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Análise: Outer Wilds (Multi) é uma bela e singular odisseia pelo desconhecido

Explore um vasto sistema solar em apenas 22 minutos e descubra os segredos do universo.

Outer Wilds é uma daquelas raras experiências interativas que gostaria de apagar da mente e começar do zero, pelo simples fato de ser absurdamente reconfortante, única e esperançosa. Desenvolvida pela Mobius Digital e publicado pela Annapurna Interactive para PC, PlayStation 4, Xbox One e Nintendo Switch, esta cativante aventura espacial de mundo aberto e em primeira pessoa absorve elementos dos maiores títulos de exploração da atualidade para criar algo verdadeiramente original.

Se você está lendo esta análise, abra seu aplicativo de música preferido ou acesse a trilha sonora do jogo no YouTube para sentir seu coração transbordar. Prepare sua roupa de astronauta, pegue uma nave, seja curioso e não tenha medo de viajar pela imensidão do universo em busca de segredos e revelações sobre sua própria história.

22 minutos para o fim do universo

Você é um Hearthiano, um membro de uma simpática raça alienígena que sonha em entender o universo à sua volta, mas não por motivos bélicos ou corridas espaciais; eles apenas querem explorar e, mais simples do que se imagina, sentar ao redor de uma fogueira e relaxar. Esses curiosos seres de quatro olhos colonizaram um planeta chamado Recanto Lenhoso e utilizaram conhecimento avançado para construir uma base espacial com tecnologia retrofuturista.

Todo esse conhecimento científico foi passado de geração para geração por meio do estudo de uma antiga e já extinta civilização chamada Nomai. Não se sabe muito sobre esse povo, mas foram deixados inúmeros registros escritos e narrados com fatos e observações importantes sobre suas vidas, incluindo descobertas ambiciosas que levaram seus sucessores a prosperar.

O jogo começa no momento em que você acorda inesperadamente ao lado de uma fogueira enquanto o espaço à sua volta se move vagarosamente. Acima de sua cabeça, um objeto brilhante e misterioso acende os céus e um corpo celeste orbita majestosamente entre as estrelas. 

Ao levantar-se, você verá um elevador um pouco mais à frente que dá acesso à área de pouso da estação espacial e onde está localizada sua espaçonave. No entanto, antes de subir e começar sua verdadeira jornada rumo às estrelas, você terá que explorar e falar com os carismáticos habitantes de onde vive.

Os primeiros minutos de Outer Wilds são destinados a uma série de tutoriais em que você vai aprendendo as mecânicas básicas e simples do título. O seu personagem pode andar e saltar, mas por conta de diferentes gravidades, cada planeta apresenta um nível de desafio único e se faz necessário aprender a lidar com essa mudança. Isso naturalmente implica na dinâmica de gameplay, o que deixa tudo muito mais atraente e recompensador.

Não sou obrigado a disparar armas e lutar contra inimigos. Não existe violência, inventário, upgrades ou combate. A única coisa a se fazer é andar por aí e se deparar com momentos marcantes. No entanto, para complementar essa jornada, você terá à disposição alguns itens focados exclusivamente em exploração, como uma lanterna, um Onduloscopio, um Batedorzinho e um equipamento de tradução.

Obviamente, o primeiro item serve para iluminar locais escuros; o segundo capta sinais e ondas de rádio oriundas de toda parte do universo; o terceiro é uma ferramenta contendo uma sonda fotográfica e serve para ver além do horizonte, testar o ambiente e principalmente detectar ameaças como matéria fantasma, um efeito mortal e invisível presente na atmosfera; por fim, o último é um leitor de linguagem Nomai usado para traduzir as mensagens deixadas por seus antepassados.

Enquanto você explora sua terra natal, os Hearthianos o lembrarão com empolgação sobre sua primeira viagem ao espaço sideral. Pelo caminho, você vai conhecendo todos e ouvindo suas histórias até chegar ao observatório central e resgatar os códigos de lançamento que permitem acessar o elevador que dá acesso à pista de pouso de sua espaçonave.

Você agora é um tripulante e explorador da Outer Wilds Ventures, um programa espacial cujo objetivo é descobrir por que o seu belo e instigante sistema solar está preso em um loop temporal de 22 minutos. Isso mesmo: em Outer Wilds, um fenômeno misterioso conhecido como Supernova acontece nesse meio-tempo, fazendo com que o sol se desintegre e aniquile todos à sua volta. Então, você morre ou seja lá o que acontece.

Alguns minutos depois e de maneira inexplicável, você acorda exatamente no mesmo lugar em que tudo começou (ao lado da fogueira observando o corpo celeste em órbita) e ciente de tudo que aconteceu anteriormente. Ao se dar conta que está preso nesse loop, o título da Mobius Digital te deixa fazer o que bem entender. Existe um objetivo maior que envolve descobrir o que é esse fenômeno e o que está provocando tudo isso, mas a maneira como será feito fica a cargo do jogador.

Teoricamente, o jogo pode ser zerado no primeiro loop de 22 minutos, mas para que isso ocorra é necessário saber exatamente quais planetas devem ser explorados e o que precisa ser feito. A menos que você veja um tutorial na internet, hipoteticamente é impossível saber para onde ir primeiro graças à complexidade narrativa da aventura e, mesmo se souber, não recomendo fazê-lo, porque a experiência por si só é maravilhosa em sua totalidade.

Destino à lua em 10, 9, 8...

Sua espaçonave é uma curiosa máquina voadora que parece ter sido construída na base da gambiarra. Às vezes estranha, mas perfeitamente desenhada para trazer equilíbrio e dinamismo à jogabilidade de Outer Wilds. Seu interior é dividido em três compartimentos interconectados: controle e navegação; um espaço para equipamentos; e a tela de acesso ao diário de bordo.

Por meio da central de controle você a move para onde quiser e da forma que quiser, seja acelerando, freando, subindo ou descendo. É possível chegar a qualquer parte do sistema solar, mas por conta da gravidade e dos sistemas de translação dos planetas, todo cuidado é pouco e às vezes pode ser difícil de navegar.

Por exemplo: ao acelerar demais e não frear alguns segundos antes de alcançar o planeta em questão, você simplesmente passa reto e é jogado alguns quilômetros além do ponto que gostaria. Ao dar a volta, você notará que mesmo acelerando, sua nave parece não responder por instantes, mas isso se deve à brilhante e excelente física de jogo incorporada, que eleva sua grandeza e seu realismo.

Outer Wilds é baseado em física pura e quando você aprender a dominar os propulsores a jato da nave, vai começar a encontrar pontos de pouso vantajosos e entender o momento certo de parar e realizar movimentações bruscas. Para mim, os controles nada mais são que uma habilidade a ser aprimorada dentro do jogo, em que é necessário ter certas noções de velocidade e tempo para progredir e navegar com excelência e imersão.

Mesmo assim, acredito que teria sido ainda mais interessante implementar um componente de acessibilidade com opções de personalização nos comandos para tornar a experiência menos complicada para uma parcela dos jogadores.

Outro detalhe importante é que a nave também recebe dano. Ao realizar pousos destrambelhados ou colidir em algo, ela pode simplesmente parar de funcionar até você sair e consertá-la. Isso não é nem um pouco problemático, já que não são necessárias peças nem nada. Apenas segure quadrado se você estiver jogando no PlayStation 4 e espere chegar a 100%. O problema é que se você detoná-la em lugares inóspitos, sua experiência de conserto pode ser bem terrível.

À direita da central de controle está localizado o espaço para equipamentos e é ali que você acessa a roupa de astronauta e o Batedorzinho. Na maioria dos planetas (exceto pelo Recanto Lenhoso), se torna obrigatória a utilização do traje, já que ele vem equipado com oxigênio e combustível; caso não use, você morre assim que colocar os pés em terra firme.

Com o traje é possível andar pelos planetas e explorar da maneira que quiser, e à medida que você aprimora e entende a física do jogo, começará a descer penhascos e plataformas instáveis com mais facilidade. No entanto, terá que se atentar às barras de oxigênio, ao combustível e à força de propulsão, pois elas são essenciais para sua sobrevivência.

É possível reabastecer esses atributos na nave, em acampamentos de Hearthianos perdidos ou em locais com árvores, mas é importante observar e preservar seus recursos muito bem, já que às vezes você estará em posições isoladas.

Ao fundo da central de controle está a tela de acesso ao diário de bordo da nave, onde ficam armazenadas todas as informações que você coletou durante sua jornada: traduções de linguagem Nomai, objetos desconhecidos encontrados, locais secretos e assim por diante. Todos esses conhecimentos e aprendizados são registrados ali para ajudá-lo a lembrar o que já foi explorado e o que ainda falta.

A espaçonave é sua melhor amiga. Ela estará sempre pronta para entrar em órbita e levá-lo aos lugares mais misteriosos do universo. Uma vez que o loop temporal de 22 minutos termine, ela também voltará à base de pouso para lhe conduzir à sua próxima aventura. Subir, decolar e voltar para o local onde você acabou de morrer ou que não foi possível explorar por completo — sim, isso é repetitivo e o ritmo lento de progressão pode afastar alguns jogadores, mas a sensação é amenizada por um design de mundo exemplar que é sempre atrativo. É empolgante voltar aos mesmos lugares, aprender coisas novas e instigar sua curiosidade e atenção. É nesse propósito que Outer Wilds se prende e realiza com maestria.

Explorando um vasto sistema solar em constante transformação

Outer Wilds apresenta uma versão em miniatura de um sistema solar próprio composto por diferentes planetas, suas respectivas luas, satélites naturais e artificiais. Destacam-se além do Recanto Lenhoso os Gêmeos Ampulheta, o Vale Incerto, as Profundezas do Gigante e o Abrolho Sombrio, bem como a Estação Solar, a Pedra da Lia, o Luzeiro do Vale, a Lua Quântica, o Canhão de Sonda Orbital, o Buraco Branco e o Xereta.

Cada planeta é absurdamente único, com suas próprias regras de física, fenômenos naturais acontecendo e quebra-cabeças. Ao longo de 22 minutos, todos esses astros vão mudando e são lindamente forjados. O Vale Incerto, por exemplo, tem um buraco negro no núcleo que suga todas as suas partes aos poucos; já os Gêmeos Ampulheta funcionam como um relógio, em que a areia de um é levada até outro para revelar torres antigas construídas pelos Nomai.

Cada um desses corpos celestes funciona como um personagem que expande a narrativa do jogo, e conforme eles vão se modificando, seus segredos são revelados e novas áreas são liberadas, muitas dessas que antes não poderiam ser exploradas. No fim das contas, cada planeta é um invólucro artístico e metafísico que transborda beleza e encanto.

Não quero entrar muito em detalhes para evitar spoilers e tirar o senso de descoberta, mas existem locais fascinantes neste universo e no momento que você entende como cada um trabalha, finalmente irá resolver o grande mistério do jogo. Este é certamente um dos momentos mais memoráveis da história dos videogames, já que o título da Mobius Digital conta uma história totalmente inovadora e original, e a cada nova revelação tudo fica ainda mais intrigante, seja qual caminho você escolher.

Da curiosidade ao medo

Outer Wilds é um reflexo da nossa própria realidade, porque simplesmente quer nos deixar curiosos com perguntas que tanto desejamos responder. De onde viemos? Para onde vamos? Existe vida em outro planeta? A curiosidade é de fato uma das características mais naturais e inatas do ser humano, e aqui esse conceito é utilizado para maravilhar o jogador de modo único e contar uma bela história.

No decorrer de 22 minutos, planetas inteiros vão se modificando e com isso vamos entendendo melhor o que existe lá fora. Sem barras de experiência ou habilidades novas, você sai pela primeira vez do Recanto Lenhoso com tudo que precisa e assim o jogo progride de forma orgânica.

Pode parecer pouco tempo, mas tudo funciona brilhantemente e é mais uma questão de preencher esse espaço com coisas interessantes o suficiente para manter sua curiosidade e guiá-lo em novas pistas. Felizmente, Outer Wilds faz tudo isso com delicadeza e maestria.

Você vê uma ruína antiga e lá descobre que existe um cometa congelado que guarda segredos em seu interior. A partir disso você começa a se questionar: como assim? Cadê esse cometa? Como eu entro nele? À medida que as respostas vão surgindo, você entende que todas as soluções estavam à sua frente desde o começo, você só precisava encontrá-las. 

Ao mesmo tempo que esse senso de curiosidade te domina, a Mobius Digital também quis transmitir uma sensação de medo ao explorar a infinitude do universo. Você nunca sabe o que cada planeta reserva e quais os seus perigos.

O Abrolho Sombrio, por exemplo, é um local bizarro com névoa e criaturas que se assemelham a plantas carnívoras. Adentrá-lo é apavorante e você mal vê a hora de sair dali. Frequentemente me deparei com essas situações que me deixavam trêmulo e assombrado, mesmo sabendo que o título não continha absolutamente nenhum elemento de horror.

Embora os gráficos não sejam sofisticados, Outer Wilds possui uma direção artística fenomenal que trabalha em conjunto com a excelente trilha sonora para criar uma experiência memorável e inesquecível. A faixa musical “Timber Hearth” é uma verdadeira obra prima que transborda sensações únicas de mistérios sendo revelados. Por outro lado, a faixa que dá nome ao título destaca a ação de se viajar ao espaço e lidar com seus perigos.

Todos esses aspectos artísticos são fundamentais para que o jogo funcione e nada disso é em vão, deficiente ou problemático. Houve momentos em que ao ouvir sua trilha sonora, fiquei em um planeta desolado apenas admirando seu horizonte e pensando no quão mágico e esperançoso nosso universo pode ser.

Pura originalidade

Outer Wilds é uma imersiva experiência de exploração espacial que transborda originalidade. Seu design de mundo vibrante funciona como um grande quebra-cabeça repleto de beleza e encanto que visa sempre estimular a curiosidade do jogador, sem deixar de transmitir o medo do novo e do inóspito.

É essa louca epifania de descobertas que torna o título da Mobius Digital tão majestoso e uma das mais belas e extraordinárias obras interativas da última década. Mesmo com falhas pontuais, temos aqui uma experiência marcada pela excelência criativa que expõe o verdadeiro conceito de liberdade em jogos eletrônicos.

Prós

  • Intensa e pura originalidade;
  • Narrativa exemplar que estimula a curiosidade;
  • Jogabilidade exótica com mecânicas de exploração simples, mas que são sempre aperfeiçoadas no decorrer da jornada;
  • Quebra-cabeças únicos e criativos que envolvem o design de mundo e a física do jogo;
  • Trilha sonora extraordinária com faixas sensoriais imersivas;
  • Excelente ambientação de ficção científica.

Contras

  • Ausência de opções de acessibilidade e personalização de comandos;
  • O ritmo de progressão lento pode afastar alguns jogadores.
Outer Wilds - PC/PS4/XBO/Switch - Nota: 9.5
Versão utilizada para análise: PS4
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital adquirida pelo próprio redator

é entusiasta e apreciador de jogos com conceito artístico minimalista e narrativas de significado profundo. Acredita na potencialidade de cada experiência interativa e tenta extrair delas sentimentos humanos e existenciais. No GameBlast também escreve notícias, análises e especiais; no tempo livre produz roteiros autorais de séries e filmes. Criatividade, imaginação e curiosidade são algumas de suas características marcantes.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


  1. Peguei o game alguns meses atrás, joguei algumas horas. O ritmo lento realmente me afastou dele mas pretendo voltar para descobrir o final. Todas as matérias da Internet são só elogios ao game, tem que valer a pena.

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