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Análise: Retro Machina (Multi) traz puzzles, beleza e marasmo em uma jornada por um mundo desolado

Este título indie brasileiro tem alguns conceitos interessantes, mas desafios simples demais e problemas de ritmo atrapalham a experiência.


Em Retro Machina, um pequeno robô-operário explora um mundo sem humanos a fim de corrigir um defeito em seu próprio processamento. Para isso, ele precisa enfrentar outras máquinas e resolver puzzles por cidades abandonadas e ruínas. O jogo do estúdio paulista Orbit Studio encanta com sua elaborada ambientação retrofuturista, porém mecânicas subutilizadas e ritmo inconsistente comprometem a jornada.

A odisseia de um robô defeituoso

A humanidade desapareceu da Terra e só restou Endeavor City, uma metrópole habitada unicamente por máquinas. Em uma de suas várias instalações, repentinamente um robô-operário decide deixar o seu posto, o que é classificado como um defeito grave nesse local focado em perfeição. Por causa disso, o robô é considerado sucata e lançado em um ferro-velho bem longe da cidade. Sendo assim, o pequeno operário vai tentar encontrar uma maneira de consertar seu próprio defeito para sobreviver e voltar para Endeavor City.


É nesse contexto que acontece a aventura de exploração e resolução de puzzles de Retro Machina. O robô-operário desbrava locais em ruínas, mas não é um passeio tranquilo: outras máquinas farão de tudo para destruir o androide supostamente defeituoso. Por sorte, o protagonista é capaz de hackear e controlar inimigos, um recurso valioso para resolver desafios espalhados pelo caminho. Praticamente qualquer oponente pode ser utilizado em combate ou em puzzles, e cada máquina conta com características únicas.

O jogo conta com várias áreas com mapas elaborados, e para avançar precisamos encontrar cartões de acesso e alavancas para abrir portões e outros obstáculos. O caminho raramente é trivial, sendo necessário buscar diferentes rotas para se chegar aos objetivos indicados no mapa. As características do robô-operário podem ser melhoradas com itens espalhados pelos cenários, e alguns desses objetos se encontram em locais secretos ou de difícil acesso, o que incentiva o jogador a vasculhar todos os cantos.
 


Dominando outras máquinas para resolver desafios

Retro Machina foca na mecânica de controlar inimigos, que é utilizada extensivamente durante a jornada, principalmente nos puzzles. Em um trecho, usamos uma pequena aranha mecânica para entrar em canos e alcançar locais distantes. Em outra parte, manipulamos plataformas para criar caminhos para o herói. Já em uma fábrica abandonada, controlamos simultaneamente o protagonista e outro robô, que precisam ativar botões para liberar partes do caminho. Os enigmas são bem intuitivos e agradáveis, sendo fácil visualizar suas soluções.

Os melhores momentos do jogo estão nesses vários puzzles, em especial os mais elaborados que exigem movimentar simultaneamente o robô-operário e um inimigo. Porém, rapidamente, a graça se perde, pois os desafios se mostram limitados: a maior parte deles consiste em usar um oponente para apertar um botão distante ou então manipular plataformas. Há tentativas de trazer variedade, como a necessidade de alternar entre várias máquinas diferentes, porém, na essência, ainda estamos fazendo sempre a mesma coisa simples de uma maneira mais complicada. Para mim foi uma decepção, pois há boa diversidade de inimigos com habilidades diferentes para controlar, mas elas não são devidamente exploradas nos desafios — faltou mais ousadia e criatividade.


O combate traz um elemento de ação a Retro Machina. Para atacar, o herói usa uma chave inglesa, e um movimento de esquiva permite evitar perigos. Durante os embates, podemos controlar os inimigos e utilizar seus ataques, o que traz um elemento estratégico. O protagonista também aprende novas habilidades, como um golpe giratório e uma descarga elétrica capaz de paralisar oponentes. Dominar essas habilidades é essencial para sobreviver, principalmente nas complicadas batalhas contra os chefes.

Infelizmente, o combate é um dos pontos mais fracos do jogo. As batalhas são extremamente repetitivas, bastando utilizar a mesma estratégia para vencer. Utilizar inimigos para atacar não é uma boa opção: seus golpes são fracos, seus movimentos são desajeitados e é confuso utilizar as alavancas para controlar simultaneamente dois personagens. Por causa disso, eu nunca usei esse recurso durante as batalhas e preferi golpear diretamente, pois é uma estratégia mais eficiente e segura. Por fim, muitas batalhas são desnecessariamente longas e difíceis por apresentarem grande quantidade de inimigos e pouquíssimas oportunidades de recuperar a vida. 
 


Em um intricado (e confuso) mundo retrofuturista

A estrutura de Retro Machina apresenta vastas áreas com mapas elaborados, no entanto há problemas de ritmo durante a exploração. Na maior parte do tempo, somente andamos por cenários sem atividades, o que ajuda a reforçar o clima de desolação e solidão, mas logo isso fica cansativo: os pontos de interesse são bastante distantes entre si e os cenários não têm elementos interessantes. Além disso, é custoso entender o mapa e é fácil acabar perdido sem saber o próximo passo. Pontos de teletransporte tentam mitigar esses problemas, mas a quantidade reduzida deles não é suficiente para trazer fluidez.


O andamento é melhor em trechos mais contidos e diretos, que lembram pequenos calabouços com vários puzzles e combates em sequência. Fora deles, porém, a ação é somente enfadonha — há alguns inimigos pelo caminho, mas fiz questão de evitá-los por causa das batalhas repetitivas. Ao meu ver, o ritmo se beneficiaria com áreas menores e com mais atividades. Aqueles que gostam de explorar minuciosamente vão se divertir, pois há muitos itens e colecionáveis escondidos pelo mapa, no entanto esses incentivos não me cativaram.

A ambientação “retrofuturista” inspirada em ilustrações de ficção científica da década de 1980 é o aspecto mais notável de Retro Machina. Os belos cenários pintados à mão são visualmente elaborados e fazem inúmeras referências a elementos da ficção científica, e os robôs esbanjam um carisma inusitado com seus formatos clássicos. A construção do mundo é enriquecida com inúmeros colecionáveis com textos e imagens que contextualizam o que aconteceu com a humanidade, assim como pequenos detalhes nos cenários. 
 


Uma jornada para poucos

Retro Machina é uma bela aventura que acaba tropeçando em vários aspectos. A mecânica de controlar inimigos é interessante e há alguns usos notáveis, como em certos puzzles mais elaborados. Já a ambientação cativa com um belíssimo universo retrofuturista desenhado à mão e um ótimo design de personagens. No entanto, o ritmo inconsistente, os puzzles simples demais e o combate repetitivo deixam a aventura maçante.

Prós

  • Controlar outras máquinas oferece boas possibilidades em puzzles e combates;
  • Ótima ambientação com visual inspirado em ilustrações sci-fi da década de 1970;
  • Áreas vastas e com muitos segredos a serem encontrados.

Contras

  • Ritmo inconsistente com grandes trechos vazios e exploração custosa;
  • Mecânica de controlar outros robôs subutilizada em puzzles simples;
  • Combate repetitivo e desinteressante.
Retro Machina — PC/PS4/XBO/Switch — Nota: 6.0
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Ives Boitano
Análise produzida com cópia digital cedida pela Super.com

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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