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Análise: Akiba’s Trip: Hellbound & Debriefed (Multi) ainda é um jogo de PSP, mas em console de mesa

Reedição comemorativa do primeiro título da série deixa a desejar por contar com todas as precariedades relacionadas a um console menos capaz.


Lançado originalmente em 2011 para o PSP, o primeiro Akiba’s Trip é um clássico cult, ou seja, que adquiriu um nicho reduzido de seguidores fiéis ao longo dos anos. Após a repercussão relativamente positiva do jogo original, a marca logo se tornou uma franquia de mídia que rendeu sequências, edições revisadas e até mesmo outras incursões em outros formatos, como um anime.  Akiba’s Trip: Hellbound & Debriefed é uma espécie de remake (ou ao menos é como ele se vende) do primeiro título da série produzido no intuito de comemorar seus dez anos de existência.


Muito de seu nicho se deve à forma metalinguística que a IP conversa com ele, uma vez que a história se situa basicamente no bairro de Akihabara, conhecida como a Meca dos Eletrônicos e verdadeiro ponto de encontro da cultura otaku e weaboo, cujos representantes vagam pelo local por se sentirem inseridos ao lado de seus iguais. A grosso modo, é um pouco como o bairro da Liberdade, em São Paulo, nesse aspecto. 




Tendo isso em vista, sabe aquele meme do iceberg que representa uma fanbase ou um outro grupo específico e característico? Aquele, que contempla várias classes de profundidade que vão desde as obras, assuntos e teorias mais populares no topo até outros temas mais obscuros de acordo com a profundidade? Pois então, Akiba’s Trip é claramente feito visando a subcultura otaku em suas camadas mais submersas do iceberg, a começar pelo fato de ele ter sido lançado originalmente para o PSP, aparelho conhecido por sua biblioteca diferenciada nesse aspecto.

A história de Akiba’s Trip: Hellbound & Debriefed começa com um garoto que está à procura de um amigo no bairro de Akihabara, quando ele é subitamente atacado por um ser chamado Shadow Soul, o nome chique que o jogo dá para vampiros. O garoto então fica desacordado e desperta em uma sala, onde é interrogado por um casal, que explica que agora ele tinha se tornado um Shadow Soul e, por isso, a organização à qual eles pertenciam queria recrutá-lo para lutar contra os que ainda vagam por Akihabara. Assim, cabe a nós descobrirmos mais a respeito desses vampiros que vivem entre nós e desmascará-los perante a luz do sol, sua maior fraqueza.




A questão aqui é que os Shadow Souls são capazes de esconder mesmo à vista de todos porque um vestuário simples já é suficiente para protegê-los da luz do sol. É aí que entra o infame trocadilho por trás do título do jogo, uma vez que a sonoridade de Akiba’s Trip (Passeio por Akiba) gera um sentido duplo para Akiba Strip (sendo que “strip” significa “despir”). Dessa forma, a principal maneira de combater os vampiros é justamente arrancando suas roupas. Daí, a história acaba se desenvolvendo como um pseudo-RPG em que conhecemos um conflito entre facções distintas envolvidas com os Shadow Souls e o próprio jogador tem poder de escolha na forma de conduzir a narrativa, levando a diferentes finais. 

Para identificarmos os vampiros na multidão, o jogador pode utilizar uma câmera especial que indica quando um transeunte é um Shadow Soul ou não. Isso não nos impede, contudo, de enfrentarmos os humanos comuns, que simplesmente ficarão envergonhados e furiosos ao fim da batalha, uma vez que os combates consistem em ir batendo nos inimigos de três formas diferentes, cada uma no intuito de acertar uma peça específica de vestuário (correspondentes à cabeça, torso ou membros inferiores). Ao causar dano suficiente, pode-se arrancar as roupas uma por uma e, quando os oponentes ficam seminus, eles são finalmente derrotados. Também é possível efetuar saltos e criar combos que agilizam o ato do desnude alheio. 




Apesar da premissa por trás de Akiba’s Trip, ressalta-se que ela é conduzida de uma maneira tão caricata que está bastante longe de ser algo erótico. Na verdade, o que se observa é uma ideia relativamente adolescente e com um humor muito característico japonês, aquele que normalmente não funciona para um público comum ocidental por ser considerado simplesmente muito bobo a um ponto que beira o constrangedor. Dadas as devidas proporções, é quase como um longa-metragem do Tarantino, em que a violência é tão caricata que não choca e chega a ser cômica. A diferença é que os filmes do diretor em questão são divertidos, enquanto Akiba’s Trip, não.

Na prática, o produto que temos é essencialmente um jogo para o PlayStation Portable. Isso significa corresponder a uma série de valores nichados muito característicos do portátil da Sony e que realmente o fizeram (ao lado do Vita) uma plataforma cheia de pérolas ocultas provindas do Oriente. Dito isso, Hellbound & Debriefed reproduz fielmente esses atributos bastante específicos no PlayStation 4.




A questão é que o PlayStation 4 é outro console. Um console de mesa. Isso implica que muitos desses fatores que possam ter tornado Akiba’s Trip atrativo no passado se perdem na transição para esta versão. A dinâmica de um game portátil funciona de forma diferente e a impressão que fica é a de um game precário demais para a televisão. Essa precariedade se estende para a existência do próprio port, uma vez que ele tem poucos elementos de remake inerentes ao intuito de se atualizar para um videogame notoriamente mais potente, principalmente no aspecto gráfico.

Sim: o jogo é feio. Não só feio, ele é desagradável aos olhos. Eu custo a entender como é que um de seus pontos de venda seja justamente a forma como ele se exibe como uma recriação fiel de Akihabara. Akihabara é tão feia e vazia assim? Porque é essa a impressão que eu tenho ao jogar Akiba’s Trip. Os modelos são incomodamente poligonais e poderiam ter sido trabalhados nessa edição comemorativa. Os movimentos também são truncados e eles são especialmente prejudiciais nos combates, que carecem de fluidez e ficam apenas chatos. A péssima experiência nesse aspecto é amplificada pela câmera horrorosa do jogo e por um sistema notadamente ruim de combate, carente de recursos básicos como uma trava de mira que funcione. 




Os padrões e as texturas se mantiveram os mesmos de dez anos atrás, o que claramente é um revés, pois elas se mostraram muito estouradas em uma resolução mais alta. Os menus são pouco agradáveis de se ver porque eles são não apenas poluídos e de um estilo estético ultrapassado, mas também porque a própria navegação é pouco amigável e nada intuitiva. Por que eu preciso sair do mapa para salvar o jogo? Mais de uma vez eu perdi o progresso simplesmente porque morri sem conseguir deixar o local onde eu estava a tempo. Se isso é reproduzir a experiência de jogar o original, dita experiência é bastante ruim. 

Outro aspecto bem específico de um título japonês de PSP, que reforça o status de Akiba’s Trip como um produto de nicho, é a quantidade de texto que o jogo ostenta em sua campanha. Embora relativamente curta — por volta de dez horas — a campanha conta com muita conversa, sendo que, no meio desse monte de falatório, existe a possibilidade de direcionar a narrativa em diferentes finais. Por sorte, o modo história é curto e ele mesmo estimula novas sessões de jogatinas de New Game +. O problema é que eu dificilmente teria vontade de encarar mais de uma vez uma experiência tão precária como essa. Mesmo a gama diversa de missões paralelas são pouco estimulantes e, em determinado momento, eu só estava jogando no intuito de encerrar logo o título, algo preocupante para uma campanha tão curta. 




Akiba’s Trip não é necessariamente um jogo ruim, mas ele também não é lá muito bom. Em game design, existe um termo chamado game feel que, a muito grosso modo, corresponde ao sentimento abstrato que se tem ao jogar algum título. O game feel muitas vezes é consequência da competência técnica de um título, mas existem também instâncias em que ele transcende essas questões de maneira intangível. O segundo caso é exatamente o de Akiba’s Trip. A experiência simplesmente não é boa e vai além do constrangimento temático e da precariedade técnica. Talvez ela funcione melhor no Switch, considerando as suas potencialidades como um portátil, mas é algo que não posso confirmar. 

Chega a ser bastante sacanagem tentar atribuir valores modernos a um jogo de dez anos atrás, como é o caso de Akiba’s Trip. Isso seria anacronismo. Entretanto, chama a atenção como eu apenas sinto que existe alguma coisa errada com o título, principalmente porque ele foi vendido como uma experiência atualizada e moderna, em uma nova versão. Falando de maneira particular, eu sempre fui muito entusiasta e creio que minha tolerância a esse tipo de otaquice é bastante alta, mas parece que Akiba’s Trip foi demais para mim. 

Prós

  • Bastante variedade de equipamentos;
  • Primeira vez que o jogo chega ao Ocidente;
  • Premissa interessante (mesmo que implementada de forma bem bobinha);
  • O trocadilho do título é genial.

Contras

  • Diálogos longos e enfadonhos;
  • Gráficos datados que poderiam ter sido modernizados, além do menu hostil;
  • Jogabilidade truncada;
  • Só funciona para quem transcendeu e se tornou um grão-feiticeiro das altas camadas da esfera weaboo. 
Akiba’s Trip: Hellbound & Debriefed — PC/PS4/Switch — Nota: 4.5
Versão utilizada para análise: PS4
Revisão: Farley Santos
Análise produzida com cópia digital cedida pela XSEED Games


É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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