. Todos eles têm personalidades bem cativantes, variando entre pessoas endurecidas pela batalha e aqueles que preferem se animar diante da esperança de um futuro melhor.

Outras duas atuações merecem ser destacadas: Jess Salgueiro é a atriz por trás da voz de Clara Garcia, e ver a maneira com que a personagem varia entre a desilusão e a ira é algo assombroso; e Alex Fernandez, que personifica Juan Cortez, o sagaz guerrilheiro experiente que nos enche de conselhos estranhos, frases de efeito e equipamentos de alta destruição.

Além disso, não há uma grande melhoria gráfica que mereça ser citada. O visual de Yara é muito bonito como um todo e os personagens têm modelos decentes, mas nada muito além do que foi visto nos jogos anteriores da série. O destaque positivo fica por conta da belíssima trilha sonora original, composta por Pedro Bromfman, que já havia feito trabalhos para as temporadas do seriado Narcos, da Netflix (que coincidência, não?). Há também a presença de diversas canções de artistas latinos, como Hilario Durán, Ghetto Kumbé, El Chacal e Gabylonia.

A única coisa que quebra um pouco o clima criado por essa parte cinematográfica que as cenas oferecem são as legendas. Por algumas vezes, elas não estão sincronizadas com o que é falado na tela, inclusive em momentos cruciais para o desenrolar da história. Gírias são frequentemente utilizadas por personagens que claramente não adotam esse linguajar, o que torna o trabalho de localização das falas um tanto quanto pitoresco pelos caminhos tomados.

Um looooongo passeio pela ilha...

Como já foi citado, a fórmula de Far Cry 6 é bastante conhecida: nosso protagonista tem sua missão principal, dividida em capítulos. Podemos concluí-los na ordem que bem entendermos até o desfecho da campanha.

Existem também as missões secundárias, que envolvem objetivos diversos, como tomar bases e pontos estratégicos dos militares, eliminar alvos específicos, explodir canhões antiaéreos e roubar cargas que estão sendo escoltadas pelas estradas. Todos eles rendem alguma recompensa, que varia entre itens essenciais, armas e equipamentos.

Por fim, há as tarefas de menor relevância, que envolvem achar tesouros em lugares afastados, ganhar corridas, caçar animais e achar itens espalhados pelo mapa. Nada disso influencia no andamento do jogo, mas adiciona ao fator replay, que em Far Cry 6 é vasto… até demais.

A curiosidade de saber se existe algum item raro nas proximidades é quase sempre bem-recompensada, mas também aumenta consideravelmente o tempo de conclusão necessário entre uma missão e outra. Ter uma grande variedade de atividades é sempre bom, e uma das marcas registradas da série há anos, mas talvez o tempo consumido possa tornar o andamento da narrativa como um todo bastante arrastado.

Com o vasto número de colecionáveis que pipocam pelo mapa a qualquer momento, é instintivo dar aquela escapada das missões principais para ir alguns metros (ou quilômetros) longe do objetivo principal. Claro que nossa locomoção não precisa ser feita a pé; temos à nossa disposição carros, aviões, motos, barcos e helicópteros. Inclusive vale citar que a maioria deles possui rádios e é extremamente divertido passar por cima dos soldados ao som de “Livin’ La Vida Loca'', de Ricky Martin, por exemplo. Já outra lembrança não tão agradável é que alguns bugs clássicos, como veículos atravessados no meio do pavimento e soldados mortos se movendo pelo chão, seguem firmes e fortes, marcando sua desgostosa presença.

Também podemos andar a cavalo pelas estradas de Yara, e eles têm um pró e um contra bem peculiares. O pró é que ao montarmos em um e nos dirigirmos a uma via principal, é possível acionar uma viagem automática, para que o nosso equino nos conduza pelas estradas até um ponto próximo do nosso objetivo sem a necessidade de termos que controlar o animal. A parte ruim é que invariavelmente seremos atropelados por um caminhão militar que não estava no mapa e provavelmente surgiu das profundezas do além. Mistérios de Yara, não é mesmo?

Não podemos esquecer dos sensacionais minigames que existem pelo local. Apesar de não render recompensas expressivas além de dinheiro, são escolhas curiosas que ajudam a compor o ambiente em que estamos inseridos. Os escolhidos desta vez são o tradicional dominó, que pode ser aprendido em qualquer boteco local da sua região, e a rinha de galos. 

Este segundo, por mais que tenha gerado uma enorme controvérsia com a sua inclusão, não pode deixar de ser citado como algo no mínimo criativo. Em vez de simplesmente fazer uma aposta e torcer pelo nosso galo, nós escolhemos um “combatente”, ao melhor estilo jogo de luta, e entramos no ringue, com direito a golpes especiais. Apesar da escolha moralmente e socialmente questionável (e ousada), dentro do contexto do jogo, a possibilidade de controlar um galo como se fosse um artista marcial não deixa de ser uma adição inusitada.

Todos esses elementos fazem de Yara um personagem da história por si só, com características marcantes aliadas a um bioma tropical e sua população dividida entre o ódio e a alegria. Seja nas praias, nas montanhas, nas florestas ou na capital Esperanza, é impossível não se encantar com o local.

Eu, minhas armas e meus parças

Em matéria de jogabilidade, Far Cry 6 não vai muito longe do que já era esperado. A visão em primeira pessoa dá o tom da ação, mudando para uma perspectiva diferenciada apenas quando entramos em locais seguros. Podemos correr, pular, agachar, deslizar no chão e nadar, além de atirar (e muito). Tudo isso com comandos bastante responsivos, mas nada surpreendente, ainda mais para quem é veterano na série. Para tornar a aventura mais inclusiva, foram disponibilizados diversos recursos de acessibilidade, como auxílios visuais e descritivos (escolha de cores para as legendas e para destacar aliados, inimigos e itens), tudo para levar a experiência aos mais variados públicos. Todavia, o grande diferencial do jogo está nos equipamentos e nos nossos “parças”.

Quanto aos companheiros de batalha, bem, a ajuda que eles dão é animal (desculpem, não pude perder o trocadilho). Em Far Cry 6, nós contamos com a ajuda de alguns bichinhos com capacidade de virar qualquer guerra a nosso favor. Eles podem distrair os soldados, recuperar nossa energia e até achar materiais para modificarmos nossas armas. Sem contar que Guapo, Chorizo, Chicharrón, Cabum e Oluso são umas gracinhas e sempre vale a pena ver a animação deles ao ganhar um carinho.

Além disso, utilizá-los no campo faz com que eles ganhem habilidades muito úteis em diversas ocasiões. Por fim, eles podem ser vestidos com roupinhas que não mudam em nada seus atributos, mas deixam eles umas gracinhas.

Como é de praxe, podemos coletar diversos tipos de armamentos em baús escondidos. O arsenal varia entre pistolas, submetralhadoras, escopetas, rifles de assalto, lançadores de mísseis e as gambiarras, que são a novidade do jogo e trata-se de armas caseiras criadas por Juan Cortez.

Todas elas têm atributos básicos, como dano, precisão, furtividade, manejo, etc, e podem ser customizadas em bancadas de oficina. Nesses espaços, simbolizados no mapa com um par de ferramentas, utilizamos os materiais que coletamos pelo caminho para melhorar a mira, o dano infringido, o impacto causado enquanto atiramos e até o tipo de munição utilizada. Quando adquirimos um atributo para uma arma, ele não vale apenas para aquela arma em particular, e sim para o grupo inteiro. Ou seja, se melhoramos a mira de uma escopeta, aquela opção estará disponível para todas as outras escopetas que possuímos, sem precisar gastar mais material.

Entretanto, a customização de equipamentos se torna um pouco desinteressante por causa de alguns fatores. O primeiro é a escassez de certos materiais, como a pólvora, necessária para todas as alterações, que nos leva a fazer poucas modificações e nos prendermos a apenas um tipo de arma, abrindo mão de explorar mais as opções disponíveis para alterar nosso armamento.

O segundo é que só é possível alterar os atributos das armas na bancada. Logo, variar a munição, que é muito importante em momentos de invasão, já que cada tipo de soldado inimigo tem fraqueza a um determinado tipo de bala, não é possível no inventário. Isso faz com que o jogador tenha que ter várias armas já preparadas, e vai de encontro com a escassez de material.

O terceiro, e de certo modo menos preocupante, é que existem armas de fogo especiais escondidas por Yara. Elas são exatamente iguais às comuns, só que com uma pintura mais estilosa e alterações fixas, não podendo ser customizadas. Ao encontrar uma delas, é instintivo colocá-las como uma das principais e ignorar as demais. Elas são ótimas, o que mais uma vez desestimula a personalização das demais.

Além disso tudo, existe um equipamento especial desenvolvido caseiramente por Juan, o Supremo. De longe o aditivo mais criativo e divertido do jogo, trata-se de um acessório carregado nas costas de Dani como se fosse uma mochila, e que pode ter várias funções, dependendo de qual Supremo escolhemos. Eles variam entre lançadores de foguete, disparadores de cargas eletromagnéticas, recuperação de energia e até espalhar veneno pelo ar. Seu uso é limitado, mas pode ser recarregado.

Guerrilha fashion week

Como se não bastasse personalizar as armas, o próprio protagonista conta com a possibilidade de ter vantagens específicas baseadas no seu traje. Podemos escolher cinco partes separadas para vestir: cabeça, torso, pernas, pés e mãos. Ainda, em prol do nosso penteado, dá para esconder a parte da cabeça, assim mantendo o visual intacto.

Essas vantagens são inúmeras e mais focadas na durabilidade de Dani, como maior resistência a disparos de uma munição específica, poder correr mais tempo, retomar o fôlego mais rápido após nadar, ter uma recuperação de energia mais eficiente e aumentar a precisão na hora de arremessar facas. Alguns trajes possuem conjuntos completos, com item para cada parte do corpo, mas equipar tudo junto não confere bônus algum, então sempre é mais interessante fazer combinações criativas na hora de se vestir.

Obrigado, Castillo

Far Cry 6 não ousa muito em termos de jogabilidade e criatividade na dinâmica das missões, o que pode torná-lo um pouco repetitivo. Por outro lado, a inclusão dos parças e dos Supremos consegue trazer um novo tom à estratégia de batalha. Além disso, as atuações dos personagens, principalmente de Antón Castillo, dão um tom convincente a uma história que tinha tudo para ser bastante comum.

Prós

  • A excelente atuação dos atores faz a história ser envolvente;
  • A jogabilidade não inova, mas se mantém divertida;
  • diversas opções de acessibilidade;
  • A adição dos parças é uma boa mecânica estratégica;
  • Várias opções de customização de armas e trajes;
  • O mapa do jogo é repleto de segredos e missões;
  • Excelente trilha sonora.

Contras

  • O andamento das missões por vezes é bastante arrastado;
  • A customização de armas é limitada aos locais com bancada e acaba se tornando desinteressante;
  • Quase nenhuma melhoria gráfica em relação aos jogos anteriores;
  • Os bugs característicos da série estão presentes (sim, de novo).
Far Cry 6 — PC/PS4/PS5/Stadia/XBO/XSX — Nota: 9.0
Versão utilizada para análise: PS4
Revisão: Davi Sousa
Análise feita com cópia digital cedida pela Ubisoft


é amante de joguinhos de luta, corrida, plataforma e "navinha". Também não resiste se pintar um indie de gosto duvidoso ou proposta estranha. Pode ser encontrado falando groselhas no seu twitter @carlos_duskman
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