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Análise: Haven (Multi) traz amor e aventura em um RPG cativante

Explore um planeta desconhecido na companhia de um casal em um título repleto de ideias interessantes.


O quão longe você iria para ficar com quem você gosta? Em Haven, dois jovens apaixonados fogem para outro planeta para ficarem juntos. Para sobreviver, eles vão precisar explorar, se apoiar um no outro e enfrentar aqueles que desejam separá-los. O jogo explora essa premissa em uma aventura que combina RPG, aventura e um pouco de sobrevivência, sempre prezando por sistemas descomplicados. Estas escolhas, em conjunto com uma ótima dupla de protagonistas, resulta em uma experiência envolvente e criativa.

Recomeçando em um novo planeta

Kay e Yu estão perdidamente apaixonados, mas eles não podem ficar juntos por vários motivos. Sendo assim, o casal decide abandonar tudo e fugir de Apiário, sua terra natal, e o destino escolhido foi um planeta distante chamado Origem. Neste local exótico, a dupla precisará se adaptar para construir uma nova vida, o que significa sobreviver e montar um lar. No entanto, a paz não é garantida: alguns indivíduos de Apiário não estão satisfeitos com a situação e vão fazer de tudo para separar o casal.


No início da jornada acontece um incidente e a nave da dupla é danificada, logo eles decidem explorar as várias ilhas flutuantes do planeta em busca de equipamentos para repará-la. Pelo caminho eles também coletam recursos (como alimentos), investigam estruturas abandonadas e procuram por alguma tecnologia perdida que possa ser útil. Além disso, precisamos ficar de olho no bem estar do casal: comer, descansar e nutrir o relacionamento é de extrema importância para sobreviver.

Controlamos a dupla simultaneamente em um título que tem a simplicidade e uma atmosfera relaxante como filosofias, mas sem deixar de ter momentos de tensão. Há três principais atividades (exploração, combate e descanso), em uma aventura que mistura exploração, RPG e sobrevivência de forma leve e com poucos sistemas que funcionam muito bem.


Elementos sutis, como cores, diálogos ou postura dos personagens, transmitem informações — uma maneira elegante de ter uma interface mais limpa. O título é pensado para ser aproveitado sozinho, mas há um multiplayer que divide algumas tarefas entre os dois participantes. Além disso, ele conta também com várias opções de acessibilidade que diminuem a dificuldade ou facilitam certos comandos.

O cotidiano em um mundo desconhecido

Em Haven, na maior parte do tempo, precisamos explorar as várias ilhas flutuantes de Origem. Para isso, Yu e Kay usam botas antigravidade para flutuar pelos cenários de forma ágil. Há muito o que descobrir em cada área, como árvores com vegetais, locais com interações entre os personagens, combates, suvenires escondidos, saídas para outras regiões e mais. A progressão é majoritariamente livre e com o tempo o casal aprende novas habilidades que permitem alcançar pontos anteriormente inacessíveis ou agilizam as viagens.


Pelos locais estão espalhadas correntes de Fluxo, uma energia que indica sutilmente os possíveis caminhos disponíveis na área. Essas linhas permitem alcançar pontos distantes ou altos, pois os personagens “surfam” por elas, inclusive no ar. Alguns desses caminhos exigem destreza para serem acompanhados, pois fazem curvas acentuadas. Pelo caminho, a dupla vai ter que lidar com a Ferrugem, uma crosta que corrompe a vida do planeta. Um dos objetivos é remover essa energia e, para isso, basta deslizar por cima dela. Limpar a Ferrugem exige energia de Fluxo, que é armazenada automaticamente nas botas ao surfar nas linhas, e recursos podem ser adquiridos ao eliminar a corrupção.

Yu e Kay ficam esgotados e com fome após explorar por algum tempo. Nesses momentos, é importante descansar e recuperar as energias, pois isso compromete a velocidade dos heróis em combate. Para isso, voltamos para o Ninho, a nave que é a casa da dupla. Lá podemos cozinhar pratos com os ingredientes coletados, criar itens de suporte, interagir com objetos encontrados pelo planeta e melhorar o relacionamento do casal (o que fortalece suas características físicas). Certas áreas do mundo contam com pontos seguros em que podemos acampar para usar itens de cura, fazer uma refeição simples e descansar.
 


O deslumbre e as complicações de planar

Desbravar o mundo de Haven é um deleite: flutuar pela paisagem alien repleta de grama é relaxante e visualmente interessante. Acompanhar as linhas de Fluxo, em especial, é muito divertido, pois elas costumam fazer caminhos nada usuais que geram cenas estonteantes. As áreas instigam com estruturas e locais inicialmente inacessíveis, o que me fez querer explorar tudo — encontrar caminhos para chegar nos lugares é um dos desafios. Eventos divertidos entre os protagonistas, itens especiais, localidades secretas e até mesmo habilidades são as recompensas por investigar com cuidado os cenários.


Origem é um planeta deslumbrante, mas alguns detalhes me incomodaram. Para começar, a variedade de ambientes é reduzida, e boa parte das áreas são campos repletos de grama verde bem parecidas. Algumas áreas têm topografia mais distinta, ruínas e elementos, mas achei uma pena não ter biomas mais distintos. Além disso, mecanicamente, as regiões oferecem as mesmas atividades com variações, ou seja, coletar itens, limpar a Ferrugem e derrotar inimigos. Felizmente o ciclo de jogo é bem dinâmico, o que atenuou o impacto desses detalhes negativos.

O maior problema da exploração está nas linhas de Fluxo. Muitos locais altos, inclusive caminhos para o próximo objetivo, só podem ser alcançados com a ajuda dessas trilhas de energia. O porém é que muitas vezes é difícil encontrar a linha de Fluxo correta, pois muitas delas só se revelam quando chegamos perto e é impossível saber de antemão seu destino. Por causa disso, muitas vezes fiquei preso por um bom tempo tentando encontrar o caminho de energia correto. Uma indicação mais clara desses recursos poderia tornar esses momentos mais tranquilos.
 


Sincronizando movimentos em um combate acelerado

Além de cobrir a vegetação, a Ferrugem também corrompe as várias criaturas do planeta, que se tornam agressivas e atacam a dupla. Ao encontrar um desses monstros, Yu e Kay precisam enfrentá-los em combate, cujo sistema mistura turnos e elementos em tempo real. Controlamos os dois heróis simultaneamente durante os embates e cada movimento precisa ser carregado antes de ser executado. Os comandos são simples: basta segurar o botão da ação do personagem correspondente.


Para enfrentar as criaturas, Yu e Kay contam com dois diferentes ataques: uma lenta esfera explosiva e um rápido chute com as botas. Um escudo de energia diminui o dano recebido, sendo que o herói com a defesa ativa protege automaticamente o parceiro. A dupla também pode desferir poderosos ataques combinados, porém eles levam muito tempo para serem carregados. Após enfraquecer o monstro, é necessário purificá-lo para removê-lo do combate, caso contrário ele revive depois de algum tempo. Depois de avançar um pouco na aventura, a dupla consegue produzir alguns itens para utilizar no combate, como cápsulas de vida e bombas que acertam todos os inimigos.

Para sobreviver aos embates, é importante coordenar os movimentos do casal para desferir golpes e defender corretamente — às vezes é melhor atacar de forma conjunta, em outros momentos a opção mais inteligente é defender com um herói e golpear com o outro. Observação é essencial, pois a única dica da intenção do inimigo é a sua postura: um monstro olhando para Yu indica que ela será o alvo do próximo ataque, já uma criatura que muda para uma pose ameaçadora pode estar carregando um golpe poderoso.
 


A variedade e o desafio que vêm da simplicidade

Me surpreendi bastante com o combate de Haven, principalmente com sua mistura de estratégia, observação e até mesmo aspectos rítmicos. A ação é acelerada e ágil, e é especialmente divertido conseguir interromper oponentes com uma sequência bem pensada de ataques ou então desferir um movimento combinado na hora certa. Gostei também do aspecto audiovisual do combate: o casal interage constantemente durante os embates, seus movimentos são estilosos e a música enérgica reforça a agilidade da ação.
 

A quantidade de movimentos dos heróis é bem pequena, mas há muitos elementos que introduzem profundidade. Cada monstro tem diferentes tipos de fraqueza e muitos deles exigem ações coordenadas para serem explorados. Uma tartaruga, por exemplo, primeiro precisa ser atordoada por uma explosão para ficar alguns poucos segundos vulnerável — o outro personagem precisa atacar logo em sequência, pois o intervalo de abertura é curtíssimo. Já um monstro de pedra só recebe dano de ataques combinados, logo precisamos calcular com cuidado quando começar a carregar o movimento. É notável como poucos ataques são explorados em variadas situações.

A combinação de diferentes inimigos cria combates empolgantes e intensos em que precisamos aplicar simultaneamente diferentes estratégias para sobreviver. Novos tipos de criaturas aparecem com frequência, sendo que há também alguns monstros especiais bem difíceis de derrotar. Os inimigos são bastante agressivos e a dupla constantemente está em menor número, logo agir com consciência e agilidade é imprescindível para sobreviver, afinal itens de cura são escassos e só podem ser utilizados em pontos específicos. Saí bastante machucado em boa parte das batalhas, mas a dificuldade intensa faz com que a vitória tenha um sabor especial.


O jogo preza pela atmosfera tranquila, logo é um pouco estranho que o combate destoe tanto dessa filosofia. Por sorte, os embates podem ser evitados na maior parte das vezes, pois sua única recompensa (experiência) pode ser obtida de outras maneiras. Além disso, ser derrotado tem penalidade praticamente inexistente. Há também várias opções de acessibilidade que amenizam a dificuldade.

Acompanhando um casal adorável

Visualmente, Haven usa elementos simples e contraste de cores para representar o exótico mundo de Origem. Ao explorar, há uma sensação constante de suavidade e relaxamento, pois boa parte das áreas são vastas, repletas de criaturas coloridas e com muita natureza. Em especial, gostei da grama que se move quando flutuamos pelos cenários e da visão em primeira pessoa dentro do Ninho — com ela é possível ver com detalhes o interior da casa dos protagonistas, trazendo um ar de intimidade. A trilha sonora com música produzida pelo artista francês DANGER reforça a ambientação, com batidas eletrônicas suaves e agradáveis.


Fora os vários sistemas, Haven tem uma dupla cativante de protagonistas de personalidades dissonantes: Yu é uma garota prática e que prefere resolver as coisas de maneira lógica, já o jovem Kay é emotivo e ligado a questões de natureza. O relacionamento dos dois é abordado em inúmeras cenas e diálogos repletos de humor, cumplicidade e reflexões. Suas personalidades são complexas, e a excelente dublagem dá vida aos dois. E, como todo casal, o relacionamento dos dois tem vários altos e baixos.

Pelo caminho, eles fazem comentários sobre acontecimentos e elementos no cenário, pedem ajuda no combate, ou até mesmo fazem competições bobas entre si. As cenas do casal relaxando no ninho são as minhas favoritas: me diverti demais vendo Yu tentando ensinar as regras de um complexo jogo de tabuleiro, com Kay incentivando uma competição de quem bebe mais e com um momento em que os dois fazem comentários com segundas intenções ao folhear um livro com imagens picantes. Quando dei por mim, já estava completamente afeiçoado a Kay e Yu, torcendo pela felicidade deles.


A trama é sobre o casal, mas há também várias outras questões exploradas no decorrer da aventura, como temas de liberdade, aceitação das diferenças e cumplicidade. Curiosamente, a construção do universo é indireta: por meio de conversas e eventos entendemos aos poucos a organização dessa sociedade, descobrimos afinal o que é o Apiário e o que motivou a fuga dos heróis. A história e o mundo não são exatamente complexos, mas não deixam de ser interessantes. O texto está completamente em Português do Brasil e a localização foi feita com cuidado.

Uma fuga interplanetária apaixonante

Haven cativa com uma aventura que mescla elementos leves de RPG e sobrevivência. É empolgante deslizar por um planeta exótico, principalmente por causa dos cenários que convidam à exploração. O combate surpreende com sua profundidade e variedade em embates táticos que exigem ritmo, coordenação e muita atenção. No centro disso temos um carismático casal de protagonistas cujo relacionamento é explorado em inúmeras cenas divertidas e repletas de cumplicidade. Alguns elementos na exploração são um pouco obtusos e quebram a fluidez, mas são detalhes perfeitamente contornáveis. No fim, Haven se revela uma jornada notável e memorável.
 


Prós

  • Ótimo ciclo de jogo que mistura RPG, exploração e sobrevivência;
  • Mundo vasto para explorar com muitos segredos e conteúdo;
  • Sistema de combate empolgante com elementos em tempo real e de ritmo;
  • Dupla de protagonistas cativante e bem construída, com relação explorada em inúmeras cenas não interativas;
  • Ambientação acertada com visual exótico e trilha sonora eletrônica.

Contras

  • Pequena variedade de atividades e de visual de cenários;
  • Alguns sistemas e elementos de navegação não são claros o bastante.
Haven — PC/PS5/XBO/XSX — Nota: 9.0
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: José Carlos Alves
Análise produzida com cópia digital cedida pela The Game Bakers

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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