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Análise: Dreamscaper (PC/Switch) — mergulhando nos sonhos em uma ótima aventura de ação roguelite

Explore o subconsciente de uma garota neste título que se destaca pela grande variedade de itens e poderes.


Em Dreamscaper, precisamos desbravar sonhos e pesadelos em uma aventura de ação roguelite repleta de ideias bacanas. O jogo se alterna entre dois momentos interligados: durante o sono, atravessamos calabouços surreais repletos de perigos; de dia, exploramos uma cidade e fazemos amigos. A diversidade de armas e poderes, que podem ser combinados de inúmeras maneiras, é um dos destaques, assim como a narrativa interessante que aborda traumas emocionais. Mesmo com alguns problemas de fluidez e repetição, o jogo oferece uma experiência familiar e cativante.

Entre sonhos e pesadelos

Uma garota chamada Cassidy de repente vai parar em sua cidade de infância. Há algo estranho: o lugar está tomado por monstros, que a atacam violentamente. Indefesa, ela sucumbe, mas, subitamente, está em sua cama — tudo não passou de um sonho. Curiosamente, toda noite esses fatos se repetem, e Cassidy decide agir: ela encontra armas para se defender e passa a explorar esse estranho local.

Logo ela percebe que o reino onírico retrata suas memórias e sentimentos. Qual é a origem desses sonhos? Por que há tantos monstros? Por qual razão algumas das áreas estão devastadas e lembram um pesadelo? E o que aconteceu com Cassidy, que parece ter passado por algum trauma emocional? Entendemos isso aos poucos conforme desbravamos os sonhos e acompanhamos a história da garota.


Dreamscaper desenvolve essa narrativa alternando entre dois momentos. Durante a noite, enquanto Cassidy dorme, atravessamos calabouços no seu subconsciente em uma aventura de ação. A estrutura é bem tradicional: combates e tesouros estão espalhados por salas, e há um chefe no final de cada área. Para enfrentar os desafios, a garota conta com armas e habilidades especiais, além de um escudo e um movimento de esquiva. Pelo caminho, podemos alterar os poderes da heroína ao encontrar novos equipamentos e poderes.

Já durante o dia, Cassidy visita diferentes localidades da cidade de Redhaven. As atividades disponíveis influenciam o mundo dos sonhos de alguma forma, e há também desenvolvimento narrativo. Fortalecer o relacionamento com diferentes pessoas libera bônus passivos; meditar permite aumentar atributos (como vida e força); sonhar acordada no bar é capaz de liberar novos tipos de salas nos calabouços; já novos itens são desbloqueados ao desenhar em um caderno em uma galeria de arte.


O jogo é um roguelite, ou seja, morrer significa perder os equipamentos e recomeçar a partida desde o início. No entanto, há progresso permanente: armas e habilidades ganham experiência e ficam mais fortes conforme as utilizamos, e muitas das atividades feitas durante o dia fortalecem Cassidy e expandem o mundo dos sonhos. Ao contrário de muitos outros títulos do gênero, é possível escolher quais dos itens já liberados vão aparecer nos calabouços e determinar nosso equipamento inicial, o que traz um pouco de controle e diminui a aleatoriedade.

Em uma aventura conservadora, mas interessante

Dreamscaper utiliza mecânicas tradicionais de roguelikes dungeon crawlers sem deixar de apresentar características únicas. A estrutura dos estágios é básica e focada em combate, porém existem salas com desafios de combate ou pequenos puzzles, ajudando a trazer variedade. Os mapas contam com câmaras trancadas ou escondidas e pedras que podem ser explodidas, o que nos incentiva a usar com sabedoria as poucas bombas e chaves que encontramos pelo caminho. O conceito principal é simples, no entanto um andamento ágil e balanceado deixa a experiência agradável.

O mundo dos sonhos é dividido em diferentes estágios que representam alguma memória de Cassidy, como sua cidade-natal, um acampamento que ela costumava visitar com a família e uma metrópole. As fases são visualmente distintas, mas, estruturalmente, são idênticas — ou seja, salas com combates e tesouros. Os inimigos e algumas poucas armadilhas mudam, porém isso não é suficiente para oferecer maior diversidade, o que traz sensação de repetição com o tempo. É uma pena que haja essa limitação, por mais que os outros aspectos do jogo consigam compensá-la até certo ponto.


Por ser um roguelite, o conteúdo de Dreamscaper é expandido aos poucos conforme completamos os ciclos e liberamos novos recursos. As melhorias aumentam as chances de vitória, mas o que conta realmente é a destreza — em nenhum momento senti a necessidade de fazer grind para conseguir avançar. A presença de elementos que persistem entre as partidas ameniza bastante a frustração de ser derrotado.

O desafio padrão é moderado e há opções para customizá-lo: é possível aumentar a dificuldade de certos aspectos das partidas (como quantidade de inimigos e tamanho do mapa) ou então fortalecer instantaneamente a protagonista para deixar tudo mais fácil. Alguns modificadores, inclusive, introduzem novos elementos, como ataques inéditos para os chefes. Gostei das opções de dificuldade, pois elas alteram sensivelmente a experiência, e há incentivo para aumentá-la na forma de mais recompensas.



Muita variedade em um combate acelerado

Pelo mundo dos sonhos, Cassidy encontra inúmeras habilidades inspiradas em suas memórias. Muitas delas são básicas, como espadas e tacos de baseball, mas há vários poderes criativos: fogos de artifício, um poder que cria estacas do solo, um buraco negro que suga inimigos, uma esquiva elétrica, um dragão que cospe fogo e muito mais. A maioria dos poderes tem funcionamento bem distinto e os ataques podem ser fortalecidos ao serem ativados no momento certo, o que incentiva a agir com atenção. Há também combos elementais que aumentam consideravelmente o dano, como lançar um feitiço elétrico em um inimigo molhado.

O combate estilo hack and slash me conquistou com sua vasta variedade e possibilidades de combinações. Durante uma partida, usei uma esquiva flamejante em conjunto com um ioiô que atacava à média distância. Em outro sonho, eu me especializei em fazer combos rápidos com uma luva de boxe, atacando monstros distantes com uma esfera elétrica e um raio laser. Já em uma terceira ocasião, foquei em combos elementais com feitiços de fogo e gelo. Dentro de uma mesma tentativa, somos incentivados a trocar de equipamento constantemente, o que torna a exploração diversificada.


A dificuldade é moderada e bastam alguns erros para ser derrotado. Diferentes tipos de inimigos habitam o mundo dos sonhos, cada um exigindo estratégias distintas. É até tranquilo enfrentá-los individualmente, mas a situação muda quando atacam em grupo: somos forçados a priorizar alvos e nos mover continuamente para não sermos cercados e mortos. Os confrontos contra os chefes são bem interessantes, pois apresentam várias etapas complexas.

Gostei do combate acessível e diversificado, mas ele tem pontos que me incomodaram. Para começar, algumas animações são truncadas e estranhas, o que dificulta executar os ataques fortalecidos. Aparar golpes com o escudo é custoso, pois é complicado entender os movimentos dos oponentes — raramente uso essa opção, prefiro simplesmente esquivar. Por fim, às vezes é difícil entender a ação por causa do ângulo da câmera meio lateral em conjunto com muitos elementos na tela. Com o tempo aprendi a contornar esses problemas, mas acredito que o jogo se beneficiaria com alterações para maior fluidez.



As belezas do subconsciente e as dores do trauma emocional

Por trás dos sonhos, Dreamscaper conta uma história de trauma e superação: Cassidy passou por alguma situação complicada e vamos descobrindo aos poucos os detalhes. Para isso, precisamos nos relacionar com diferentes pessoas durante o dia, por meio de pequenos diálogos e presentes. Conforme o nível de amizade aumenta, acontecem conversas longas que exploram os personagens e revelam detalhes da trama. Durante os calabouços, a garota também encontra memórias que ajudam a contextualizar os fatos.


O tema do jogo é contemporâneo e verossímil, abordando questões como ansiedade, relacionamentos, família e inadequação social. A narrativa é fragmentada e precisamos preencher as lacunas, e parte da graça é justamente ligar os pontos. Os personagens não são muito elaborados e a trama é bastante simples, porém os temas, dramas e questionamentos me cativaram.

Achei notável como os dois momentos do jogo são interligados e se influenciam constantemente. Um exemplo é o apartamento de Cassidy: conforme avançamos na jornada e derrotamos os chefes, que são personificações de sentimentos negativos, a bagunça dá lugar a uma decoração elaborada. Fica claro que a garota melhora mentalmente aos poucos ao enfrentar e vencer os medos em seu subconsciente.


Uma ambientação etérea reforça a relação entre sonhos e realidade. Os cenários são visualmente belos e ricos em detalhes, como a grama que mexe ao vento, os letreiros neon em uma fase que se passa de noite, e balanços e parquinhos no estágio inspirado na infância da protagonista. Há um tom surreal nos sonhos, com estruturas exóticas, como colunas retorcidas de formas impossíveis, e uma iluminação que parece névoa. A trilha sonora suave e repleta de pianos traz uma sensação de relaxamento e combina muito bem com o tema onírico, mesmo nos momentos mais intensos.

Gostei, em especial, de pequenos detalhes espalhados por todo o jogo. Na transição para o sonho, Cassidy cai na cama e “mergulha” em seu universo interior em uma animação criativa. A transição entre as salas lembra uma gota de tinta se espalhando rapidamente por um papel. Os vários itens do mundo dos sonhos são representações das memórias da protagonista e contam com comentários divertidos, como uma espada “daquele RPG legal”, uma pirueta que a garota diz que adoraria conseguir fazer na vida real e um seguro de saúde que cura ao custo de dinheiro (“estou pobre, mas ao menos estou saudável”). No fim, eu realmente me senti explorando as memórias de Cassidy.



Em uma jornada surreal e repleta de emoções

Dreamscaper usa sonhos e questões emocionais para criar uma ótima aventura de exploração de calabouços com elementos de roguelite. Os combates rápidos empolgam com sua grande variedade de habilidades que permitem criar inúmeras combinações interessantes. Além disso, há muita criatividade com vários poderes fora do comum e o desafio é acentuado, o que me fez continuar tentando mesmo depois de ser derrotado inúmeras vezes. Os estágios são um pouco parecidos entre si, mesmo com geração procedural, e alguns pontos do sistema de batalha quebram o ritmo ágil, mas, no geral, as partidas são envolventes.

Fora isso, há uma interessante narrativa fragmentada sobre uma garota com traumas emocionais e enfrentando situações verossímeis. A trama é desenvolvida em dois momentos de jogo que se influenciam constantemente de ótima maneira: as ações feitas enquanto a heroína está acordada expandem as opções nos calabouços dos sonhos, e vice-versa. Uma atmosfera com ótimo visual, música suave e tom surreal tornam a exploração prazerosa. No fim, Dreamscaper é uma experiência marcante e que cativa.

Prós

  • Dungeon crawler de ação competente com grande variedade de armas e poderes;
  • Ciclo de jogo roguelite balanceado que alterna entre ação nos sonhos e relacionamentos de dia;
  • Boa quantidade de conteúdo, com a presença de opções para customizar a dificuldade;
  • Atmosfera marcante com belo visual surreal e música suave;
  • Temática simples, mas instigante, explorada em uma narrativa não linear.

Contras

  • Alguns elementos do combate carecem de fluidez;
  • Os estágios são mecanicamente parecidos demais entre si.
Dreamscaper — PC/Switch — Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Ives Boitano
Análise produzida com cópia digital cedida pela Freedom Games

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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