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Análise: Returnal (PS5) é um roguelike de tiro delicioso, viciante e cruel

Um viciante roguelike de tiro para jogadores persistentes


Returnal é um jogo de ação que combina elementos de roguelike, exploração, metroidvania, shooter bullet hell, tiro em terceira pessoa e horror espacial. Você está no papel de Selene, uma exploradora a serviço da agência Astra, que está investigando um misterioso fenômeno denominado “Sombra Branca”. A nave de Selene é atingida por uma tempestade e acaba danificada, caindo em um planeta chamado Atropos.

Atropos não é um local desabitado e tampouco acolhedor. Este planeta abriga formas de vida extremamente hostis, além de mecanismos estranhos de uma xenocivilização desconhecida e aparentemente extinta.


Ao explorar o local, Selene encontra o cadáver de uma agente da Astra e descobre que o cadáver é ela mesma! Só que ela não se lembra de estar neste lugar anteriormente e nem do que aconteceu ali. Selene pega a pistola de seu próprio corpo, parte para investigar a Sombra Branca e descobre-se presa em um loop temporal, onde a cada morte ela retorna ao local de queda.

Desenvolvido com esmero pela Housemarque, estúdio responsável por títulos como Resogun e Matterfall, Returnal é um título exclusivo para consoles PlayStation 5.

Morrer, cair e levantar

Returnal é, como você pode perceber, uma mistura de gêneros, com predominância de características roguelike, bastante punitivo e com ciclos consideravelmente longos. Toda vez que você morrer, voltará para a primeira cena do primeiro estágio, ao lado da sua nave, equipado apenas com a pistolinha básica de nível zero.



Quase tudo será perdido: todos os consumíveis, os níveis de proficiência, as melhorias na barra de integridade, acessórios equipados, parasitas encontrados, todos os obolitos (o “dinheiro” do jogo) — tudo desaparecerá. Não há níveis para conquistar ou atributos para evoluir de uma run para outra.

Mas não dá pra carregar nada? Dá, mas pouca coisa. À medida que progredimos na campanha, liberamos certas habilidades permanentes que nos permitem explorar áreas antes inacessíveis, como a capacidade de usar teleportadores, uma espada para ataques corpo a corpo e um gancho com corda para subir em lugares altos. Selene é claramente uma homenagem a Samus Aran, e as inspirações em Metroid estão também nessa característica “metroidvaniana”.




Toda informação que você obtiver enfrentando monstros, decodificando textos alienígenas, etc, também será mantida. Por fim, as pedras de Éter, um consumível raro que pode ser trocado por obolitos ou remover maldições de itens, também são levadas consigo após a morte.

Ao contrário de um roguelike, os cenários de Returnal não são gerados proceduralmente. O que acontece é que as salas possuem sempre a mesma arquitetura, porém os elementos que você encontra nelas (itens, inimigos) são aleatórios. A ordem das salas também é embaralhada; por isso, mesmo sem a criação procedural, em cada ciclo o desafio acaba sendo diferente.




Esse é um dos problemas do jogo: a quantidade e o tipo de itens, recursos e inimigos que você encontrará é aleatória. É muito comum que você se veja preso em salas com uma quantidade injusta de inimigos, ou que invista horas em um ciclo para descobrir só lá na frente que possui recursos insuficientes para enfrentar o boss. Infelizmente a sorte é um fator decisivo aqui.

I love to hate you

Returnal causa sensações conflitantes em mim. Seu gameplay é muito redondo, os controles são precisos e a jogabilidade é reforçada com o excelente feedback háptico do DualSense. Controlar Selene é muito natural, pois os comandos são extremamente responsivos. Atirar com ela, movimentar-se pelos cenários e desviar dos inúmeros projéteis de neon é uma delícia.

Como jogo de tiro, Returnal é extremamente satisfatório. Ainda que você não chegue até o final da campanha, ele se sustenta maravilhosamente pela sua jogabilidade (e rejogabilidade). É daqueles jogos que deixam você ansioso para chegar logo em casa pra jogar uma partida, ou que você diz a si mesmo "só mais uma run antes de dormir" e quando vê já está amanhecendo.




Por outro lado, a mecânica roguelike de Returnal é exageradamente cruel, punitiva e dependente de sorte. É um jogo que, ainda que seja excitante, também tem momentos extremamente frustrantes, pois não é fácil lidar com a decepção de morrer após uma run de quatro horas e ressuscitar lá no início do mapa com a pistolinha de nível zero.

Jogadores de roguelike estão acostumados a reiniciar inúmeras vezes, mas a questão é que os loops de Returnal levam horas. É um jogo que demanda uma extraordinária dedicação e persistência, e não creio que isso seja uma característica atraente para a maioria dos jogadores. Em algum momento você vai desanimar e querer desistir.

Aqueles que persistirem, porém, serão recompensados com uma sensação incrível de progresso. E não estou falando do progresso da personagem Selene, mas do jogador em si. Hordas de inimigos que lhe matavam com facilidade e davam um baita trabalho nas primeiras runs são vencidas facilmente depois de um tempo, de maneira elegante, com você singrando pelo mapa e desviando de ataques como se estivesse dançando. E não é seu equipamento ou seu personagem que melhoraram, você é que melhorou suas habilidades como jogador.



Todos os inimigos atacam em um padrão simples de compreender e previsível. A questão é que usualmente você é cercado por hordas e ainda precisa se preocupar em não cair nos abismos do terreno. Matar cada inimigo individualmente é fácil, mas quando se está cercado, a combinação dos padrões de ataque torna o desafio extremo. Com o tempo, o jogador aprende a prever e evitar os ataques de maneira quase instintiva, e chegar a esse nível é legal demais.

Mecânicas cheias de adrenalina

Em Returnal é extremamente importante não ser atingido pelos ataques dos oponentes. Não apenas pelo motivo óbvio, que é evitar danos, mas principalmente pela mecânica de adrenalina.

Quanto mais oponentes você abater em sequência sem sofrer danos, mais você aumenta um medidor de “adrenalina”, que possui cinco estágios. Este medidor concede vantagens progressivas, como visão melhorada, aumento na barra de Sobrecarga e tiros teleguiados adicionais.




A “sobrecarga” é uma mecânica emprestada de Gears of War e consiste em efetuar a recarga da arma dentro de uma janela de tempo. Se o jogador errar, a arma é recarregada dentro do tempo normal, e se acertar a recarga acontece quase instantaneamente. A munição em Returnal é infinita, mas no calor do combate o tempo de recarga atrapalha bastante, por isso é fundamental dominar esta técnica. Veteranos de Gears of War já começarão bem-treinados nesta mecânica.

Existem vários itens coletáveis e baús “amaldiçoados” com energia maligna, que possuem uma chance de causar uma penalidade ao jogador. Essa penalidade poderá ser anulada ao efetuar tarefas, como matar uma quantidade de monstros ou abrir baús. Existem também os parasitas, que são como itens equipáveis que concedem simultaneamente uma vantagem e uma desvantagem. Isto faz com que o jogador sempre tenha que fazer avaliações de risco/recompensa, adicionando uma camada estratégica ao gameplay.




Por fim, você só pode carregar uma arma consigo, portanto se achar uma nova, terá que decidir se vale a pena descartar a arma atual para pegar a nova. Pode ser também que desse ponto em diante você só consiga armas ruins, pois como eu disse antes, o jogo depende de sorte.

Recursos de nova geração

Returnal é um jogo que usa os recursos de nova geração de forma espetacular. É uma experiência que, pelo menos atualmente, não poderia ser apreciada da mesma forma em outra plataforma que não seja o PlayStation 5.

O maior destaque, sem dúvida, vai para o feedback háptico do DualSense, que foi usado de maneira magistral. É possível perceber a aproximação de inimigos grandes sentindo seus passos no chão, dá pra sentir o calibre no disparo de cada arma, o impacto de golpes sofridos, a atuação de campos de força, as gotas de chuva caindo em seu traje. Isso é algo impressionante e mal pode ser descrito em palavras, você realmente precisa sentir para entender o quanto é legal.




Também houve uso dos gatilhos adaptativos: pressionar o gatilho esquerdo até a primeira resistência ativa a mira da arma; já pressioná-lo até o fundo ativa o disparo especial. É algo bacana, mas não tão impressionante quanto o feedback háptico.

Os desenvolvedores recomendam jogar com fones de ouvido e há um bom motivo pra isso: o áudio 3D é fenomenal. Returnal foi concebido para ser jogado desta forma e é impressionante como você consegue localizar os inimigos pelo som. Não só isso, mas os ruídos ambientes como o vento, o farfalhar das plantas, o ruído dos mecanismos... é como se você estivesse lá. O som também ajuda a desviar de projéteis chegando pelas suas costas, o que é legal demais.




Outra vantagem bem mais sutil, mas bastante impactante na jogabilidade, é a velocidade do armazenamento do PS5. Não existe tempo de carregamento, mesmo quando você se teleporta para o outro extremo do mapa ou muda totalmente de ambiente. Em um jogo onde você morre e retorna ao início frequentemente, essa característica traz um conforto bastante relevante.

Visualmente, Returnal é muito bonito, mas não espetacular. Roda em 4K a 60 quadros por segundo, o que é muito bom num jogo com ação tão intensa. Os visuais alienígenas exóticos de Atropos e a miríade de projéteis e inimigos em tons de neon são bonitos, tirando proveito dos efeitos de ray tracing, mas existem jogos mais bonitos na geração anterior.

Salve-se quem puder

Um grande problema em Returnal é a ausência de um sistema de salvamento. Esta ausência pode não ser um problema em roguelikes com ciclos de minutos, mas em Returnal, que possui ciclos de várias horas, é um defeito grave. Caso você esteja em um ciclo particularmente bom e precise interromper o jogo, terá que contar com a suspensão de sistema do PS5.


O problema deste “método” é que caso o console receba uma atualização automática, ou mesmo se acabar a luz enquanto você estiver fora, seu ciclo será perdido. Note que isso também impossibilita que você mude de jogo enquanto estiver no meio de um ciclo.

No momento em que escrevo esta análise, a desenvolvedora Housemarque está avaliando a possibilidade de implantar um sistema de salvamento, tamanha foi a quantidade de reclamações de jogadores pelo mundo sobre essa deficiência.




Durante meus testes o jogo crashou três vezes, causando um desapontamento muito grande (lembra que o jogo não possui saves?). Mas depois da última atualização, não houveram mais travamentos, rodando de maneira bastante estável.
 
A dublagem e textos são completamente localizados para português brasileiro, com ótima interpretação por parte da dubladora de Selene (que é a única personagem com falas).

Para poucos

Returnal é um título bastante difícil de avaliar e, por consequência, recomendar. Ele não é ruim — pelo contrário, é viciante, muito bem-produzido, tem controles que beiram a perfeição e aproveita de forma sublime os recursos de nova geração do PS5. Mas o seu game design cruel é para poucos; a maioria vai desanimar e abandonar o jogo pelo caminho.




Se você gosta de roguelikes, curte um bom desafio e tem persistência inabalável, sem dúvidas eu lhe recomendo Returnal. Mas se você é daqueles que ficou desanimado só em ver as prints que postei nesta análise ou se não lhe agrada a mecânica de recomeçar centenas de vezes com pouco progresso entre elas, melhor partir pra outra.

Prós

  • Controles extremamente responsivos e precisos;
  • Jogabilidade viciante;
  • Mecânica de combate muito divertida;
  • Usa os recursos de nova geração do PS5 com maestria;
  • Dublado e legendado em português do Brasil.

Contras

  • Jogo de nicho, não agradará boa parte dos jogadores;
  • Não possui recurso de save, o que impossibilita mudar de jogo enquanto você estiver durante uma run;
  • Excessivamente dependente de sorte;
  • Loops muito demorados, com horas de duração.
Returnal - PS5 - Nota: 8.0
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Sony

é engenheiro eletrônico e tem uma filha fofinha que tenta morder os controles do papai. Curte jogos de luta, corrida e ação.
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